Show em Pelotas reuniu clássicos e novos singles de Paula Toller

Cantora apresenta antologia de sucessos musicais no  show “Como Eu Quero”          Foto: Divulgação

Por Isabelli Neckel

“Uma antologia de sucessos”. É assim que Paula Toller, ex-Kid Abelha, define seu novo show solo, “Como Eu Quero”. No dia 6 de outubro, a apresentação lotou o Theatro Guarany e seus 1200 lugares. Trouxe sucessos dos anos 1980 e também novas músicas de 2019, a turnê já foi assistida por mais de 100 mil pessoas pelo Brasil. Em Pelotas, a cantora mostrou por que é considerada uma das vozes femininas mais marcantes das últimas décadas.

Depois de se dizer honrada em cantar no tradicional palco do Guarany, por onde já passaram artistas como Carmen Miranda, Paula abriu show com a clássica “Fixação”. De 1984, a canção ditou o tom do que viria a seguir: uma noite para relembrar hits marcantes das décadas de 1980, 1990 e 2000. Músicas recentes foram tocadas, porém, é inegável que a conexão entre o público e a artista se deu, principalmente, quando soaram pelo teatro os sucessos antigos da extinta banda Kid Abelha.

Do primeiro acorde à última batida, a plateia vibrou com o pop nostálgico de “Alice”, “Te Amo Pra Sempre”, “Eu Tô Tentando”, “Eu Tive um Sonho”, “No Seu Lugar” e “A Fórmula do Amor”. Nestas faixas, principalmente nos camarotes, a animação foi geral, tanto que o público se levantou para dançar – conforme permitiu o espaço apertado do teatro.

Já nas melancólicas “Nada Por Mim” e “Lágrimas e Chuva”, a letra foi cantada, uníssona, por espectadores emocionados. Além disso, houve a faixa que dá nome ao show, “Como Eu Quero”, anunciada por Paula no meio da noite como “motivo pelo qual estamos aqui”.

O público, composto principalmente por pessoas de meia-idade, parecia mergulhado em saudosismo. Muitos cantavam de olhos fechados, aparentemente passeando por lembranças que só a boa música pode marcar e, anos depois, trazer à tona novamente.

Paula apresentou suas versões para as canções “Ando Meio Desligado”, dos Mutantes, “Céu Azul”, da banda Charlie Brown Jr, e “Na Rua, Na Chuva, Na Fazenda”, de Hyldon. A elas, a cantora se refere como “músicas que não fiz, mas gostaria de ter feito”.

A artista também trouxe à plateia faixas mais recentes, como a novíssima “Essa Noite Sem Fim”, lançada nas plataformas digitais na semana passada e feita em parceria com Liminha, ex-Mutantes e reconhecido produtor cultural. Além desta, o setlist contou com outras músicas de sua carreira pós-Kid Abelha, como “À Noite Sonhei Contigo”, “Calma Aí” e “Oito Anos”, feita para o filho Gabriel.

Depois da já tradicional “despedida de mentirinha”, a plateia pediu bis e Paula retornou. Com energia, ela embalou mais três hits, “Grand’ Hotel”, “Os Outros” e “Por Que Não Eu?” e, por fim, despediu-se oficialmente com uma animada versão de “Pintura Íntima”, acompanhada, é claro, pelos gritos e aplausos incansáveis da plateia. Neste momento, ficou claro que, embora bem produzidas e com seus méritos, as novas canções nem de longe empolgam tanto quanto os clássicos.

Junto com sua banda, formada pelos incríveis Gustavo Camardella (violão e vocal), Pedro Dias (baixo e vocal), Pedro Augusto (teclados), Adal Fonseca (bateria) e Liminha (violão), Paula apresentou um show maduro e que deu ao público exatamente o desejado: um revival das décadas de 1970, 1980, 1990 e 2000. Sua voz, que já foi criticada pela imprensa e até por Cazuza no passado, hoje apresenta-se consistente e, ao mesmo tempo, suave, digna dos sucessos que canta.

Portanto, a apresentação entregou à plateia vozes e arranjos impecáveis, sem a menor necessidade de grandes efeitos de palco ou performances mirabolantes, tão comuns aos shows atuais. Paula Toller e sua banda bastam. Ela, mais uma vez, mostra-se uma artista com obras que resistem ao tempo e, seja nos discos de vinil ou no YouTube, continuam embalando romances, reflexões e despedidas.

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Danças de Matriz Africana combatem racismo

Grupo de Daniel Amaro realiza a Dança dos Orixás sempre na frente da antiga senzala da Charqueda          Foto: Luiz Henrique Schuch

Por Marcela Lima

A cena pelotense fica mais bonita, pois se constrói de muita arte e de eventos culturais. Diversos festivais, apresentações e concertos são realizados na cidade, possibilitando opções bem atrativas para quem aprecia uma boa agenda cultural. O Museu do Doce, localizado no Centro Histórico de Pelotas, ajuda a impulsionar diversos projetos culturais, assim também como as universidades de Pelotas. No entanto, para entender a cultura que move a cidade de Pelotas, é bom observarmos os lugares que impulsionam as mais diversas manifestações culturais. Alguns pontos turísticos bem conhecidos da cidade nos remetem para um passado de ancestralidade e pluralidade cultural. As Charqueadas, por exemplo, é um desses lugares na qual carrega uma bagagem histórica muito forte no contexto histórico local, e anualmente tem potencializado a manifestação da Dança de Matriz Africana.

Companhias de dança, como a do professor, bailarino, coreógrafo e diretor artístico Daniel Amaro, ajudam a compreender o processo da Dança de Matriz Africana a partir de quatro linhas diferentes – a dança afro-brasileira, dança de originária de Benin, do Senegal e a dança afro contemporânea, estabelecendo uma fusão dessas técnicas. A propagação da Dança de Matriz Africana leva ao público a possibilidade do contato com uma cultura enérgica, forte e cheia de ritmo, que contagia qualquer pessoa que queira prestigiar.

O grupo de Daniel Amaro  realiza a Dança dos Orixás, sempre na frente da antiga senzala da Charqueda São João, construída em 1803. O espetáculo envolve, dança, música e capoeira, sendo que a décima edição do evento aconteceu no dia 21 de setembro. A história começa a ser contada na entrada do local e percorre todo um trajeto que destaca cada aspecto histórico importante para o contexto da narrativa. Cada orixá é representado por um movimento específico de dança e a narração é feita por uma atriz. A coreografia é desenvolvida e marcada ao som dos tambores dos ogans, percussionistas nas liturgias das religiões de matriz africana.

Carregada de significados religiosos, marcada pelos tambores e músicas, a Dança dos Orixás tem como objetivo resgatar a cultura negra como formadora da sociedade brasileira nas áreas social, econômica, política e cultural. Torna o contexto histórico do negro em Pelotas visível, para que seja compreendido que o povo oriundo da África foi escravizado e atuou como principal força de trabalho das charqueadas pelotenses.

É notável a visibilidade que tais eventos proporcionam para a população negra de Pelotas, que busca ainda hoje um protagonismo em suas atividades, sejam elas no âmbito acadêmico, cultural ou de empreendedorismo. Um intercâmbio cultural é estabelecido, quando pessoas de diversas raças e credos apreciam a Dança de Matriz Africana, que pode ser vista também em inúmeros eventos realizados em parcerias com as universidades, Prefeitura e companhias de dança na cidade.

Expressão artística soma para refletir sobre a contribuição afro-brasileira  Foto: Acervo de Juliana Coelho

A Dança de Matriz Africana desperta identificação

Juliana Coelho é uma mulher negra, atriz, bailarina e professora, trabalha com questões sobre como ser negro na cidade de Pelotas e utiliza da dança como meio principal para potencializar de forma interdisciplinar a manifestação de libertação do preconceito, mostrando a contribuição dos africanos escravizados e dos seus descendentes como apoio para com a sociedade brasileira e principalmente com a cidade de Pelotas. Juliana trabalha com o processo da linguagem artística da dança provocando um anseio de identidade tanto para ela quanto para as crianças da escola onde atua.

“Eu utilizo do meu corpo como instrumento para representar, trabalho a teoria e a prática com os meus alunos e proponho pensar sobre gênero, classe social e religião, para levantar questões sobre ser negro, no lugar onde moramos, e sobre quais lugares são esses que temos dentro da cidade de Pelotas, que marcam a presença negra”, comenta Juliana.

