Oficina de redeiras leva tradição à Prefeitura de Pelotas

Evento integrou exposição colaborativa sobre a comunidade pesqueira da Z3    

Por Martha Cristina Melo    

Entre os dias 4 e 14 de agosto, a Sala Frederico Trebbi, no saguão do Paço Municipal, é palco da exposição “Z3: Entre Redes e Memórias”, idealizada por alunos do curso de Museologia da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) enquanto atividade avaliativa. Orientada pelos professores Daniel Maurício de Souza e Diego Ribeiro, a mostra acontece de forma colaborativa com os próprios moradores da comunidade da Colônia São Pedro (Z3), à medida que valoriza tradições locais.

 

Descrição da exposição e equipe idealizadora e colaborativa       Fotos: Martha Cristina Melo.

 

A proposta da exposição é plural e sensível: o espaço conta com um barco instalado no centro da sala, em alusão à pesca de baixo impacto ambiental. Já o acervo que acontece em volta da embarcação é composto por materiais cedidos por moradores à exposição e reúne objetos cotidianos da vivência pesqueira na Z3.

Entre os colaboradores da mostra, Élio Sabino, pescador e diretor do Sindicato dos Pescadores da Z3 há 15 anos, destacou a importância de iniciativas que preservem a memória da comunidade. “Eu não tenho estudo, mas tenho experiência. Sempre procurei colaborar, seja com material, seja com conversa, porque acho que é nosso dever repassar o que sabemos”, afirmou.

 

Élio Sabino, mais à direita na foto, é natural de uma família de pescadores e um dos principais colaboradores da exposição

Oficina de Redeiras

Na última segunda-feira (11), o espaço foi laboratório para a oficina de redeiras ministrada por Flávia Silveira Pinto, moradora da Colônia São Pedro, e pesqueira e redeira experiente. Flávia guiou o público no delicado ofício do corte de fios – matéria-prima essencial para a confecção de malas, biojoias e acessórios feitos com redes de pesca reaproveitadas. A pescadora, que deu início ao seu trabalho enquanto redeira como forma de conquistar uma segunda fonte de renda, hoje é parte de um grupo que integra a marca registrada Costa Doce.

Claudete Guilherme da Rosa, curadora-aluna da mostra, apresentou com emoção o processo criativo por trás da exposição que, por sua vez, busca valorizar a riqueza cultural da comunidade. “Quando a gente começou a fazer os trabalhos de campo, vimos o quão rica é a comunidade e o quanto precisa ser mais divulgada. (…) Elas [as redeiras] já participaram de eventos em Recife, Minas e outros lugares, mas aqui, na própria cidade, muita gente nem sabe que elas existem”. Flávia, por sua vez, destacou o valor da presença do artesanato no centro da cidade: “Na colônia, já somos conhecidas, mas queremos que as pessoas de outros lugares também conheçam. Vejam como o material que antes era jogado na lagoa pode se transformar”.

 

Oficina recebeu excursões escolares para o ensino da técnica de corte de fios

Muito mais do que um exercício manual, a oficina foi uma aula de empoderamento e pertencimento. A comunidade de rendeiras da Colônia Santo Antônio simboliza mais do que uma atividade econômica: é um elo vivo entre o passado e o presente, uma trama de saberes femininos e um exemplo de criatividade sustentável.

Para conhecer o trabalho das redeiras e valorizar produções locais, clique aqui.

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Musical cult “The Rocky Horror Picture Show” completa 50 anos  

Lançado em agosto de 1975, filme criou uma legião de fãs ao longo de décadas      

Por Vinicius Terra      

Nesta quinta-feira, dia 14 de agosto, o filme “The Rocky Horror Picture Show” (1975) comemora seu aniversário de 50 anos de lançamento. O filme é dirigido pelo australiano Jim Sharman e foi escrito por ele e por Richard O’Brien, que também é o criador da peça de teatro que inspirou o musical. Produzido no Reino Unido, foi exibido também nos Estados Unidos na década de 1970, momento de virada para a expressão popular depois dos movimentos da contracultura dos anos 60. Rocky Horror chocou o público mais conservador ao mostrar uma liberdade sexual que parecia inimaginável e, em meio ao caos, surge como um dos principais ícones de sexualidade, gênero e liberdade. Embora tenha recebido pouca audiência no primeiro ano de exibição, o filme logo se tornou um sucesso como “midnight movie”, sessões que ocorriam à noite e exibiam filmes obscuros e de terror.

O musical de terror de ficção científica começa com a brilhante música “Science Fiction/Double Feature” que, durante os créditos iniciais, aborda os principais filmes de ficção científica lançados anteriormente, como “Planeta Proibido” (1956), “O Dia em que a Terra Parou” (1951), “O Homem Invisível” (1933) etc. Nas primeiras cenas, somos apresentados ao casal de protagonistas Janet (Susan Sarandon) e Brad (Barry Bostwick), que estão no casamento de uns amigos. Após Janet conseguir o buquê da noiva, Brad pede ela em casamento em um número musical bobinho e que exemplifica a dinâmica mais inocente dos dois (“Dammit Janet”).

