A confusão entre real e imaginário resultante da morte de Domingos Montagner
Por: Clara Celina
A morte do ator Domingos Montagner, na última semana, no dia 15 de setembro, chocou os telespectadores e provocou diversas manifestações nas redes sociais. As suposições em torno do acidente foram tantas que notícias chegaram a ser publicadas a respeito de um texto que culpa o Partido dos Trabalhadores (PT) pela morte do ator.
Pode-se dizer que a morte dos ídolos costuma causar polêmica, pois confunde as barreiras entre o que é real e imaginário. O professor de filosofia Gilbert Durand costumava dizer que o imaginário é o museu das imagens simbólicas. Ou seja, o ambiente que abriga a base para as interpretações de mundo. Ocorre que essas imagens, hoje, são em grande parte repassadas pela mídia.
A ficção é propulsora do imaginário na medida em que exercita a criatividade e, consequentemente, a forma com que se atribui sentidos. Se antigamente ela era comumente propagada através da literatura, hoje encontra vasto espaço nas telenovelas, um dos principais meios de incentivação da imaginação brasileira.
Ocorre que a imaginação não trata simplesmente de lazer, mas de “um fator importante de equilíbrio psicossocial”, como propõe Araújo. Sendo sua principal função, de acordo com Durand, negar de forma ética o que é negativo, daí que nisso se inclua a negação da morte.
Mas a ficção no cinema não se dá de forma tão simplória quanto na literatura, pois os personagens não mais são apenas imaginados, eles se incorporam na realidade dos atores. E tendo em vista que os personagens vendem a ideia de eternidade dentro das histórias em que reproduzem, sua morte se torna um choque, pois junto deles morre parte da fantasia.
No caso de Domingos Montagner, essa quebra entre a fantasia e a realidade se deu de forma ainda mais intensa, já que a fatalidade ocorreu no rio São Francisco, principal cenário da trama em que ele atuava e que muito abordava o rio de forma mítica. O próprio título da novela da qual fazia parte, “Velho Chico”, já conferia ao rio certa personalidade.
Na mesma medida em que carrega um fim, entretanto, a morte dos atores traz início a um novo estímulo da imaginação, pois a fantasia segue na tentativa de negar a morte e permite que os telespectadores tracem novas significações e possibilidades. Daí que existam tantas conspirações em torno da morte dos ídolos e que tenham se espalhado diversas suposições em torno do falecimento de Domingos Montagner.
No geral, os próprios ritos de passagem simbolizam essa esfera da imaginação como forma de dar novos significados aos eventos traumáticos. O que pode, inclusive, ser visto no ritual que os índios Fulni-O, que haviam participado da gravação da novela Velho Chico fizeram em homenagem ao ator, descrito na imagem abaixo.
Índios fazem ritual para ator morto no rio São Francisco. Foto: Reprodução/Facebook