Segundo a artista, foi por meio da dança africana que a auto identificação dela foi descoberta, nesse interesse de dançar sobre as manifestações negras, que fizeram com que Juliana além de se conhecer melhor, pudesse compartilhar o que é a negritude e como os negros conseguem se relacionar com os processos artísticos, que são necessários.

Juliana também faz parte do espetáculo Dança dos Orixás, e diz que acredita que o projeto consiga com êxito desmistificar para a sociedade pelotense a falácia de que “tudo que é relacionado ao negro é ruim”, explica. A arte-educadora ainda finaliza a entrevista dizendo: “Muitos dos meus alunos ainda não se enxergam como negros, e é com a dança que eu consigo fazer a educação mudar. A dança afro me aproximou mais dos alunos, quando eu aprendendo sobre a cultura, consigo inserir isso dentro do meu trabalho na escola. Pois a dança, no meu processo, me tornou negra, até porque ‘ser negra não é uma condição dada a priori’, tornar-se negra é uma conquista diária. A Dança de Matriz Africana me ajudou muito na construção de quem eu hoje eu sou”.

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“Um Defeito de Cor”: romance histórico antirracista

Por Nathalia Farias Borges

O romance histórico “Um defeito de Cor” (2010) é o resultado de uma longa pesquisa da autora Ana Maria Gonçalves para poder reconstituir a história de vida da personagem Kehinde em um tom memorialista. Kehinde pode ser Luísa Mahin ou Luísa Gama, a suposta mãe do poeta e advogado negro Luiz Gama. A obra literária recebeu o prestigioso prêmio Casa de las Américas, escolhido entre 212 concorrentes, em decisão unânime dos jurados.

O livro pinta uma tela, quase que literalmente, do Brasil Colônia e da vida daqueles que foram escravizados e trazidos para trabalhar para brancos brasileiros e estrangeiros. Extremamente detalhado, a autora retoma desde o início da vida na África da personagem principal, que também pode ser chamada de Luísa (seu nome católico). O leitor acompanha todos os sentimentos, medos e expectativas de Kehinde, que com apenas 10 anos faz a viagem de navio para o Brasil, com sua irmã gêmea e avó. Ao longo das mil páginas, a escrita amadurece juntamente com a protagonista e o leitor pode perceber o crescimento daquela que narra.

Antes da metade do livro, o formato da narrativa muda e passa a ser uma carta para o segundo filho de Kehinde, Luis, usando o pronome de tratamento ‘você’ e focando o discurso para o filho. O enfoque passa a ser Kehinde explicando e documentando tudo para Luís, sempre lembrando o leitor com frases do tipo ‘gostaria de te levar lá um dia’ e ‘peço que você me perdoe’. Apesar do pesar e arrependimento que a protagonista carrega, ao longo dessa carta ela lembra que não esqueceu do filho. Destaca outras partes da vida, elementos importantes que ela viveu e ela acredita que são essenciais para Luís, quando ele ler as cartas.

É interessante perceber a relação de Kehinde com escrita e a leitura. Essa dedicação começou bem cedo, e passou a ser muito importante para a sua evolução como pessoa e empreendedora. Também muito importante como um registro de sua vida. O livro chama a atenção para o fato da protagonista ter uma vida marcada por andanças: Savalu, Uidá, Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo, Campinas, por quase todo o Brasil até a sua volta à África. Mudanças que modificaram Kehinde ao longo do tempo. Além do maravilhoso registro, do detalhamento, da quantidade incontável de histórias que as 947 páginas carregam, “Um Defeito de Cor” não é sobre uma vítima. É sobre uma criança submetida a violências tanto na África como no Brasil, que participa de levantes contra a ordem estabelecida em Salvador, torna-se fugitiva, mulher, amante, mãe, é abandonada e se forja em uma empreendedora. É sobre o desespero e a esperança de uma mãe incansável.

Pode-se separar os livros favoritos em duas seções: livros em que você sente que é o protagonista, que está em sua pele, e livros em que você sente que é a melhor amiga do protagonista, que o protagonista está revelando seus maiores segredos para você. “Um Defeito de Cor” pode ser classificado na segunda categoria, pois você se sente um confidente de Kehinde. Vibra-se com cada pequena vitória, chora-se com a crueldade que ela foi tratada e passa-se a admirá-la, ainda que muitas vezes queira-se repreendê-la por decisões tomadas.

Um Defeito de Cor é um romance que deveria ser obrigatório nas escolas, que abre olhos e planta empatia na mente de qualquer pessoa que leia.

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Ao ler “Defeito de Cor” com 74 anos tive minha vida definitivamente mudada.
Obra necessária para o entendimento de um Brasil que não encontramos nas escolas. Salve Luisa, Luis Gama, e os escravizados no Brasil e neste mundão dos deuses, orixás e revolucionários da ficçao e vida.

Brenno

Vilma Rodrigues Mantuan
Acabei de ler “Um defeito de cor”. Eu achei que ao concluí-lo, soltaria fogos por haver vencido as quase mil páginas. No entanto, ao contrário disso, fiquei paralisada com um profundo sentimento de orfandade. Saudade do universo kheindiano, de sua narrativa madura e impregnante.
Anônimo

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Olho de Sogra: nova maneira de ver Pelotas

Projeto estimula novas percepções da cultura regional    Foto: Divulgação

Por Carolina Hackbart Batista

Pelotas é uma cidade historicamente conhecida pela sua tradição doceira e arquitetura única, conservando partes importantes das raízes as quais compõem o município. Porém, para alguns, o acesso ao Centro Histórico e a cultura não é tão facilitado, essa é a realidade de quem tem deficiência visual, ou pelo menos, era assim até a criação do Encontro Olho de Sogra.

O evento Olho de Sogra foi Criado e idealizado por Leandro Pereira, estudante do oitavo semestre de Museologia da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), e surgiu justamente com a ideia de proporcionar a esse público uma imersão cultural. Segundo o próprio criador, essa vontade de levar conhecimento para aqueles que não enxergam ou enxergam pouco, surgiu logo após uma visita à Serra Gaúcha, onde Leandro, também deficiente visual, sentiu a necessidade de um auxílio para que pudesse aproveitar melhor o passeio, tanto quanto os demais.

“Essa ideia eu tive depois de uma experiência, em 2015, quando eu participei de um encontro, para pessoas com deficiência visual, como eu. Então tinha lá pessoas cegas, pessoas com baixa visão e, durante os passeios que aconteciam na Serra, que é um lugar superlegal de conhecer, tem toda uma cultura bacana, só que não tinha acessibilidade. E aí, eu senti a necessidade de saber como eram os lugares visitados, porque, depois que eu voltei dessa viagem, eu não sabia dizer para as pessoas, para os meus amigos, para os meus parentes, como eram os lugares que eu tinha visitado. E aí eu me deparei com essa necessidade, de poder proporcionar pra quem não vê, informações que possibilitem que ela conte para outras pessoas, como foi o lugar visitado,” relata.

Assim, nasceu o Encontro Olho de Sogra que é um evento anual que proporciona uma experiência turística e cultural para pessoas com deficiência visual, contando com recursos de audiodescrição e a percepção tátil, voltados para a percepção e aproximação das pessoas com deficiência visual à cultura pelotense. Permite que as pessoas conheçam a história do local e detalhes que, até mesmo para aqueles que têm plena visão, por vezes, passam despercebidos. Além disso, a estrutura foi pensada visando uma visitação plena, por isso, para cada deficiente visual, tem um membro voluntário que o acompanha e o ajuda na compreensão dos pontos turísticos.

Em 2017, ocorreu o primeiro encontro, sendo como um teste de aprimoramento. Foi através dessa primeira atividade que se percebeu o que poderia ser melhor ajustado e quais ideias poderiam ser agregadas. Na primeira realização do Olho de Sogra, houve dez participantes. Na última edição do evento, que ocorreu neste ano, aumentou para 15 participantes. Parece não ser um número muito expressivo, porém considerando mais a equipe de realização mais os voluntários, esse número dobra. O número de 30 pessoas é bom para que ocorra um bom atendimento por parte dos restaurantes e museus.