 

Brad declara seu amor a Janet após casamento de amigos        Fotos: Divulgação/20th Century Studios

 

Quando ficam perdidos na estrada ao sair do casamento, enquanto escutam com pouca atenção o ex-presidente dos Estados Unidos Richard Nixon renunciando do cargo no rádio, decidem seguir a pé e encontram uma mansão. É nesse momento que há uma ruptura do filme com o que já estávamos acostumados – saímos do então dia e natureza verde, para uma noite de tempestade, árvores mortas e cores mais escuras. Então, “Over at the Frankenstein Place” começa a tocar, com os personagens maravilhados por encontrar uma possível ajuda e sendo recebidos pelos moradores Riff Raff (Richard O’Brien) e Magenta (Patricia Quinn). Os ajudantes levam eles para um lugar com pessoas dançando e cantando a música “Time Warp”, que elucida desde o início do filme que os personagens dessa mansão estranha pareciam ser de outro mundo e estavam prontos para sair desse planeta.

Daí então entra em cena o grande antagonista dessa história, Dr. Frank-N-Further (Tim Curry), que chega com um dos números mais famosos do filme, “Sweet Transvestite”. Na música, ele incorpora o contraponto do que os protagonistas eram, já que ele mostra mais o corpo e usa bastante maquiagem, enquanto o casal era mais ingênuo e conservador. Além disso, o personagem não tem medo de jogar água e olhar para a câmera, quebrando a quarta parede. Logo em seguida, um dos maiores sonhos de Frank como cientista está para acontecer: ele vai criar um homem, Rocky (Peter Hinwood) para satisfazer seus desejos, em uma cena homenagem a “Frankenstein” (1931), e convida todos para isso.

 

O Dr. Frank espera os convidados em seu laboratório

 

Por meio do número “I Can Make You a Man” o filme comenta sobre os valores que são atribuídos a homens “másculos” e o desejo de Frank de criar um. O laboratório possui tons bem saturados, entre o branco e o vermelho, muito diferente dos laboratórios que normalmente são vinculados às mídias. Interrompendo este momento, porém, entra em cena Eddie (Meat Loaf), que estava congelado no laboratório de Frank. A cena é caótica, com a música “Hot Patootie – Bless My Soul” marcando uma homenagem ao rock and roll dos anos 50, do guitarrista Buddy Holly e da sensação de liberdade. Ainda sobre os arquétipos da época, há a presença da Columbia (Nell Campbell), uma groupie que ama Eddie. Tomado pela raiva, Frank mata Eddie de forma brutal, para que assim possa retornar para a sua performance de “I Can Make You a Man”, quando fica evidente que o filme não se leva a sério, o que é justamente um dos seus maiores acertos.

Após o caos, Janet e Brad são colocados em quartos separados, em um esquema de luzes mais avermelhadas e rosadas no quarto de Janet, e luzes brancas no quarto de Brad. Com uma câmera fixa e voyeur no quarto, e através da contraluz, vemos os dois recebendo em seus quartos Frank. O casal acaba tendo relações com o cientista e, apesar do filme não levar para o frontal, ele acaba discutindo sobre sexualidade e gênero por meio das ações, que mostram como poderia ser libertador para este casal não estar em amarras de padrões sociais. Após uma fuga, Janet encontra Rocky machucado e, em uma das cenas mais emblemáticas do filme, a personagem performa “Touch-a, Touch-a, Touch Me” – um hino de libertação sexual, carregado com a comédia norteadora do filme.

No último ato do filme, o professor de Janet e Brad, Dr. Everett V. Scott (Jonatham Adams), tio de Eddie e agora um investigador de presenças alienígenas, chega na mansão. É nesse momento que é revelado para os protagonistas que Frank, Riff Raff e Magenta são na verdade de outro mundo. Em um último ato de raiva, Frank petrifica em mármore os corpos do casal, do professor, e da groupie Columbia, que não aceita a morte de seu amor, Eddie. Frank coloca todos eles para performar no palco, com a música “Rose Tint My World”. Em uma virada surpresa, Magenta e Riff Raff decidem acabar com tudo e matar Frank, mas não antes da performance maravilhosa de “I’m Going Home”. No fim, Dr. Frank morreu porque gostava da liberdade de fazer seus experimentos na Terra, uma atitude talvez mais humana do que seus conterrâneos.

 

Frank, em uma última tentativa, implora em uma performance para não morrer

O filme não é, necessariamente, um espelho do que hoje é considerado aceitável como uma forma de representação da comunidade, contudo, ele pode ser visto como um dos marcos do cinema a abordar as questões de gênero e sexualidade para um público mais amplo. E, apesar da comédia, é bom lembrar que o filme é essencialmente de terror também, e algumas cenas são para incomodar e gerar um sentimento de horror. Após seu lançamento, é importante também comentar sobre o “culto” de fãs que surgiu, em que, inclusive, grande parte dele é formado por pessoas da comunidade LGBTQIA+, que na época finalmente se sentiram de alguma forma representadas nas telas do cinema.

O filme termina com o narrador, onisciente em relação a todos os acontecimentos da história, discutindo e comentando tanto as ações dos personagens quanto os sentimentos que eles experimentaram ao longo dos eventos. Desde sua primeira aparição, já sabemos que por ser um investigador criminal, o fim dos personagens possivelmente não seria algo positivo. No fim, ele fala como os protagonistas ficaram se rastejando na terra da mansão, perdidos no tempo, perdidos no espaço e significado, como toda humanidade.

O filme está disponível para streaming no Disney+.

