Bom Dia, Verônica – 2ª temporada: o imaculado homem de bem e a sua crueldade mascarada
A segunda temporada da série aborda novamente a temática do abuso contra a mulher, mas de uma forma ainda mais tensa e intensa.
Por Jaime Lucas Mattos
Lançando uma nova temporada quase dois anos após sua estreia, “Bom Dia, Verônica”, sucesso nacional da Netflix, não decepciona e mantém tudo que tinha de bom na sua primeira temporada , elevando a tensão e a sensação de que tudo pode dar errado a qualquer momento.
Essa atmosfera criminal e violenta vem do contexto de seus criadores, Ilana Casoy e Raphael Montes. Raphael é escritor de romances policiais e Ilana é uma famosa criminóloga, que estudou e escreveu sobre casos criminais famosos no Brasil, como o Caso Richthofen e o Caso Nardoni. Juntos, eles também assinam os filmes do Caso Richthofen, lançados no Prime Video, e o livro que dá origem à série “Bom Dia, Verônica”.
A primeira temporada da série, lançada em outubro de 2020, nos apresentou a escrivã Verônica Torres (Tainá Müller) tomando a atitude de investigar casos de violência dirigidos contra as mulheres, após o descaso da sua delegacia ante o suicídio de uma vítima na frente de todos os policiais. Somado a isso, um caso ignorado pela delegacia e um silencioso pedido de socorro de Janete Cruz (Camila Morgado) fizeram com que a nossa protagonista entrasse em uma frenética trama de investigação contra figuras poderosas.
A temporada inicial trouxe como vilão principal o policial Brandão (Eduardo Moscovis), que abusava de sua esposa, Janete, em diferentes níveis de violência. Com cenas explícitas de causar enjoos, o policial torturava e assassinava outras mulheres na presença de sua esposa, que, impotente com uma caixa de madeira na cabeça, apenas escutava os gritos das vítimas.
As consequências da investigação de Verônica levaram a protagonista a descobrir uma complexa rede de crimes que envolvia membros da própria polícia. Este é o gancho da nova temporada. Agora, temos uma Verônica um pouco diferente da que vimos na leva de episódios de 2020, mais ávida por justiça. No entanto, o “pedido” de urgência no novo caso deixa Verônica desatenta e descuidada, fazendo com que o perigo se aproxime contra nossa protagonista.
O novo vilão da série é o famoso líder religioso Matias Cordeiro (Reynaldo Gianecchini), um homem que aparenta ser de boa índole. No entanto, a imagem do “homem de bem” esconde a verdadeira face cruel do criminoso. O homem utiliza da fé das pessoas em suas “curas” de enfermidades para abusar sexualmente de mulheres. Enredo que lembra muito o Caso João de Deus.
Com uma violência gráfica menos explícita do que na primeira temporada, a série nos leva para um caminho de sugestão dos atos criminosos de Matias, o que, sinceramente, não deixa as cenas menos pesadas; pelo contrário, o peso do ato fica ainda mais forte na mente do telespectador. Devo salientar que a atuação que Gianecchini imprimiu para esse personagem é de uma precisão assustadora. Diferente do primeiro vilão da série, que trazia uma violência mais explícita e chocante, aqui o que assusta é a tranquilidade e serenidade do vilão, tal qual um líder acolhedor, mas com uma aura psicopática.
Um dos principais destaques da temporada, sem sombra de dúvidas, é Klara Castanho. A jovem atriz conseguiu transmitir os conflitos de sentimentos da personagem Ângela (filha de Matias) perante a si mesma e a própria família, principalmente em relação ao pai, o qual ela tinha como a figura de maior bondade da sua vida – enquanto enxergava a mãe como vilã.
Apesar de ter pontos positivos, a temporada também tem seus deslizes – alguns que são herdados da primeira leva de episódios –, como as atitudes questionáveis de Verônica (por ela ser experiente, deveria ter mais cuidado aos detalhes) e algumas conveniências de roteiro (quando personagens aparecem convenientemente em cena para que algo suceda, ou quando situações que deveriam ser complicadoras para os personagens acabam sendo fáceis de resolver).
A temática da violência contra a mulher ainda chama a atenção e é destaque na série, como comenta a telespectadora Ana Lopes:
“A série me fez parar pra refletir em quantos Brandões, Matias, Janetes, Ângelas e Anitas existem na sociedade e o quanto essas pessoas podem estar próximas da gente”.
No geral, a temporada agrada e traz competentes ganchos entre episódios, que não dão vontade de sair da frente da tela. Os plot twists até podem não ser muito surpreendentes aos mais atentos, mas cumprem o seu papel na narrativa. As atuações dedicadas de Gianecchini, Castanho e Müller dão ainda mais veracidade à narrativa e nos traz empatia para com as vítimas. Em uma atmosfera específica, essa é uma temporada que mostra o quanto pessoas de má índole usam da imagem do “homem de bem” para esconder e reproduzir atitudes criminosas.