Essa atividade proporcionada pelo encontro é de uma importância inestimável, levando em conta a pesquisa nacional de Saúde realizada pelo IBGE, em 2013, em que foi constatado que o número de pessoas com deficiência visual, que apresentam grande dificuldade ou não enxergam, representava 3,6% da população brasileira. Apesar dos números, o acesso à cultura, por parte do público deficiente visual, ainda carece de atenção e políticas públicas. Eventos como esse visam a aproximação e acabam por cativar aqueles que participam. Esse público sai entusiasmado ao voltar para as suas cidades e contar cada detalhe, como é o Centro Histórico, por exemplo, como é um museu.

Para Leandro, os relatos de quem participa do encontro são gratificantes, e a recompensa vem após as visitas, citando o depoimento de um visitante da terceira edição do evento (em 2018), que pôde conhecer melhor a Catedral Metropolitana de São Francisco de Paula, “Um dos participantes já tinha visitado várias vezes a igreja, mas ele comentou que foi nessa visita pelo encontro Olho de Sogra que ele ficou sabendo que tem uma pintura numa das torres da igreja que representa São João Batista com um cordeiro aos seus pés. E ele, por gostar muito desse Santo, ficou muito encantado e feliz em saber que tinha aquela representação através de
uma pintura Sacra, que nunca ninguém tinha falado pra ele. Então são pequenos detalhes e revelações que o encontro propicia para os participantes.”

O evento tem página no Facebook, onde são publicadas todas as atualizações sobre o Encontro Olho de Sogra, também é pela página que o público tem acesso ao agendamento de visitas e as datas nas quais ocorrerão os eventos. O próximo será só em setembro de 2020, mas o público já pode acessar as informações disponibilizadas na página.

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A arte de ser artista em Canguçu

A Ciena (Ciranda Estudantil Nativista) é um dos projetos culturais da cidade      Foto: Divulgação

Por Liziane Stoelben Rodrigues

Canguçu é uma cidade gaúcha localizada no sul do estado do Rio Grande do Sul. Continua sendo um município pequeno, mas tem muito a dizer sobre suas peculiaridades, além das suas belezas naturais. A cidade leva hoje o título de Capital Nacional da Agricultura Familiar e não deixa a cultura nem a arte no passado, já tendo diversos projetos culturais em andamento. No entanto, ainda há novas fronteiras a serem ultrapassadas para o desenvolvimento das artes nesta localidade.

Entre seus ginásios, cine teatro, pista de skate e complexos esportivos, o município possui projetos de incentivo aos talentos locais como a Ciena (Ciranda Estudantil Nativista), que é um concurso que visa reconhecer e divulgar a arte e cultura gaúcha através de apresentações de danças, declamações, causos gauchescos de galpão e cantos temáticos produzidos pelos alunos devidamente pilchados a caráter. A próxima edição ocorre nesta semana, a partir de quinta-feira, entre os dias 17 a 19 de outubro. “A Ciena incentiva os alunos a conhecerem a cultura gaúcha, também é uma forma de praticarem atividades de cunho educativo fora da escola”, comenta a professora Luriana Silveira de Souza.

Mesmo que existam projetos como esse, a comunidade ainda sente falta de iniciativas que motivem a arte independente, o que dificulta que artistas da cidade se concretizem num contexto nacional ou internacional. O investimento para a difusão para projetos independentes vem sendo repensado atualmente.

O Departamento de Cultura da Prefeitura criou algumas ações como a disponibilidade de um espaço para o Quiosque da Onça, a fim de incentivar novas atividades culturais e além de manter esse ambiente de forma segura para a comunidade. Há uma agenda de atividades culturais que são feitas em espaços como esse. São organizados ambientes de valorização da leitura como o “Leitura na Praça”, que disponibiliza livros em todas as praças do município para as pessoas utilizarem enquanto estão por esses ambientes.

Já existe desde 2006 um fundo de incentivo à cultura e esporte, que foi reorganizado pelos 10 membros do conselho que administra esse fundo. Suas verbas provêm de aluguéis de espaços públicos. Os artistas independentes podem solicitar através de projetos que são encaminhados para serem votados pelo conselho que aprova e dá suporte a eles, mas, posteriormente, precisam prestar contas de como os recursos foram utilizados. O Departamento de Cultura financiou diversos projetos, totalizando aproximadamente 57 mil reais.

No entanto, para combater a falta de recursos em algumas áreas, a participação das escolas se torna crucial para que cada vez mais alunos se juntem com ideias e projetos para dar início às mudanças que querem ver na cidade. Este é o caso da cantora Vitória Lima, que nunca desistiu de seus sonhos: “Desde meus seis anos eu canto na Igreja e aos 10 anos ganhei meu primeiro violão, aprendi a tocar sozinha, mas só aos 17 comecei a ganhar dinheiro com a música. Meu maior desafio é ganhar espaço nesse meio, ter mais chances e oportunidades. A música também é a arte em que me encontro. Para todos os momentos, a música sempre tem algo a dizer e me sinto feliz quando as pessoas se emocionam e gostam de me ouvir”, conta.

Para o coordenador de Cultura, Rudnei Domingues, há a possibilidade de criação de novos projetos. “Temos uma mentalidade muito estreita da cultura no município, precisamos abrir mais a mente”, diz. Ele considera que há projetos como o CTG que já estão consolidados. “Mas existem outras culturas que precisam diferentes espaços para os jovens tenham um novo olhar para as demais culturas. E esse é o papel do nosso Departamento”, observa.

Uma casa de cultura no município seria um importante espaço para concretização de carreiras, sejam elas, por exemplo, musicais ou teatrais. Elas estão impedidas de desenvolvimento pela falta de investimento no espaço público. A esperança vem de um aproveitamento maior dos espaços públicos, bem como de shows sem fins lucrativos que podem reunir pessoas de todas as idades. O objetivo é dar visibilidade aos artistas que nasceram ou vivem na cidade, a fim de que possam se destacar num futuro próximo, sem precisar procurar outras cidades.

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Revolução Farroupilha e histórias não contadas

História precisa ser repensada fazendo justiça aos verdadeiros heróis do episódio que durou dez anos

Por Marcela Silva de Oliveira   

Finalizada no mês passado, mais uma Semana Farroupilha carregada de comemorações e tradições que atravessam décadas e, no caso de Pelotas, com cada vez mais infraestrutura. É de suma importância fazermos uma reflexão, afinal, sem questionamentos não há mudança. Todos os anos, entre os dias 13 e 20 de setembro, as cidades gaúchas oferecem vasta programação, composta geralmente por palestras, espetáculos, lançamentos de livros e desfiles que lotam as ruas e os Centros de Tradições Gaúchas (CTGs). Tudo relembra os feitos dos gaúchos no chamado “Decênio Heróico” (1835-1845). Mas o que de fato ocorreu de tão magnífico nesse período da História, do que todos nos orgulhamos tanto?

Desde pequenos, durante a segunda semana de setembro, vamos à escola vestidos de gaúcho e prenda sem muito saber o porquê. Quando maiorzinhos, aprendemos que, neste período, entre 1835 e 1845, houve uma grande revolução contra o governo imperial, encabeçada por bravos homens gaúchos que tinham ideais liberais, federalistas e republicanos. O que a escola, os jornais e muitos livros não nos contam, é que estes gaúchos arrojados, que mais tarde viraram monumentos, nomes de ruas e de cidades, eram grandes fazendeiros, donos de muitos escravos. Movidos por seus interesses financeiros, venderam, trocaram e emprestaram muitos homens, mulheres e crianças negras para financiar essa “gloriosa revolução”.

Essa foi a mais longa revolta brasileira de todos os tempos. Ao completar nove anos, em 1844, não andava mais para frente nem para trás. Era o momento quando um acordo entre as partes seria a melhor solução. Porém havia um entrave: negros escravizados foram alistados no exército dos rebeldes, sob a promessa de liberdade, na qual o Império não tinha o menor interesse. Escravos libertos, além de uma quebra econômica, representavam perigo, escravos injustiçados, também – era o famoso “se ficar o bicho pega, se correr o bicho come” – a solução então, era matar o bicho (e de fato, o tratamento dado a estas pessoas não ficava muito longe disso).