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Entre o silêncio e a fluidez, “Tudo É Rio” acontece

“Não vou enganar você: este não é um livro para ser bebido num gole só. Carla não escreve, borda. Cada frase mais sublinhada que a outra. Pois então deixe de lado a sede de história e leia tomando gosto, que às vezes o caldo queima a boca”          

Por Martha Cristina Melo     

 

“Tudo É Rio” marca a estreia literária de Carla Madeira já como um sucesso editorial

 

Cris Guerra, escritora mineira e responsável pelo prefácio de “Tudo É Rio”, é feliz ao afirmar que, de fato, Carla Madeira não escreve. Borda. O mesmo prefácio que convida, também desafia o leitor a conhecer uma narrativa intensa e nem sempre “difícil de engolir”. Como metáfora de um rio, a vida é apresentada em fluxo constante: tudo traz, tudo leva e, principalmente, tudo lava.

Publicado em 2014 pela Editora Quixote, “Tudo É Rio” marca a estreia literária de Carla Madeira e é sucesso editorial, com mais de 200 mil exemplares vendidos. Com texto de apresentação assinado por Martha Medeiros, o livro foi relançado em 2021 pela Editora Record, e conquistou sexto lugar na lista de mais vendidos da Amazon em 2024, segundo a própria empresa.

 

“Tudo é Rio, como sugere o título, é líquido. (…) Mas Carla consegue não deixar cair nem um pingo para fora da narrativa, a prosa nunca escorre para o sentimentalismo barato, não há enchente, transbordamento, excesso – a precisão de sua literatura é absoluta” – Martha Medeiros

 

Sua narrativa acontece em o que parece uma cidade interiorana, embora a autora nunca precise nomear ou delimitar espaço. Essa ambientação implícita, por sua vez, é um dos méritos da escrita de Carla, que constrói atmosferas mais pelo que deixa subentendido do que pelo afirma. O ano em que se passa a trama, assim como sua cidade, é irrelevante.

A história acompanha três personagens principais, cujas vidas se cruzam em ensaios intensos e, por muitas vezes, irreparáveis. Dalva e Venâncio formam um casal jovem, vivendo o auge da paixão. Ambos cresceram na mesma cidade que, por sua vez, presenciou o nascimento de um amor profundo e de uma família linda. Entretanto, por baixo da leveza, nas camadas mais profundas da mente de Venâncio, nasceram a obsessão e o ciúmes “descontrolado”.

Em determinado momento da história, tudo muda: uma tragédia que obriga o leitor a pausar a leitura também cria um abismo entre Dalva e Venâncio. Desnorteados, ambos seguem seus caminhos e, apesar de permanecerem sob o mesmo teto, passam a buscar refúgio individualmente. Dalva, desde o princípio da trama, passa a sair todos os dias pela manhã, por anos, e volta à noite. Venâncio, um pouco mais previsível, começa a frequentar o prostíbulo da cidade. É lá que conhece Lucy, a prostituta mais desejada da região e uma das personagens centrais da obra.

Lucy, por sua vez, é uma questão à parte. A narrativa retrata a prostituição de forma que divide opiniões. Apesar das críticas à possível hipersexualização da personagem, é possível observar que sua construção carrega uma intencionalidade lúdica, intensa e impulsiva. Lucy é quase uma caricatura de si mesma, e talvez por isso tão humana. Ainda assim, há quem questione uma construção tão apoiada em personagens secundários e o espaço excessivo dedicado à perspectiva masculina – o que o homem pensa, o que o leva a agir, seu instinto sexual animalesco –, um recorte que, por vezes, parece reforçar o protagonismo do olhar masculino sobre a história.

O fato é que Lucy é uma boa prostituta, orgulhosa de seu trabalho e livre de qualquer tipo de amarra – ainda que isso signifique ignorar questões emocionais e viver completamente sozinha no mundo. Sua história cruza com a de Venâncio no momento em que ele nega envolvimento com ela, o que é suficiente para criar uma obsessão pelo personagem por parte de Lucy.

A trama guarda uma reviravolta que suaviza o peso do que já passou, ainda que possamos questionar se foi necessária. As personagens, no entanto, são consistentemente bem construídas, com peculiaridades próprias e históricos individuais, descritos com a fluidez da escrita de Carla Madeira (e de um rio). Além das figuras principais, destaco, em especial, a construção da mãe de Dalva. Aurora é uma mulher forte, sábia, terna e extremamente corajosa. Com papel essencial na história, Carla Madeira a descreve de forma a encantar com tanta inteligência e sensibilidade, ainda que dentro de suas vivências e conservadorismos.

 

“Eu disse que Deus é de sentir e não paro de falar. Sei que estou inventando um pouco também, tentando adivinhar o que pode trazer alívio para sua dor, tentando fazer alguma coisa. Quero lavar seus pés com água morna, oferecer a alegria de uma comida boa, uma cama macia, carinhos até você adormecer. É só isso que uma mãe pode fazer, mesmo com todo o seu amor. Deus é mãe, sofre também de impotências, mas está sempre lá , pronto para virar as noites acordado e não deixar a gente sozinho “.

 

 

Um retrato da vida como ela é

É fundamental entender que “Tudo é Rio” não é, necessariamente, uma história com conclusão que satisfaz o leitor. Como a história acaba, levanta questionamentos, isso porque nem todas as atitudes das personagens são esclarecidas ou devem ser compreendidas – afinal, nenhum tipo de arte se compromete com conclusões morais ou com “o que deveria ter sido feito”. Inúmeras críticas à obra e às escolhas narrativas de Carla partem de uma revolta com o que o livro tenta passar, mas, na verdade, a obra é paralela com a realidade em um sentido: nem tudo é como deve ser. E talvez a beleza do livro esteja na verossimilhança.

