Trabalho escravo contemporâneo no Brasil

Em 2022, mais de 2.400 pessoas foram libertadas do trabalho escravo pela Polícia Rodoviária Federal em ações em parceria com o Ministério Público do Trabalho e Ministério Público Federal. Denúncias podem ser feitas através do Disque 100

Por Eduarda R. Saraiva / Em Pauta

Operação em Bento Gonçalves – Porthus Junior / Agencia RBS

Na noite de quarta-feira, 22 de fevereiro, mais de 200 homens foram libertados do trabalho escravo em Bento Gonçalves, na Serra Gaúcha. Desde então a história obteve diversos desdobramentos, o que se tem como fato até o momento é que o trabalho era realizado de forma terceirizada na safra da uva em vinícolas da Serra gaúcha.  

A empresa Oliveira & Santana era contratada pelas vinícolas Aurora, Cooperativa Garibaldi e Salton. As empresas estão sendo investigadas, mas afirmam não ter conhecimento sobre as condições das vítimas, que trabalhavam cerca de 15 horas por dia, sem salários, endividados e ainda sendo impedidos de saírem da situação sem pagar uma suposta dívida no mercado onde eram obrigados a fazerem suas compras.

Setores Econômicos Envolvidos – Gráfico elaborado pela autora, dados de Radar SIT – Painel de Informações e Estatísticas da Inspeção do Trabalho no Brasil

De acordo com dados do Ministério Público do Trabalho, entre 1995 e 2022 foram efetuados mais de 60 mil resgates de pessoas condicionadas a escravidão moderna. A mão de obra era destinada para agricultura, construção civil, carvoarias e confecções. Grande parte das vítimas são homens, com idades entre 18 e 40 anos, de raça parda ou preta e de baixa escolaridade.

O professor de sociologia, Doutor André Pereira, estuda relações étnicorraciais, pós-colonialismo, participação politica e Movimentos Negros na contemporaneidade. Em entrevista ele afirma que o Brasil ainda não rompeu com a escravidão e seu passado racista, o que anestesiou o brasileiro, principalmente a parcela branca, a ver pessoas como subalternas. 

Raça de Pessoas resgatadas – Gráfico elaborado pela autora, dados de Bancos de dados do Seguro-Desemprego do Trabalhador Resgatado, do Sistema de Acompanhamento do Trabalho Escravo (SISACTE) e do Sistema COETE (Controle de Erradicação do Trabalho Escravo)

Quando questionado sobre o caso de escravidão contemporânea em Bento Gonçalves, o professor afirma que a condição sócio-histórica de colonização da Serra Gaúcha se deu de forma violenta e que, portanto, isso ainda está enraizado na cultura local. 

Avalia-se que a longo prazo as pessoas escravizadas tendem a sofrer as consequências psicológicas do  trauma, da estigmatização, do isolamento social, além de sequelas físicas por conta da situação degradante que viveram. 

O professor André Pereira afirma que um dia, quando menos se esperar, pode haver um choque de realidade, que mostrará a essas pessoas, que buscavam apenas um salário e que cruzaram o país pela oportunidade de ajudar as famílias, foram escravizadas e que não existem anos de terapia capazes de amenizar o trauma.

Trabalhadores eram mantidos em um alojamento em péssimas condições – MPT-RS/Divulgação

A baixa escolaridade e instrução levou, no ano de 2022, mais de 2.400 pessoas a serem exploradas no Brasil. Esses homens e mulheres deixam suas casas e são levados para diferentes cidades ou até estados e lá são submetidos a condições desumanas de trabalho, com violação de direitos fundamentais, como a liberdade, a dignidade e a segurança, e sem possibilidade de sair do trabalho.

A definição legal de trabalho escravo está prevista no artigo 149 do Código Penal brasileiro, que caracteriza como trabalho escravo a submissão de trabalhadores a condições degradantes, jornadas exaustivas, trabalho forçado ou servidão por dívida. Essa definição também considera a restrição da liberdade de locomoção do trabalhador, seja por meio de violência física, ameaça ou retenção de documentos.

O Ministério Público do Trabalho, a Polícia Rodoviária Federal e o Ministério Público Federal, em parceria com organizações nacionais e internacionais, são responsáveis pela fiscalização das condições do trabalho no Brasil. Cabe a esses órgãos, para além da fiscalização fazerem com que os dispostos no Código Penal e na Constituição Federal do Brasil se façam cumprir. 

“É preciso responsabilizar os criminosos, não apenas socialmente, através do constrangimento, perda de ações e compradores, mas também legalmente, com desapropriação de terras e em certos casos prisão”, afirma Pereira. Para o professor, apenas o pagamento de encargos e multas não são o suficiente.

Denúncias

Para denunciar casos ou suspeitas de trabalho escravo ou violações de direitos humanos, a Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos (ONDH), mantida pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDH), oferece diversos canais, como ligação telefônica no Disque 100 ou Disque 180, através do site ou aplicativo Direitos Humanos Brasil e também através do WhatsApp (61 99656-5008) e Telegram.

Somente em 2021, a ONDH recebeu mais de 1,9 mil denúncias de trabalhos análogos à escravidão. Os estados com maior número de casos foram São Paulo (445), Minas Gerais (283), Rio de Janeiro (136) e Bahia (114). As violações de direitos mais frequentemente apontadas foram a restrição da locomoção do trabalhador, exploração, jornadas exaustivas, trabalho forçado e condições degradantes.

 

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