Foi firmado então um acordo entre o Barão de Caxias, comandante do exército imperial e David Canabarro, chefe dos revoltosos que, conforme comprovam documentos, desarmou sua infantaria na noite de 14 de novembro de 1844 e os entregou de bandeja ao inimigo. Enquanto os infantes e o corpo de lanceiros negros dormiam, as tropas de Moringue, a mando de Caxias em acordo com Canabarro, atacaram, dizimando-os quase que cem por cento. Poucos conseguiram fugir a cavalo e, outra pequena parte foi levada escravizada ao Rio de Janeiro.

Com o tempo, essa história começou a ser recontada, sob olhares românticos que criaram em torno destes fatos uma coluna de fumaça quase que mítica. Os fazendeiros escravagistas receberam muitas homenagens e foram apresentados como heróis a várias gerações, até os dias atuais. Porém, não é preciso um grande aprofundamento bibliográfico para percebermos o quanto nossas façanhas são manchadas de sangue, mais especificamente, sangue negro.

O povo gaúcho é, como diria Nalva Aguiar, hospitaleiro, de alma nobre – o que só reforça a ideia de uma desinformação geral. Comemorar um evento histórico tão controverso, envolvendo traições e crueldade só pode ser resultado de uma construção muito sólida de um mito. É claro que não será da noite para o dia que este cenário irá mudar, mas há esperança de uma nova visão para as gerações futuras. E nós, como sociedade do século 21, que vivemos um momento eminente de desconstrução, podemos contribuir muito para que a verdade apareça cada vez mais. Como sugerido no início deste texto, é importante que façamos um exercício diário de reflexão e possamos trabalhar em nós o pensamento crítico sobre as convenções sociais que nos rodeiam.

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Eduardo Rodrigues

Apesar de me considerar seguidor de tradições gaúchas, não sou alienado, conheço a história sensacionalista, falsa e mentirosa em torno a elitização da historicidade e cultura rio-grandenses. sendo assim, achei ótimo a visão trazida nesse texto, precisamos “deseroízar” alguns personagens da história do sul, que por interesse e poder, são retratados como audaciosos e vorazes, fiéis ao povo e seus ideários de justiça, no entanto, foram verdadeiros anjos da morte e traidores do seu povo.

Denilson Nogueira

 

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Black Cats: da Coreia do Sul a Pelotas e Rio Grande

Nani, Joah, Yin e Joy (de baixo para cima) da terceira geração do Black Cats  Foto: Divulgação

Por Lisandra Miranda

O Black Cats é um grupo de dança que foca suas performances em coreografias de K-pop, gênero musical originado na Coreia do Sul, e realiza apresentações em eventos de dança nos municípios de Pelotas e Rio Grande. O grupo é composto por quatro integrantes, sendo elas Thaynara de Oliveira (22), Joice Soares (23), Alânis Oliveira (16) e Joana Alves (18), as quais se apresentam, respectivamente, com os nomes artísticos de Yin, Joy, Nani e Joah.

O grupo iniciou em 2017 e partiu da iniciativa da integrante Yin, na época formanda do Curso de Dança Licenciatura da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Ela teve a ideia de dar aulas de coreografias de K-pop, que se encaixam no estilo de dança urbana. Segundo Thaynara de Oliveira, a ideia era trabalhar o conceito e a técnica das danças urbanas com a apresentação de K-pop nos eventos. Na cultura coreana, há quase uma obsessão com a técnica. “Eu queria trazer um pouco dessa ideia para os eventos, porque via as pessoas dançando muitas vezes sem técnica, se machucando”, diz a dançarina.

Nesses três anos, o grupo passou por diversas mudanças, sendo a atual formação dele chamada pelas integrantes de terceira geração. Na primeira geração do grupo, Yin era a professora de aproximadamente sete meninas, e, nesse mesmo período, o grupo se vinculou ao Laboratório de Estudos Coreográficos (Coreolab) da UFPel, laço que acabou somente em 2018 com a mudança da coordenação do laboratório. A segunda geração foi marcada pela entrada da atual integrante Joy, que também no período era estudante do Curso de Dança Licenciatura da UFPEL, e colega de Yin.

A terceira geração surgiu quando Thaynara, já formada em dança, foi contratada pela Cia de Dança Sandro Vieira, localizada no município de Rio Grande, para dar aulas com coreografias de K-pop. As atuais integrantes Nani e Joah acabaram fazendo as aulas para aprender mais sobre esse gênero, e mesmo com o fim das aulas na academia de dança, elas continuaram a ensaiar com Joice e Thaynara e formaram essa nova geração.

As duas integrantes mais novas relataram o motivo de terem escolhido fazer as aulas. Joana Alves diz que já gostava havia muito tempo da dança e resolveu estudar a técnica com aulas experimentais. Alânis Oliveira relata: “Eu estava meio mal, gostava de K-pop e a minha amiga fazia aula, falou para mim que é muito bom. Eu pensei em fazer algo para me distrair. Não gostava de me apresentar, tinha pânico de palco, mas eu gostei depois da primeira vez que dancei com o pessoal, aí já me soltei mais.”

Yin, Nani, Joah e Joice finalizando a coreografia da música Boy With Luv do Bangtan Boys (BTS)

Para ensaiar as quatro meninas organizam seu tempo a partir de suas rotinas de professoras de danças, no caso de Thaynara e Joice, e de estudantes do Ensino Médio, como Alânis e Joana. Outro empecilho para organização dos ensaios é a separação das meninas, pois Joice nasceu e mora em Pelotas, enquanto as outras três nasceram e moram em Rio Grande.

Dessa forma, a principal rotina de ensaio é das integrantes de Rio Grande, as quais fazem aulas nas sextas-feiras de manhã com Yin, e, quando possível, ensaiam em outros dias durante a semana. Joy, como professora de dança, afirma: “Quando dá, eu vou e a gente passa uma tarde inteira ensaiando só para ver os lugares. Como eu já estou acostumada, então eu já pego as coreografias e passo com elas só os lugares para não se confundir.”

Essa rotina muda quando o grupo Black Cats está perto de uma apresentação. Nessas situações, Thaynara ressalta que as quatro precisam ensaiar as performances juntas. “A gente marca mais dias e a Joice vem e dorme lá em casa”. Durante o período de existência do grupo e em suas três gerações, as integrantes participaram de eventos, como o AnimeBomb, em Pelotas e Rio Grande, e na 13ª amostra do Dia internacional da Dança de 2019, sendo nesta ocasião o único grupo que dançou K-pop.

A existência do grupo Black Cats tem importância para cultivar o K-pop, como um gênero musical e artístico, na região Sul do país. A presença de duas profissionais da dança no grupo também é essencial, pois o aprendizado acaba envolvendo o crescimento de Yin e Joy como professoras nesse ramo, e de Nani e Joana como futuras dançarinas. De acordo com Joy, o principal objetivo das professoras é auxiliar as colegas ao máximo, na parte de expressão corporal, prestando atenção, por exemplo, com o olhar para a frente e a postura. “Quando a gente está ensaiando a gente cuida para ver se elas estão fazendo certinho o passo, não precisa ser cem por cento, mas a gente tem que ter esse cuidado,” descreve.

A história do K-pop: Da Coreia do Sul ao Mundo

Ao conhecer o Black Cats, a questão que fica é “O que é o K-pop?”, que essas dançarinas dispõem seu tempo diário a ensaiar para apresentaram aqui na região Sul do Brasil. Em síntese, o K-pop é um gênero musical que surgiu na Coreia do Sul e mistura coreografias impecáveis com vocais diversificados, porém o surgimento do K-pop vai além disso e entra profundamente nos problemas da sociedade coreana, que antecederam seu início.

Devido à dominação do Japão sobre a Coreia em 1910, que durou até o final da Segunda Guerra Mundial, o país ficou em pleno descaso. Nesse período, a Coreia foi dividida entre Estados Unidos e União Soviética, sendo responsáveis pela divisão do país em Coreia do Norte e Coreia do Sul, que firmou uma instabilidade política e de segurança nacional até os dias atuais.

A partir desse contexto histórico, a Coreia do Sul enfrentou diversas instabilidades, principalmente econômicas. Dessa forma, o marco histórico do K-pop é o ano de 1992, com a apresentação do grupo Seo Taiji and Boys. A performance chocou os telespectadores coreanos, pois estavam acostumados com canções nacionalistas ou com valores sociais. Essas músicas tradicionais eram consideradas saudáveis aos ouvintes, situação imposta pelo ditador Park Chung-Hee (1963-1979) com o controle da cultura no país, inclusive dos programas transmitidos na televisão.