A simplicidade da escrita de Carla Madeira que não deixa de ser poética é um bálsamo que aproxima o leitor e não simplifica grandes acontecimentos. Como citado anteriormente, a subjetividade é uma das belezas da narrativa de “Tudo É Rio”.

Humanizando decisões questionáveis, “Tudo É Rio” nos obriga a encarar a realidade através da arte, à medida que nos faz compreender que, muitas vezes, fazemos o que podemos. Afinal, no “fundo estamos presos à incapacidade de ser outra coisa diferente do que somos”. 

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Gibis preservam patrimônio cultural da região rural de Pelotas

Com três edições publicadas, as histórias em quadrinhos “Museu Gruppelli: Lendas Rurais” contam as histórias dos moradores a partir de objetos, tradições e crenças da região      

Por Amanda Leitzke     

 

Capa da primeira edição do gibi “Museu Gruppelli: Lendas Rurais”

A ideia de criação dos gibis surge em 2020, durante a pandemia de Covid-19, quando o Museu Gruppelli, localizado no Sétimo Distrito de Pelotas, precisou permanecer fechado e, com isso, não conseguia trabalhar em novas exposições. José Paulo Brahm, professor e coordenador do curso de bacharelado em Museologia na Universidade Federal de Pelotas (UFPel), e coordenador geral dos gibis, conta que, inicialmente, foi planejada uma exposição que retratasse as lendas rurais. Como o museu ficou fechado fisicamente em virtude da pandemia, a instituição teve que adaptar as suas atividades e uma das alternativas foi transformar as histórias contadas pelo museu em um livro no formato de gibi. Ele afirma que “essa iniciativa também teve como objetivo impulsionar as ações educativas e manter vivas as atividades do museu durante o período em que estava fechado, de 2020 até meados de 2022”.

O processo de criação de um gibi se baseia, primeiramente, em pesquisas sobre as lendas rurais. São realizadas entrevistas com moradores locais e pesquisas em fontes bibliográficas. Após a coleta de depoimentos, a equipe é dividida e cada um exerce a sua função, seja elaborando as histórias e a concepção dos enredos, que acontece em conjunto com todos os autores das histórias, ou trabalhando na confecção dos desenhos.

José Brahm explica: “As lendas originais são adaptadas pela nossa equipe para garantir um ar de originalidade às histórias. Trazemos, nos roteiros, algumas referências clássicas que visualizamos na nossa cultura popular, além de elementos trazidos por culturas externas. É importante destacar que lendas presentes em várias partes do mundo, como o lobisomem, também fazem parte da cultura regional do sul do Brasil”.

Ele evidencia que um dos fatores mais interessantes das histórias é que elas são contadas pelos moradores locais, trazendo, assim, um ar diferenciado e particular, e até mesmo inédito, pois não se encontram registros de algumas histórias em nenhum outro lugar, como a lenda do tacho de cobre e a da porca camaleônica.

Maurício Pinheiro, museólogo que atua no Museu Gruppelli e que participou do processo de escrita de todas as histórias dos gibis, conta que a experiência foi surpreendente e maravilhosa. “Como sou morador da zona rural, eu tenho uma proximidade muito grande com o acervo e os objetos, e tenho conhecimento sobre as lendas, então coloco essa questão afetiva nas histórias e busco trazer a realidade da região”. Relata, também, que o museu conseguiu atingir um grande público e que recebe muito apoio dos visitantes e da comunidade, que se sente representada a partir das histórias.

As ilustrações, que são feitas e impressas em preto e branco com o intuito de permitir que as crianças possam colorir as páginas, demora em torno de quatro a oito meses para ficarem prontas. O responsável por dar vida às histórias, Gabriel Acosta Insaurriaga, formado em Museologia e criador das artes dos gibis, conta que a primeira edição foi desafiadora na parte da criação, pois os objetos do museu saem da sua visualidade na terceira dimensão para a versão bidimensional no papel. Ele relata que as duas últimas edições foram mais difíceis de fazer. “Eram lendas e nós tínhamos que adaptar e omitir alguns detalhes por causa do público infantil”, observa.

A primeira edição, lançada em 2022, conta a história dos objetos que estão expostos no Museu Gruppelli, como o tacho, que é utilizado na produção de doces coloniais, o pilão, que serve para triturar grãos, e a carroça que era usada como meio de transporte de pessoas, animais e mercadorias. A segunda edição, lançada em 2024, fala das feras, fantasmas e monstros, como a puma, que vivia na região e quase desapareceu devido a urbanização e a caça. Ainda traz a história da “Noiva do Cemitério”, que não teve um casamento bom e decidiu se vingar de seu marido quando morreu, e o “Tilltrap”, figura rápida e esquiva que se parece com um chupa-cabra pequeno.

A terceira e última edição lançada até o momento, foca nas histórias extraordinárias, como a do “caramelo”, o cão sobrenatural, que foi maltratado enquanto estava vivo, e após a morte decide fazer justiça com quem agride animais, o alien “Xirú”, que se infiltra no meio dos humanos para estudar os seus costumes, e a “porca camaleônica”, que muda a cor dos olhos de acordo com o clima.

