Marco temporal: julgamento do STF é suspenso, o placar atual de 4 a 2 é contrário à tese

Os votos dos Ministros Cristiano Zanin e Luís Roberto Barroso desempataram o placar da tese na quinta-feira, 31

Por Kaique Cangirana / Agência Em Pauta 

Indígenas protestam contra o Marco Temporal na frente do STF / foto: Alass Derivas | @derivajornalismo

O julgamento do Marco Temporal foi retomado na quarta-feira (30) após o pedido de vista (mais tempo para análise) realizado em junho pelo Ministro André Mendonça. O julgamento é retomado 3 meses depois com o pedido de devolução do caso ao trâmite jurídico feito pela Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Rosa Weber. A Ministra solicitou o julgamento da tese para que consiga votar antes de sua aposentadoria em outubro.Nesta quinta-feira, 31, Cristiano Zanin e Luís Roberto Barroso votaram contra o Marco Temporal. Os Ministros desempatam o placar do julgamento que deve ser retomado na próxima semana.

O Ministro Edson Fachin, relator do Marco Temporal, votou contra a medida junto a Alexandre de Moraes que propôs um meio termo entre ruralistas e indígenas.  A proposta de Moraes foi criticada por sua isenção e impacto aos cofres públicos, a tese do Ministro propõe um subsídio financeiro prévio à demarcação de terras ocupadas por “boa fé”, termo usado para descrever um motivo socialmente aceitável durante a cessão de territórios parelhos a demarcação.

A Advocacia-Geral da União (AGU) considera que a indenização seja um atraso nas demarcações que já seriam de alta complexidade em sua definição e comprovação, além de trazer prejuízos aos cofres públicos e ferir os direitos e a reivindicação dos povos indígenas.

Ao UOL, Joenia Wapichana, presidente da Funai, disse que o governo deve recorrer por meio da AGU caso a proposta de indenização por “boa-fé” seja aprovada: “O governo tem uma preocupação relacionada aos próprios erros que o estado cometeu no passado, por alguns títulos que foram concedidos e por isso existe essa discussão toda”, disse.

Em entrevista ao UOL, o ambientalista indígena, Ailton Krenak, declarou estar surpreendido com o voto de Moraes e considerou a tese do ministro uma afronta a democracia: “Se a constituição diz que não é não, mas se um Ministro diz que pode, cria-se mais um prolongamento da dúvida. Um prolongamento da dúvida sobre uma coisa ilegítima, inconstitucional. O ministro deveria dizer que não e pronto, mas decidiu sinalizar a essa possibilidade devido à crise política que está instalada internamente no governo “, concluiu o ambientalista.

O voto contrário à tese do Ministro Cristiano Zanin, tranquilizou os ânimos do Governo e do Ministério dos Povos Indígenas. Durante a semana, Zanin demonstrou preocupação com pequenos produtores rurais após se reunir com a Senadora Tereza Cristina (PP-MS), ex-ministra da Agricultura do governo Bolsonaro e líder da bancada Ruralista no Congresso.

Na terça-feira (29), a Ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, também visitou Zanin e demonstrou a preocupação de sua pasta apresentando argumentos contrários a tese de demarcação de terras, explanando o processo de reivindicação dos povos indígenas em territórios no interior e desconsiderando a possibilidade de reivindicações em grandes capitais.  Indicado pelo Presidente Lula (PT), Zanin tomou posse da Magistratura em 3 de agosto deste ano e já chamou a atenção por decisões consideradas conservadores em julgamentos recentes no STF.

O voto de Zanin era considerado uma dúvida e foi acompanhado pelo Ministro Luís Roberto Barroso, contrário à tese de demarcação de terras por considerar o solo brasileiro um patrimônio inviolável dos povos originários. Os Ministros Nunes Marques e André Mendonça, que votaram a favor da tese de demarcações, foram indicados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro. Os Ministros Edson Fachin e Alexandre de Moraes, já haviam votado contra a tese e consolidaram o placar em 4 a 2. O julgamento agora, será retomado na próxima semana.

Grupos indígenas de diversas regiões do Brasil se reuniram para realizar protestos contrários à tese e acompanhar o julgamento à frente do STF. Segundo a Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), cerca de 600 pessoas estiveram na capital federal para acompanhar o que chamam de “julgamento do século”. 60 lugares foram disponibilizados para lideranças indígenas no Supremo Tribunal Federal.

Indígenas acompanham julgamento do Marco Temporal em Brasília / foto: Alass Derivas | @derivajornalismo

O que é o Marco Temporal aprovado na Câmara e julgado no STF?

O Marco Temporal é uma tese defendida por ruralistas que delimita as terras indígenas aos territórios que estiveram ocupados de maneira comprobatória desde 5 de outubro de 1988, quando a Constituição atual foi promulgada. Caso aprovado, a decisão passa a valer para todos os processos envolvendo a reivindicação de terras em território brasileiro, ao todo, 226 casos já aguardam solução na corte.

A tese é rejeitada pela comunidade indígena que reconhece a tomada e apropriação de seus territórios desde a colonização. Os indígenas acreditam que a demarcação limite as reivindicações de terras e resulte na isenção de crimes contra a comunidade indígena e o meio ambiente dominado pela produção rural.

O processo que se iniciou em 2021 obteve o voto contrário do relator, Ministro Edson Fachin. Fachin reconheceu que o direito ao território indígena, práticas culturais e subsistência são cláusulas pétreas garantidas pela constituição, não cabendo a decisão jurídica ou política, a subversão e demarcação inconstitucional dos territórios pertencentes a povos originários. O voto de Fachin foi seguido por Alexandre de Moraes que propôs um intermédio polêmico e duramente criticado pela comunidade indígena.

Kassio Nunes Marques votou favoravelmente ao Marco por considerar a tese benevolente a ruralistas e indígenas, o que é controverso ao posicionamento do segundo grupo. André Mendonça conclui seu voto favorável à medida ao declarar que a tese garante a segurança jurídica e a minimiza o risco a conflitos por terras.

Cristiano Zanin, mais novo ministro a tomar posse da Magistratura, votou de forma contrária à tese junto ao Ministro Luís Roberto Barroso. Zanin descreveu a impossibilidade da demarcação de terras pela previsibilidade legal da permanência de povos indígenas nos territórios originalmente ocupados. Barroso contrariou a tese utilizando o caso Raposa Serra do Sol para justificar que a presença física de comunidades indígenas é algo inconclusivo e de difícil comprovação material. O ministro ressaltou a decisão do julgamento como base para as interpretações e definições da ineficácia da demarcação temporal.

A proposta do Marco Temporal já era ventilada desde 2009 quando o Supremo votou pela demarcação da terra indígenas Raposa Serra do Sol em Roraima. Na ocasião, a corte utilizou o entendimento técnico flagrante de peritos na comprovação de atividade indígena durante a data de promulgação da constituição em 1988 para definir o território como posse indígena.

Vale ressaltar que a medida também tramita no Senado após ter sido aprovada em 30 de maio na Câmara dos Deputados. Segundo a proposta base analisada pelos deputados federais: “O Projeto de Lei 490/07 transfere do Poder Executivo para o Legislativo a competência para realizar demarcações de terras indígenas” o que pode tornar a decisão da Suprema Corte inconclusiva e polêmica pela soberania final.

O processo utiliza como base a interpretação do artigo 231 da Carta Magna que diz: “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.

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