Seo Taiji and Boys estreou com apresentação de um trio de meninos, que dançam e cantavam a músicas com batidas de musicas hip-hop e eletrônica. Até mesmo com um estilo de moda extremamente ocidental para a época dos anos 1990, e coreografias com uma técnica impecável. Isso representou uma mudança não somente na indústria cultural sul-coreana, como também em uma transformação da Coreia do Sul como um todo, que estava se apropriando dos gêneros de outros países, principalmente ocidentais, para construção de estilos musicais próprios. A música do álbum Seo Taiji and Boys IV fala sobre meninos que fugiam de casa.

O grupo Seo Taiji and Boys acabou em 1996, quatro anos após seu lançamento, e incentivou o pensamento coreano de comercializar a música, como uma mercadoria cultural. Fato, que foi reforçado em 1997, ano que a Ásia sofreu uma devastadora crise econômica, tornando a indústria do K-pop o novo produto de exportação do país. Foi definida no mesmo ano a lei em que o governo prometera dedicar 1% de seu orçamento à cultura. Esse acontecimento impulsionou o surgimento das empresas S.M. Entertaiment, JYP Entertaiment, e YG Entertaiment. Essas três companhias formaram a base e a fórmula que gerenciam a indústria do K-pop atualmente, com grupos afiados nas coreografias e nos vocais impecáveis. Desenvolveram a estratégia para venda e divulgação de suas músicas com o uso de frases em inglês e títulos também na mesma língua para disseminar mais esse gênero musical para o mundo. E, atualmente, na Coreia do Sul, existem diversas empresas focadas somente na produção de grupos de K-pop.

Da Coreia para o Sul do Brasil

Nesse contexto, da indústria cultural do K-pop, cada uma das integrantes do Black Cats possuiu uma história do seu primeiro contato com esse gênero, porém, a similaridade de estarem em contato com alguém que possuía uma relação com algum aspecto da cultura asiática, até mesmo a cultura japonesa. A integrante Joana Alves contou que começou assistindo desenhos japoneses com o irmão, e como gostava mais de novela acabou encontrando os K-dramas, novelas produzidas na Coreia do Sul. Chegou de forma espontânea ao K-pop, pois queria saber “se existia dança na Coreia”, “na cultura deles”, e achou.

A integrante Alânis Oliveira falou que seus amigos já escutavam, mas ela ficava relutante. Admite que não gostava nem um pouco inicialmente, mas acabou mudando de opinião por influência das amizades. Assim como Joah e Nani, Thaynara de Oliveira conheceu o K-pop através de sua prima, a qual teve o primeiro contato com a cultura japonesa e depois a coreana.

A integrante Joice Soares conta que sua relação começou com as coreografias de K-pop, sendo incentivada pela colega de profissão Thaynara, que mostrava, na universidade e nas aulas do Coreolab, os movimentos do gênero como um estilo de dança urbana. Ela recorda: “Nas apresentações com o grupo das Black Cats, eu fui me descobrindo no meio do K-pop, e procurando por coisas que eu achava terem a ver comigo dentro do K-pop.”

A história de um idol na indústria do K-pop

No meio musical do K-pop a carreira de um cantor desse gênero segue um padrão sistemático, sendo o percussor desse método o fundador da S.M. Entertaiment, Lee Soo-Man. O primeiro passo para entrar em uma empresa de entretenimento é realizar audições, em que sua voz, dança e atuação podem ser testadas, ou através de recrutamento por olheiros, como no futebol brasileiro.

Ao entrarem em uma empresa, vão para o segundo passo, se tornam trainees, sendo esse um termo em inglês para definir uma pessoa que está em treinamento. O estágio é por tempo indeterminado até a sua estreia e se baseia no aprendizado diário de aulas como dança, canto, atuação, línguas estrangeiras, entre outras. Esses trainees são jovens que frequentam a escola de ensino fundamental ou médio, e não há uma idade mínima para participarem das audições de seleção.

O terceiro passo de um artista do K-pop é sua estreia, com um grupo ou como solista, sendo esse o momento que se tornará um idol, termo em inglês que em tradução livre significa “ídolo”. Porém, sua estreia dependerá da empresa, que possui o foco de formar grupos perfeitos. Esse sistema de fabricação de grupos não foi algo inventado pelos coreanos para o K-pop, mas apropriado de empresas, como a estadunidense Motown, que lançou os grupos The Supremes e The Jackson Five.

Esses grupos fabricados possuem membros com papeis específicos neles. Um trainee ao ser convocado a um grupo é para ter uma função necessária e singular nele. Também, o grupo como um todo tem a missão de conquistar sua base de fãs, que trará retorno financeiro à empresa, aumentará a popularidade deles e contribui para a divulgação. Outra característica do K-pop é que cada base de fãs de um grupo possui um nome específico para si.

Um dos melhores exemplos atuais de grupo do K-pop é o grupo Bangtan Boys, mundialmente conhecidos, como BTS. O grupo possui sete membros, sendo eles Kim Nam-Joon, Kim Seok-Jin, Min Yoon-Gi, Jung Ho-Seok, Park Ji-Min, Kim Tae-Hyung e Jeon Jung-Kook. Conhecidos, respectivamente, no meio artístico, como RM, Jin, Suga, J-Hope, Jimin, V e Jungkook.

O BTS não se apega sempre às mesmas especificidades de cada uma das posições no grupo, mas procura manter algum tipo de organização. Inicialmente a função de cada membro era RM, líder e rapper principal; Jin, visual e vocalista de apoio; Suga, rapper líder; J-Hope, dançarino e rapper guia; Jimin, vocalista líder e dançarino; V, face e vocalista guia; Jungkook, mais novo do grupo e vocalista principal. É uma forma de organização no K-pop para a divisão das partes da música e da coreografia. Além disso, o grupo possui sua fã base denominada Army, termo em inglês que significa exército.

O grupo BTS e seu exército de fãs conquistaram o mundo da música e mostraram em uma escala muito maior o K-pop e sua indústria cultural atualmente. Nesse contexto, as integrantes Yin, Joy, Nani e Joah, além de fãs do K-pop no geral, também se encaixam como parte da fã base do BTS, sendo algo importante na vida delas.

Como parte desse exército, elas se unem para levar o K-pop pelos municípios de Pelotas e Rio Grande, como também o grupo Bangtan Boys, e suas mensagens na forma da letra de suas músicas. Como as músicas do álbum Love Yourself, as letras geralmente trazem uma mensagem de amar a si mesmo, independente das opiniões normativas.

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Rô Mierling: “Diário de uma Escrava”

A escritora gaúcha Rô Mierling  já publicou sete livros Foto: Divulgação

Por Sabrina Borges

 

O livro “Diário de uma Escrava”, de Rô Mierling, foi publicado pela Editora DarkSide Books em 2016. Em uma edição caprichada, como é comum desta casa editorial. A capa é dura, nas cores preto e branco e com detalhes brilhosos que ficam visíveis com a alteração da luz. O corte das páginas tem as cores rosa, azul e roxo, dando um charme a mais na edição. Mesmo com toda essa beleza, é possível observar sinais da história sombria que se desenvolve nas páginas deste livro. Algo escorre das asas da borboleta, pingos de alguma coisa que ainda não sabemos, mas que ficará claro como os fios de cabelo que saem da capa e “decoram” algumas das 224 páginas da história.

 

 

 

“No Brasil, todo ano, 250 mil pessoas desaparecem sem deixar vestígios. Desse total, 40 mil são menores de idade, dos quais um terço são meninas destinadas a fins sexuais. Muitas escapam ou são encontradas, contando histórias terríveis; outras nunca mais são vistas com vida.”

Laura é uma moça de 15 anos, linda, alegre, que frequenta a igreja e começou a namorar recentemente. Ela é virgem, e gosta disso, pois a faz pensar que tem controle do seu corpo. Ultimamente, no entanto, ela tem percebido um sujeito estranho a encarando. Ela notou o homem pela primeira vez a observando da janela do seu quarto, depois teve a impressão de o ver na saída da escola, na praça enquanto estava com as amigas, e até ocupando o último banco da igreja nos domingos. Laura está vivendo uma fase superfeliz, os pais são incríveis, e deram total apoio para o início do namoro com Mauro, e ele a faz suspirar e sorrir o tempo todo. Mal sabe ela que essa felicidade está prestes a ter seu fim.