 

Quadrinhos da primeira parte da história da Centaura, ser místico que protege a natureza

 

A quarta edição do gibi será intitulada como “Lendas Rurais: Histórias da Natureza”, na qual serão abordadas diversas narrativas relacionadas ao período anterior à chegada dos imigrantes na região. Além disso, a equipe do Museu Gruppelli também planeja elaborar uma edição voltada para maiores de 18 anos, pois descobriram várias histórias com conteúdo inadequado para crianças, mas que são extremamente interessantes e fazem parte do imaginário local há muitos anos. Com isso, eles pretendem ampliar ainda mais o alcance das publicações e conquistar um novo público, o adulto.

José Paulo Brahm compartilha que a motivação de publicar essas histórias parte da ideia de preservá-las e de evitar que elas caiam no esquecimento. “A ideia é preservar, documentar e divulgar essas narrativas para o maior número de pessoas possível. A zona rural tem histórias incríveis que merecem ser compartilhadas e descobertas. Preservar as memórias e os relatos relacionados às lendas é preservar uma parte da identidade da comunidade rural. É manter vivas as tradições e proteger os patrimônios culturais”. Ainda afirma que as lendas sempre deixam um ar de curiosidade e encantamento, e esse também é o papel dos museus e do patrimônio. “O patrimônio tem essa função de encantar as pessoas, assim como os museus. Nossa missão é justamente possibilitar que todos consigam sentir essa magia que os museus têm a oferecer”.

 Além disso, a equipe deseja que essas histórias sejam uma fonte de conhecimento e aprendizagem para o público infantojuvenil, que no futuro será o público adulto do museu, e caberá a eles garantir que essas histórias continuem sendo compartilhadas com as próximas gerações, evitando, como já dito, que se percam com o tempo.

Os gibis físicos estão à venda no Museu Gruppelli, com valores entre 35 e 40 reais, e também estão disponíveis em versão digital que podem ser acessados por meio do Link Tree do museu na página do Instagram e do Facebook.

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LFERREIRA aposta na autenticidade e celebra trajetória na música eletrônica

Com remixes oficiais de Seu Jorge e Robin Gibb, o DJ e produtor Lucas Ferreira fala sobre carreira, desafios longe dos grandes centros e os seus próximos passos      

Por Priscila Fagundes      

 

LFERREIRA: “Um dos meus objetivos é ser o artista que mais remixou outros artistas brasileiros”    Foto: Divulgação

 

Nascido em Pelotas e atualmente morando em Jaraguá do Sul (SC), Lucas Viera Ferreira — ou simplesmente LFERREIRA — construiu sua trajetória na música eletrônica longe dos holofotes dos grandes centros. O artista, que hoje soma mais de 100 mil plays no Spotify e coleciona parcerias com nomes de peso como Seu Jorge e Chemical Surf, começou ainda criança, gravando coletâneas com o irmão e se encantando com as trilhas dos filmes que o pai alugava na locadora.

Com uma rotina intensa de produção musical em seu home studio, LFERREIRA desenvolveu uma assinatura própria nos remixes e tem como missão ampliar a presença da música brasileira no universo eletrônico. Nesta entrevista, ele fala sobre sua relação com a música, os desafios do mercado, o papel das redes sociais e o que vem por aí.

Arte no Sul – Quais foram os maiores desafios de começar uma carreira na música eletrônica longe dos grandes centros?

LFERREIRA O desafio de viver da criatividade ainda é grande. No começo, o mais difícil é fazer as pessoas conhecerem, conquistar espaço e criar uma conexão real com o público, agregar valor à marca de fato. Mas o desafio não para por aí. Hoje, tudo é muito rápido… as redes sociais exigem conteúdos curtos, dinâmicos e em constante evolução. Se você não acompanha esse ritmo, acaba ficando para trás.

Arte no Sul – Teus remixes têm uma identidade muito própria. Como tu escolhes as músicas que vai transformar? O que te chama atenção nelas?

LFERREIRA Não sinto que sou eu quem escolhe a música, na verdade, parece que é ela quem me escolhe. Costumo me deixar levar por faixas com vocais marcantes e melodias que ficam na cabeça. Gosto de músicas elegantes, que trazem uma energia boa. Às vezes, uma track simplesmente aparece na minha mente, do nada… e quando vejo, já estou no estúdio produzindo.

Arte no Sul – Quais os maiores clássicos que tu já remixaste? Como foi a experiência? Como tu equilibras o respeito à obra original com tua própria assinatura?

LFERREIRA Ainda me considero um produtor musical em início de jornada, especialmente quando comparo com grandes nomes do mercado internacional, muitos com mais de 30 ou 40 anos de carreira consolidada. Mesmo assim, uma das produções que mais me marcaram foi a releitura oficial de “Like A Fool”, do Robin Gibb. Quando produzi a faixa, Robin já havia falecido, então a oficialização veio por meio das editoras, com um acordo 100% liberado. Recriei todos os acordes da música do zero e convidei um cantor com uma voz muito próxima à de Robin. Apesar de não considerar essa a minha melhor produção, foi sem dúvida uma das mais significativas. Depois disso, tive a oportunidade de fazer um remix oficial de “Quem Não Quer Sou Eu” para o Seu Jorge, que teve uma repercussão ainda maior e representou um marco enorme na minha carreira. Já meu primeiro remix oficial foi em 2018, da música ”Ouriço”, do Juliano Holanda, que foi tema de uma minissérie da Globo. Em termos de estilo, procuro sempre manter a essência da música original, preservando certos acordes e mudando os timbres dos instrumentos — para que o ouvinte ainda consiga sentir a identidade da faixa original, mesmo numa releitura.

Arte no Sul – Existe alguma música que tu ainda sonhas em remixar? Aquele desafio que ainda não rolou… mas que está no radar?