A jovem é surpreendida pelo homem suspeito antes de chegar na casa do namorado. Ele bate nela, que desmaia e acorda em um carro. Desesperada, ela tenta fugir, mas leva outra pancada e acorda em seu cativeiro, que será seu “lar” por longos anos. Laura é submetida a uma tortura física e psicológica intensa. Frequentemente estuprada e agredida, Laura sobrevive sem alimentação adequada, sem higiene e apenas com luz artificial muito fraca. Ela vive, dia após dia, vendo seu “café da manhã” passando pela portinhola, fazendo suas necessidades no balde grande, e se “limpando” no balde pequeno. Ela vê sua vida passando, sua inocência sendo violada, seus sonhos interrompidos, ela se vê quebrando pouco a pouco.

Essa é uma daquelas leituras que faz o leitor se transportar e vivenciar de mãos dadas com a personagem cada sensação. A leitura traz o peso de histórias reais, de sofrimentos verdadeiros, que não permitem pôr a cabeça no travesseiro e dormir com tranquilidade. É uma leitura fluída, embora seja preciso dar uma pausa em alguns momentos para absorver as informações e lidar com o aperto no peito. Se existe uma palavra para definir este livro, seria: perturbador. É perturbador pensar que uma menina que caça borboletas pode se tornar prisioneira de um “ogro” de uma hora pra outra. É perturbador saber o risco que nós mulheres corremos diariamente, é de tirar o sono pensar que nossas filhas são alvo para esses monstros.

No dia 10 de Setembro, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, divulgou o 13º Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Segundo os dados contidos no relatório, os números de estupros em 2018 são os maiores já registrados. Cerca de 180 estupros acontecem por dia. E mais assustador, 53,8% eram crianças de até 13 anos de idade, ou seja, quatro meninas nesta faixa são estupradas por hora. Segundo este mesmo relatório, o número de desaparecidos no Brasil é de 82.094 pessoas. É ou não é assustador?

Nesta obra, Rô Mierling escreve um alerta para a sociedade, principalmente para as mulheres. A autora descreve várias formas que o estuprador da Laura usou para raptar suas vítimas. É um aviso claro e inegável, qualquer um pode ser um psicopata escondido em vestes de “homem de bem”, “cidadão exemplar”, “homem de família” e “cristão devoto”. A escritora nos deixa, no final do livro, algumas notas, com casos reais de onde retirou informações para compor a história. Ela nos mostra fatores em comum entre todos os casos, como vítimas sendo jovens, raptadas em locais próximos a suas casas, por vezes acompanhados por mulheres e crianças no carro, utilizando redes sociais e chats para seduzir e enganar as vítimas. Não podemos mais ser ingênuos. Precisamos ficar alertas a qualquer sinal. Precisamos estar sempre com um pé atrás. Fique atenta, se cuide e cuide de alguém.

Sobre a Autora

Rô Mierling é gaúcha, escritora, ghost writer e pesquisadora acadêmica. Tem sete livros publicados e já recebeu diversos prêmios com suas crônicas e contos. Depois de ter tido mais de um milhão e meio de leituras na plataforma Wattpad, “Diário de uma escrava” ganhou sua versão em capa dura pela Editora DarkSide Books. Em seu site, a autora informa que “Diário de uma escrava” será adaptado para o cinema nacional. Rô ministra oficinas de escrita criativa e ainda atua junto ao Centro Cultural da Embaixada Brasileira de Buenos Aires. A autora divide seu tempo entre Buenos Aires e Santa Catarina.

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Hip hop em ação: uma entrevista com André Dizéro

Rapper une a música com a realização de oficinas e a pesquisa acadêmica          Foto: DAC Vídeos – FURG

Por Chay Cadaval

O rap surgiu na Jamaica lá pela década de 1960 e foi levado para os Estados Unidos 10 anos depois, em 1970. Chegou ao Brasil na década de 1980, ainda com muita resistência, por ser um gênero musical visto de forma pejorativa, por ser algo da periferia. Grandes nomes marcam esse período em que o rap começava a ganhar forma no Brasil: Thayde, Racionais MCs e Detentos do Rap. Em Rio Grande, a história do rap também tem presença na agenda cultural, apesar de que, em certas vezes, o gênero não é visto com o valor cultural que merece. Batemos um papo com o André Dizéro sobre o movimento hip hop na cidade do Rio Grande. Ele contou um pouco mais sobre seus projetos sociais e sua visão de mundo através da ótica do hip hop.

Arte no Sul – Como começou teu envolvimento com o rap e o movimento hip hop como um todo?

André Dizéro – Eu comecei com o rap lá em 2007 com o grupo Dirth South (D$). A gente iniciou fazendo música, com muita influência do rap americano e alguma coisa nacional. O grupo se inspirou nos caras do Sul dos Estados Unidos, do Texas, que faziam um estilo Dirth South. Tinha uma batida mais próximo do que hoje a galera chama de trap . Mas era um estilo Dirth. Então, começamos a fazer música nesse estilo aqui na cidade. E a gente disponibilizava música na internet, MSN, e em outras plataformas. A galera curtia, começou a baixar demais, a cantar as músicas. E não paramos de produzir.

Depois disso a gente gravou um disco da Dirth South que se chama Dirth Show. O lançamento no Teatro Municipal lotado foi da hora. Desse período da Dirth South, eu comecei a trabalhar também um pouco mais individual. Foi quando entrei na Universidade, no curso de Artes Visuais da FURG, no Bacharelado e depois na Licenciatura. E eu comecei a tornar a parada um pouco diferente, comecei a me envolver mais com o rap de uma forma particular, num formato meu. Continuei trabalhando com a gurizada da Dirth, mas comecei a fazer meus projetos sociais. Entendi o hip hop como ferramenta de inserção, como algo que poderia se tornar em ensino. Passei a fazer oficinas, tudo isso a partir do meu envolvimento com a FURG. Quando eu tive cadeiras de Licenciatura, aprendi a fazer planos de aula, comecei a ter mais uma prática pedagógica. E foi daí que eu trouxe mais o hip hop pra essa área do conhecimento mesmo, do ensino.

Eu me formei no Bacharelado de Artes Visuais em 2014 e em Licenciatura em 2016. Quando terminei a licenciatura, acabei criando um projeto que se chama Hip Hop e Educação. Nele eu faço oficinas de hip hop desde essa época. Neste ano, o projeto completa cinco anos. Esse projeto basicamente leva um pouco do hip hop pra dentro das escolas e espaços de ensino não formal também.

Arte no Sul – Em geral, como se dá a tua relação com a música e com as oficinas?

André Dizéro – Pra resumir, meu envolvimento com o hip hop é a partir da música. Faço minhas músicas, tenho meu trabalho na rua, um EP que se chama “Dizéro à 100”. Tenho alguns videoclipes também no Youtube desse trabalho. Tenho o projeto Hip Hop e Educação e a minha parte de pesquisador. Eu faço Mestrado em Artes Visuais na UFPel, em que eu também acabo pesquisando hip hop. Então, hoje em dia, eu falo que eu sou o cara que rima, o rimador, o educador e o pesquisador. São nessas três áreas que eu acabo caminhando com o hip hop. E uma potencializa a outra, porque, a partir do que eu componho, das minhas músicas, dos clipes que gravo, gero material pras oficinas. Isso acaba gerando conteúdo pra minha pesquisa acadêmica. Então, acaba sendo um ciclo, a parada se retroalimenta. Uma função alimenta a outra. Eu já não consigo separar uma da outra. Faço rap, ele me leva à oficina e a oficina me leva a uma escrita acadêmica, uma pesquisa nessa área.

Eu acredito que essas oficinas são importantes no contexto histórico que a gente vive, principalmente em inserção digital. O hip hop passou a ser totalmente utilizado pelas plataformas, assim como qualquer outra área artística. Mas o hip hop tem uma particularidade porque ele veio da periferia, da favela, então hoje ele precisa se abraçar na tecnologia. Quando eu vou fazer oficinas, eu acho importante e, ao mesmo tempo, eu fico um pouco numa corda bamba. Na hora que eu vou trazer a história da formação do hip hop, como é que ele se desenvolve, como é que ele chega no Brasil, a galera tá muito atrás do cifrão. Tá muito atrás do dinheiro, da produção, do seguidor, [da visibilidade na internet]. E, nessa busca da galera, no mundo acelerado de hoje, acaba que se passa por cima da história. Não se quer saber muito da base da parada, da filosofia. Querem produzir e tentar chegar ao topo. E não tem como desacelerar esse desenvolvimento do hip hop, principalmente quando a gente fala dessa aliança da música com a indústria da internet, não tem como. Então, eu penso que tenho que me renovar pra não me tornar alguém obsoleto, falando de uma coisa ultrapassada. Mas a história serve como base para galera poder produzir, ir atrás dos objetivos.

Arte no Sul – Como tu enxergas a influência que essas oficinas e esse projeto de ensino têm no público que tu consegues alcançar?

André Dizéro – Eu acredito que tem um retorno positivo. Alguns participantes das oficinas acabaram se desenvolvendo bastante e se interessando pela história. Isso enriqueceu o conhecimento que eles têm sobre a cultura. Tem um participante em especial, o Richard Prodigio, um MC do Bairro BGV, que acabou participando comigo nas oficinas no BGV Rolezinhos. Tanto ele quanto o Pedro Henrique. Os dois hoje gravam juntos e têm uma produção legal, estão sempre gravando videoclipes e envolvidos com música. E eles são os caras que foram fruto do projeto. E, pra mim, isso é uma satisfação enorme. Por exemplo, o Richard colou num estúdio bacana de gravação, onde ele tem um auxílio de produção pra gravar. Quando eu pude levar ele no estúdio do 808 Luke, abriu as portas pro projeto. Então, acredito que a oficina tem o seu retorno. Ela é muito importante nesse sentido. Embora a gente tenha que competir com o mundo acelerado, em que a galera acaba deixando um pouco de lado a história, eu acho que esse envolvimento e aprendizado da base, da cultura, acaba resgatando valores. A partir dessas iniciativas, a galera acaba se tornando um pouco mais consciente nas suas produções. Faz com um pouco mais de responsabilidade com o que vai colocar no papel e gravar no miq. A oficina acaba trabalhando pra resgatar os valores.

Arte no Sul – Podes explicar um pouquinho como acontecem essas oficinas e os eventos que tu tens atuado?

André Dizéro – As oficinas acontecem através de convites, muitas escolas acabam me convidando pra fazer as oficinas. Existe uma demanda, um desejo dos alunos e também dos professores de ter o hip hop nas escolas. E aí é interessante, porque o hip hop era visto de forma pejorativa antigamente, agora acaba tendo convites pra ele estar presente nas escolas. E também rola muito de forma contratual. Às vezes o Sesc ou Prefeitura me contratam pra fazer oficina em algum evento ou em algumas escolas. Então, eu faço oficinas das duas formas: a partir de um convite, de forma gratuita, ou através de um contrato.

E existe uma metodologia pra fazer essa oficina. Ela é dividida em três partes. A primeira é a parte histórica. A apresentação da história do hip hop, das referências, de como que o hip hop vem dos Estados Unidos pro Brasil, como que ele chega a Rio Grande. Nesse meio tempo eu apresento referências dos Estados Unidos, do Brasil e, também, da nossa cidade. Eu acho importante falar um pouco dos artistas daqui. Porque eles fazem parte desse movimento hip hop. Então, a primeira parte fica mais na questão histórica, filosófica. Eu contextualizo muito do momento político quando o hip hop nasce, o que estava acontecendo na sociedade, porque que o hip hop foi criado, como ele se desenvolveu.

Na segunda parte, já que na história do hip hop eu passo pelo rap, pelo DJ, pela dança e pelo grafite, eu explico o surgimento desses quatro elementos. E eu acabo mostrando referências, mostro diferentes formas de rap, diferentes subgêneros que existem no rap. A gente constrói rimas, mostrando como se faz no papel mesmo. Então a galera acaba criando versos de uma forma mais criativa, mais poética, no caderno.

Na terceira parte, com esses versos que criam, eles acabam recitando. Então é a parte de quebrar todo gelo, quebrar toda vergonha, e levantar a autoestima. É a busca pela autoestima principalmente. Também é a parte da apresentação. Quando eles fazem uma rima, a gente faz uma roda onde todos acabam recitando em forma de poema. E isso é muito da hora, porque eles acabam desconstruindo toda essa baixa autoestima que acaba tendo nas escolas de periferia. É uma forma de resgatar a importância deles. Quando eu tenho a oportunidade de ser contratado e rolar uma verba, eu levo um DJ. Então, aí, já rolam oficinas de hip hop mais voltadas pra rap. Às vezes, vem um grafiteiro e acaba tendo práticas artísticas com vários elementos.

Arte no Sul – Tens alguma noção em relação a números de escolas ou alunos que tu já alcançaste nesses anos do projeto?

André Dizéro – Em 2019, fazem quatro anos do projeto de oficina. Acredito que entre 400 e 500 alunos já foram atendidos em aproximadamente 20 escolas. E em oficinas no BGV Rolezinhos e em ocasiões no CCMar também. O interessante disso é que eu consegui levar quase todos os artistas do hip hop na cidade. Passaram pelas oficinas todos os DJs da cidade que a gente tem registro, também passaram os grafiteiros e alguns MC’s de Rio Grande.

Eu tive o prazer de realizar alguns eventos na cidade que têm a mesma filosofia tanto do meu trabalho musical quanto do meu trabalho com a cultura hip hop. Em 2017 eu fui premiado pelo Ministério da Cultura. O projeto Hip Hop e Educação foi destacado pela Incubadora Cultura Viva da FURG e pelo Ministério da Cultura. Eu realizei seis meses de residência artística na antiga casa skate arte do Cassino. Lá eu tive a oportunidade de promover um evento que se chama Tarde Cultural, que teve três edições. Também fundei o evento que se chama Rap contra o Frio, que acontece no Teatro Municipal e que esse ano teve sua quarta edição. O evento é pra arrecadar agasalhos. E, ao longo desses três anos do evento, nós conseguimos arrecadar mais de 2000 peças de roupas que foram doadas pra diversas instituições, como Assoran, instituição de albergue, presídio, pra instituição de crianças carentes e, principalmente, pra tribos indígenas. E isso é muito bacana. Nós conseguimos distribuir só no último evento agasalhos pra três tribos indígenas. Também desenvolvi o evento que se chama Rap Sessions, que teve três edições e reunia diversos artistas que estavam produzindo bastante na cidade, mas que não tinham espaço pra tocar.

Arte no Sul – Como tu encaras as realizações em torno do movimento hip hop e o envolvimento da cidade com o rap?

André Dizéro – A nossa história com o hip hop na cidade é muito forte. Ela tem uma história principalmente no BGV, uma história antiga. Muitos grupos da antiga daqui tinham uma conexão muito forte com a galera de São Paulo, de Porto Alegre. Rio Grande sempre esteve no mapa. Depois a gente teve as próximas gerações, a gente tem aqui o Tuty que colou no Lollapalooza, gravou com vários MCs. E Rio Grande sempre esteve um pouco no radar do hip hop. Então, eu acredito que a gente tenha uma raiz muito forte com o hip hop, mas sofremos com o que toda cidade do interior sofre. A gente não consegue se sustentar com a parada. Por exemplo, teve uma época, de 2007 a 2012, que o movimento hip hop estava muito forte na cidade, tinha muito grupo e principalmente público. Hoje em dia existem muitos grupos, mas o público não existe tanto como antes. Os shows eram lotados, a galera consumia muito hip hop daqui. Hoje a galera acaba consumindo muita parada de fora. E o dinheiro dentro do hip hop aqui na cidade acontece da seguinte forma: o MC vai lá e paga pro produtor produzir beat. Ele compra o beat, o produtor recebe. Depois o MC escreve a música e vai pro estúdio gravar. O dono do estúdio recebe. E quando o MC precisa receber, quando ele tem seu trabalho na rua, circulando, ele não tem espaço pra tocar. Todo mundo que trabalha com o MC recebe. O cara que produz, o cara que grava, o cara que faz o flyer, o cara que faz as fotos, o cara que faz o vídeo, o Facebook recebe, o Instagram. Menos o MC. E isso bloqueia o capital de giro. O dinheiro não retorna pro artista e isso fica insustentável. E não tem como a galera sobreviver. É uma roda que não gira. Os caras não contratam, os caras não recebem. O MC não vai ter dinheiro pra uma próxima produção, não consegue ter uma produção mensal, por exemplo. Então, o MC não recebe, não faz show, não se apresenta. O cara lança um material bacana na internet, mas não recebe a oportunidade de poder estar no palco, de ser pago pra isso. Mas isso não é culpa do público. É culpa do mercado da cidade.