LFERREIRA Tenho várias vontades. Um dos meus objetivos é ser o artista que mais remixou outros artistas brasileiros, então cada remix acaba sendo parte do meu portfólio, uma nova experiência e um passo a mais nessa trajetória. Quero muito remixar oficialmente mais músicas do Seu Jorge, além de outros nomes da MPB que combinam com um ”Tech House gostozinho”, como Jorge Vercillo e Zeca Baleiro. Já no universo eletrônico, um grande sonho é fazer um remix oficial para Lukas Ruiz (Vintage Culture).

Arte no Sul – Tu já dividiste o palco com gigantes como Chemical Surf e Dubdogz. Como foi essa experiência e o que aprendeste com esses encontros?

LFERREIRA Sempre encaro essas experiências de forma muito positiva. Estou ali pra trabalhar, sendo pago por isso… e ainda tenho a chance de fazer networking com artistas maiores, que têm carreiras que muitos sonham em alcançar. O aprendizado é constante. Gosto de observar, absorver. Nunca fui do tipo “deslumbrado”, sempre mantive minha postura, com respeito e profissionalismo. Já encontrei os meninos do Chemical Surf nos palcos e nas pistas por aí, é sempre muito bom trocar uma ideia com eles. São extremamente talentosos e merecem todo o sucesso que conquistaram.

Arte no Sul – Como tu enxergas o cenário da música eletrônica aqui no Sul do Brasil? Tem espaço para quem quer começar?

LFERREIRA Não costumo acreditar muito em um “cenário eletrônico”, o que consigo afirmar é que existem eventos que funcionam. Alguns dão certo porque há um intervalo de meses entre uma edição e outra, o que permite que o público se organize financeiramente. Afinal, frequentar eventos de música eletrônica não é barato. Para que tudo aconteça de forma sustentável, existe toda uma estrutura por trás… preços, poder de compra, logística e isso é especialmente desafiador no Rio Grande do Sul, principalmente no interior. Sobre espaço no mercado, sempre vai haver. O problema é que hoje tudo está mais competitivo. Não basta ser DJ, é preciso produzir sua própria música, estar presente nas noites, se conectar com as pessoas, ser ativo nas redes sociais, conversar com o público, fazer novos amigos e, de algum modo, movimentar os ventos a seu favor. Se você quer tocar em determinado lugar, o mínimo é frequentá-lo como cliente antes.

Arte no Sul – Tu sentes que, de certa forma, também estás ajudando a abrir caminho para novos DJs da região? Te vês como uma referência?

LFERREIRA Acredito que sim. Já ofereci mentorias gratuitas para artistas em início de carreira, pois, quando comecei, não recebi esse tipo de apoio e sei como isso faz diferença. Sempre que posso, procuro ajudar com conselhos e compartilhar os erros que cometi para que outros não precisem passar pelas mesmas dificuldades. Além disso, nos eventos “LFERREIRA & Convidados”, costumo abrir espaço para artistas novos, geralmente convidando-os para fazer o warm up, dando uma oportunidade para quem ainda não teve chances no mercado. Durante a pandemia, criei minha própria gravadora, a Stay On Main. Apesar de uma pausa de cerca de dois anos por questões financeiras, retomei o projeto este ano e lancei a faixa “Don’t Wanna Be”, em parceria com o DJ Fred Taboada. O próximo lançamento será de um artista novo que venho acompanhando, ele me enviou uma demo, fiz algumas sugestões e ele ajustou a track. Estamos com o lançamento programado para o próximo mês a princípio. Sempre que possível, faço questão de apoiar talentos emergentes, sem esperar nada em troca. Acredito que essa troca e colaboração são fundamentais para o crescimento coletivo na cena musical.

Arte no Sul – O que vem por aí? Algum lançamento, colaboração ou projeto novo que tu possas dar spoiler pra gente?

LFERREIRA Neste ano estou focado na criação de conteúdo para as redes sociais. Desde o começo do ano, produzi muitas músicas… só falta finalizar algumas delas [risos]. Em breve, vou lançar uma nova série de sets exclusivos para o meu canal no YouTube. Estou migrando meu conteúdo do Instagram para o TikTok, onde pretendo compartilhar vídeos mostrando projetos abertos, meu processo criativo nas tracks, bastidores e outras novidades. A minha gravadora, Stay On Main, também terá novos lançamentos ainda este ano. Para 2025, planejamos ampliar os lançamentos autorais, e em 2026, além das novidades musicais, vamos celebrar os 10 anos do projeto com uma edição especial do “LFERREIRA & Convidados” em Pelotas/RS. Resumindo, tem muita coisa boa vindo por aí! Que Deus nos acompanhe para que tudo aconteça com sucesso.

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“Amanhecer na Colheita”: as críticas sociais do universo “Jogos Vorazes”

Livro mais recente de Suzanne Collins revela as origens do personagem Haymitch Abernathy        

Júlia Radmann Tomm        

 

“Amanhecer na Colheita” é o mais recente lançamento da escritora Suzanne Collins. O novo livro, que se passa no mesmo universo da trilogia “Jogos Vorazes” (que inclui “Em Chamas” e “A Esperança”), é ambientado no quinquagésimo Jogos Vorazes e segundo Massacre Quaternário e tem seus acontecimentos antecedendo aos da trilogia original.