Em meio a tudo isso, eu ainda acho que o público dá um retorno legal. A galera ainda prestigia shows, prestigia ações. Por exemplo, o III Rap Contra o Frio, em 2018, teve lotação da casa. E no Teatro, que vem sofrendo há muito tempo com falta de público, a gente conseguiu lotar a casa com uma cultura de rua, em um espaço mais elitizado, mais clássico.

Arte no Sul – Pra ti, qual o poder do rap e como ele pode ajudar na atual conjuntura política do país?

André Dizéro – Eu acho que 2019 é um ano de muita produção. Não só artística, mas também política. O representante que a gente tem no país atualmente é opressor e tem um discurso de ódio. A galera, num primeiro momento, principalmente nas eleições, talvez sentisse aquele frio na barriga, aquele medo de não ter acesso, de não poder ter voz mais e da sua luta desvalorizada. Mas, num segundo momento, após a turbulência, a galera entendeu que é mais uma chance de produção. Eu acho que o rap, principalmente, vai voltar a ser mais político. Ele vai precisar ser assim. Não como Racionais MC’s já foi um dia. Acho que isso não vai voltar a acontecer. Porém acho que a galera vai começar a falar menos bobagens. Não é que o rap tenha perdido seu sentido total, mas eu acho que ele é o reflexo do cenário. Reflexo do período, do contexto. A gente teve políticas que asseguravam que o rap não falasse só sobre a periferia, mas que ele pudesse chegar ao grande centro. Então, se acontecer tudo o que a gente acha que vai acontecer, o rap vai voltar a ser mais político. Ele vai precisar ser assim.

Arte no Sul – Tens alguma indicação de leitura pra quem se interessar pela história e busca entender um pouco mais do hip hop e do rap no Brasil?

André Dizéro – Tem um livro que é do Ricardo Teperman que se chama “As transformações do rap no Brasil”. É um livro bem massa, que te dá uma profundidade bem grande da transformação do rap, até a era Emicida mais ou menos. E aqui, próximo a nós, tem o do Gagui IDV que se chama “Resenha do Rap”. É um livro de entrevistas em que ele troca ideia com MCs ao longo de vários anos.

Arte no Sul – Se tu pudesses usar uma palavra pra representar o movimento hip hop, qual seria?

André Dizéro – Tem um amigo meu que falou uma vez uma frase que representa muito o hip hop. Ela fala que o hip hop não inventou nada, mas ele reinventou tudo. O mundo depois do hip hop é um mundo que existe através da ótica do hip hop. Então, uma palavra pra representar o hip hop: reinvenção.

  • Trap – É  uma vertente do rap que surgiu lá no sul dos Estados Unidos e ganhou mais popularidade a partir de 2007 com o surgimento de grupos como Gucci Mane e hoje está presente no Brasil com artistas como Matuê e Raff Moreira, entre outros. 
  • BGV Rolezinhos é um projeto da Prefeitura Municipal de Rio Grande, em que André Dizéro foi selecionado pra ser oficineiro através de um edital. Tem como objetivo estimular o combate à violência e às drogas, principalmente entre jovens de 13 a 17 anos, no bairro Getúlio Vargas. E também visa resgatar um pouco da identidade do bairro, pra mostrar que é muito mais além do que as notícias negativas.

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Dança promove inclusão social na cidade de Herval

Aluno Vicente, de 4 anos, em apresentação no projeto que estimula expressão artística       Foto: Divulgação

Por Luana de Almeida Medeiros

Em meio a um contexto de discriminação e exclusão de pessoas com deficiência e/ou portadoras de necessidades especiais, também há espaço para aqueles que acreditam na transformação da realidade dessas pessoas através de ações e projetos que promovam a inclusão social. Um exemplo disso é o projeto de dança desenvolvido no Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) do município de Herval – RS, em parceria com a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE), que visa a inserção dos alunos com deficiência na sociedade por meio da arte.

Para entender melhor como funciona esse projeto, é importante conhecer um pouco sobre a história da idealizadora que está por trás desse trabalho, assim como a contextualização e o surgimento desta proposta.

Amor pela arte

A professora responsável pelo projeto, Ivonete Pereira, tem uma longa história com a arte. Em busca de uma vida melhor, sua mãe deixou a cidade de Herval e foi atrás de novas oportunidades para a sua família. Foi quando decidiu morar no município de Rio Grande. Nessa época, Ivonete ainda era uma criança e, em sua nova escola, vivenciou o primeiro contato com o mundo da arte. Lá, ela teve a oportunidade de aprender um pouco sobre dança, canto e teatro e foi, nesse momento, que descobriu sua aptidão para as artes.

Ao longo dos anos, ela percebeu que gostaria de retribuir, de alguma forma, as oportunidades que havia tido em sua vida, então decidiu que iria dividir seu conhecimento com crianças e adolescentes carentes, e mostrar que é possível transformar vidas através da arte.

No início de sua carreira, como professora de dança, estruturou o seu primeiro grupo artístico com crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social, na cidade de Herval. Os recursos para manter o grupo eram escassos na época, mas com a ajuda e as doações da comunidade, o projeto se manteve durante muito tempo. Em 2007, foi convidada para participar do Programa Escola Aberta, no qual se manteve por sete anos. Em seguida, foi chamada para dar aulas de dança na Casa das Oficinas – Projeto CTRL-A (Inclusão e Arte), mantida pela Prefeitura de Herval. Em ambos, ela teve a oportunidade de se qualificar por meio de alguns cursos profissionalizantes oferecidos pelas próprias entidades.

Atualmente, continua atuando no CRAS (antiga Casa das Oficinas), onde desenvolve alguns projetos em parceria com a escola municipal Padre Libório Poersch, com o Lar do Idoso e com a APAE, além de seu projeto voluntário desenvolvido nas escolas do interior. Vale ressaltar que, esses 20 anos de dedicação à arte e às causas sociais renderam para Ivonete duas menções honrosas, a primeira na Câmara Municipal de Herval e a segunda no prêmio Preta G, em Pelotas, pelo seu trabalho de ativismo social.

“Eu queria ter mais condições de ajudar as crianças do que prêmios na parede. Resgatar e incluir essas crianças na sociedade é o meu propósito”

Professora Ivonete Pereira; diretora da Apae Neura Silva; diretora da escola municipal Ernesto Che Guevara, Brígida da Silva e o aluno Vicente Soares

Inclusão Social

O projeto de inclusão social com as crianças e adolescentes da APAE é desenvolvido há mais de cinco anos. Os ensaios são realizados todas as quintas-feiras, das 9h às 11h, no prédio do CRAS e, também, no prédio da APAE. Para obter um melhor resultado, os ensaios são realizados individualmente, respeitando as particularidades e as limitações de cada aluno.

Segundo a professora de dança, o maior objetivo deste projeto é despertar nos alunos as mais variadas sensações, emoções e sentimentos que se possa experimentar através da arte, de forma a aumentar a autoestima desses alunos e promover a integração social.

A diretora da APAE, Neura Lúcia Silva, destaca a importância desse projeto para dar visibilidade às crianças e adolescentes que participam desse trabalho, de modo a despertar a empatia daqueles que não têm muito conhecimento sobre o assunto e motivar o aumento da participação das famílias envolvidas. De acordo com a diretora, “cada um tem um potencial a ser desenvolvido” e o objetivo deste projeto é “fazer a integração dessas crianças e adolescentes na sociedade, como um todo”.

A mãe do aluno Vicente Maciel, de 4 anos, Leane Soares, viu no projeto a oportunidade de seu filho desenvolver, da melhor forma possível, os seus aspectos físicos, cognitivos e emocionais. “Ele melhorou bastante a fala, desenvolveu a dança, a criatividade e convive mais com outras crianças”.

Em dezembro deste ano, o aluno Vicente participará de um concurso de dança na cidade de Bagé, juntamente com a professora responsável pelo projeto. Os alunos também vão ter a oportunidade de divulgar o trabalho desenvolvido em um festival de arte promovido pelas APAEs. A data ainda não foi divulgada.

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