 

 

Contextualizando, “Jogos Vorazes”, que também conta com uma série de adaptações cinematográficas, é uma trilogia que acompanha a história de Katniss e Peeta. São jovens escolhidos ao acaso para participar de uma competição anual criada pela Capital, como forma de controle dos distritos, após sofrer um ataque. Como punição pela rebelião, cada distrito deve enviar um garoto e uma garota para lutar até a morte, enquanto a Capital transforma tudo em um espetáculo. O título “Amanhecer na Colheita” faz referência ao dia em que jovens de 12 a 18 anos são sorteados, marcando o início desse momento cruel.

No livro “Amanhecer na Colheita”, o personagem principal é o já conhecido Haymitch Abernathy, vencedor do quinquagésimo Jogos Vorazes e Segundo Massacre Quaternário e mentor de Katniss e Peeta na trilogia original. Nos livros anteriores, conhecemos Haymitch como um vencedor amargurado e alcoólatra. Já em “Amanhecer na Colheita”, o personagem é descrito antes de a vida o transformar em quem ele é na trilogia.  A obra conta a história de Haymitch no ano do segundo Massacre Quaternário, edição especial em que foram escolhidos o dobro de tributos de cada distrito, ou seja, dois meninos e duas meninas. Apesar de os leitores já saberem que Haymitch vence sua edição, o que nunca foi contado é como tudo acontece e, principalmente, o que o fez ele se tornar quem conhecemos depois. É isso, somado à escrita envolvente de Suzanne Collins, que prende o leitor do início ao fim.

Suzanne Collins, em entrevista ao editor David Levithan, comentou:  “Da mesma forma, você sabe que Haymitch se torna um vencedor e Snow mata seus entes queridos, mas você não sabe os eventos que levaram a esses fins. Como? Por quê? Onde? O quê? Quem? Você precisa ler o livro para descobrir.” Essa fala reforça o mistério e a expectativa que “Amanhecer na Colheita” cria ao explorar as raízes de um personagem tão complexo, revelando os detalhes e camadas que antes não tínhamos conhecimento.

 

O ator Woodrow Tracy Harrelson interpretou Haymitch Abernathy na série de filmes de 2012 a 2015

 

Haymitch, antes dos Jogos, era um jovem apaixonado por sua garota, Lenor Dove, e por sua família. Por viver na Costura (Fim do distrito 12), não tinha uma vida fácil, assim como qualquer outro morador de lá, mas o garoto de 16 anos, antes de ir para a arena, era amoroso, cuidadoso, preocupado e não bebia álcool. Bem diferente da versão adulta que não consegue suportar a sobriedade. No novo livro, conhecemos mais esse lado doce de Haymitch. Vemos um pouco do seu amor intenso por sua namorada e descobrimos como era sua rotina, morando com sua mãe e seu irmão. Outros personagens que também são muito importantes na trilogia são apresentados mais jovens, como Burdock, o pai de Katniss, que era um grande amigo seu e Astrid, a mãe de Katniss. Dessa forma, o livro ajuda a entender por que Haymitch toma o lado de Katniss na trilogia e por que se importa tanto com ela. Ao conhecermos sua versão jovem, fica claro que ele enxerga nela os seus amigos de juventude, principalmente o pai dela e muito do que ele próprio já foi.  A relação entre os dois, que já era forte na saga original, ganha um novo significado: percebemos que é muito mais profunda do que parecia.

Neste livro, a autora consegue expandir de forma excepcional o universo que seus leitores tanto gostam, sem deixar de lado as críticas sociais profundas que sempre estiveram enraizadas na trama. A cada página, entendemos melhor por que as coisas são como são no futuro retratado na trilogia original. Tudo começa a fazer ainda mais sentido.

Desde o primeiro livro da saga, Suzanne Collins já traz fortes críticas sociais disfarçadas de romance distópico: a repressão da Capital sobre os distritos, o uso do sofrimento como forma de controle e espetáculo pelo presidente Snow, e o contraste entre o luxo absurdo da Capital e a fome nos distritos. Além disso, a saga evidencia o papel crucial da mídia na manutenção desse sistema autoritário. A Capital manipula as informações, esconde tudo que possa enfraquecer sua imagem e apresenta uma realidade distorcida para manter o controle não só físico, mas também mental da população. O mais assustador é perceber que, aos poucos, na atualidade, a realidade de Panem se aproxima da nossa.

Nos livros, os ricos ficam cada vez mais ricos, enquanto os pobres ficam cada vez mais pobres e tornam-se praticamente escravos. A Capital, representando os mais privilegiados, ostenta roupas extravagantes, festas exageradas e desperdício de comida. Um trecho marcante da trilogia no livro “Em Chamas” reforça essa crítica: durante a turnê dos vitoriosos, Peeta se revolta ao descobrir que, enquanto pessoas morrem de fome nos distritos, os cidadãos da Capital tomam uma bebida para vomitar o que comeram e assim poder comer mais.

 

Os  habitantes da Capital em uma das versões cinematográficas

 

Em “Amanhecer na Colheita”, Collins aprofunda ainda mais essa crítica ao mostrar como a Capital manipula até mesmo as regras dos jogos, dobrando o número de tributos para tornar o espetáculo mais sangrento e atrativo. O sofrimento de adolescentes vira entretenimento, e suas dores são ignoradas. Haymitch, por exemplo, não é apenas um vitorioso: é um jovem marcado pela violência, solidão e perda. Neste livro, conhecemos seu lado mais doce, ele ainda não era o homem amargo que vemos nos outros livros, mas sim um garoto preocupado com a família, que sequer bebia. Seu trauma é construído ao longo da trama, e revela o quanto o sistema desumaniza até quem sobrevive.

A escrita de Suzanne neste livro mantém a mesma essência dos anteriores, mas com um ritmo mais acelerado do que em “A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes”, outro livro que antecede a trilogia e também “Amanhecer na Colheita”, que era mais denso. Por já sabermos parte dos acontecimentos, a autora nos leva rapidamente ao início dos jogos, mergulhando direto na ação. Mesmo assim, ela consegue, com maestria, desenvolver as emoções e construir novas camadas para a saga, fazendo com que tudo se encaixe perfeitamente nos cinco livros que compõem a história desses jogos brutais.

Todos os quatro primeiros livros foram adaptados para o cinema com sucesso, mantendo o tom político e emocional da obra original. Agora, “Amanhecer na Colheita” também terá sua adaptação, prevista para novembro de 2026, com atores e atrizes como Maya Hawke, Ralph Fiennes, Elle Fanning e Joseph Zada. A expectativa é alta, já que a história traz à tona um personagem antes visto apenas pelas consequências do trauma.

Com “Amanhecer na Colheita”, Suzanne Collins entrega mais uma obra incrível, capaz de emocionar e impactar tanto leitores novos quanto os fãs antigos. O livro é um presente para quem acompanha a saga, pois aprofunda personagens queridos e amarra com maestria todos os acontecimentos dos cinco livros. A autora mostra, mais uma vez, sua habilidade em criar uma narrativa crítica, envolvente e necessária, que mesmo após tantos anos, segue extremamente atual.

 

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Rock gaudério e música clássica juntos

Documentário registra encontro inédito entre banda gaúcha Doidivanas e Orquestra Estudantil de Pelotas    

Por Maria Eduarda Santos    

Um encontro entre o rock gaudério e a música clássica se transformou em mais do que um concerto. Virou narrativa. Virou documento. Tendo estreado em julho, o documentário “Doidivanas e a Orquestra Estudantil de Pelotas” acompanha os bastidores e encontros que resultaram na apresentação realizada entre a banda pelotense Doidivanas, a Orquestra Estudantil de Pelotas e a Orquestra Estudantil do Areal, situada no bairro Areal de Pelotas e ligada a um projeto social de formação musical com jovens da periferia. Mais do que registrar um evento, o filme propõe refletir sobre o papel da cultura como direito e como política pública.

Para Daniel “Cuca” Moreira, integrante da Doidivanas, o principal objetivo do documentário é preservar a história de quem faz arte com comprometimento. “O documentário serve para registrar, para ter um documento que conta a história da orquestra, e neste caso com a banda Doidivanas. A função mais importante do documentário foi registrar o trabalho da orquestra em si. Mostrar que isso é feito com carinho, com importância. Com cuidado”, destaca. O documentário contou com imagens e edição de Maria Luiza Kletz e Maria Eduarda Santos, também autora desta reportagem.

 

Documentário registra a parceria da banda Doidivanas com projetos musicais comunitários de Pelotas

 

A parceria entre os músicos da banda e os jovens da orquestra transcende o palco e revela uma relação de troca entre diferentes vivências musicais. Nas cenas do longa, fica evidente que há uma conexão gerada pela escuta e pela construção coletiva — elementos que também atravessam a fala da maestrina Lys Ferreira, regente da Orquestra do Areal. Para ela, o documentário traz à tona uma reflexão sobre a responsabilidade do poder público diante da cultura.

“Quando a gente para e pensa, vemos o quão pouco oferecemos para a comunidade, como serviço público. Como é dito no documentário, isso é um direito. A cultura é um investimento, é muito importante para uma cidade como Pelotas, que serve como referência para as cidades menores. É uma coisa que dá trabalho e exige das instituições públicas, mas dá retorno. E é muito legal quando essas pessoas olham para a orquestra e se enxergam”, afirma.

Mais do que um produto audiovisual, “Doidivanas e a Orquestra Estudantil de Pelotas” se consolida como um ato político de valorização da cultura feita a partir das margens. Um filme sobre a escuta. Sobre o encontro. E sobre o registro daquilo que, tantas vezes, passa em silêncio.

Assista o documentário:

 

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Nostalgia sangrenta do slasher noventista

O novo “Eu Sei O Que Vocês Fizeram No Verão Passado” tenta retomar os filmes de terror para adolescentes dos anos 1990    

Por Manuella Centeno     

O filme “Eu Sei O Que Vocês Fizeram No Verão Passado” (2025) surge como uma tentativa de revitalizar a clássica franquia de terror adolescente dos anos 1990, especificamente os filmes originais de 1997 e a sequência de 1998. Dirigido por Jennifer Kaytin Robinson, a obra de 2025 procura dialogar com uma geração que cresceu cercada pela estética nostálgica dos anos 2000 e, ao mesmo tempo, se insere na atual onda de retorno dos slashers, um subgênero que tem sido resgatado por Hollywood com apelo tanto comercial quanto afetivo.

 

Cena do filme original de 1997, logo após o acidente, com Ray Bronson (Freddie Prinze Jr.), Julie James (Jennifer Love Hewitt), Helen Shivers (Sarah Michelle Gellar) e Barry Cox (Ryan Phillippe)       Fotos: Divulgação

 

O original de 1997, inspirado no livro de Lois Duncan, apresentava uma narrativa simples e eficaz: um grupo de jovens comete um crime acidental e é perseguido por uma figura misteriosa no verão seguinte. Carregado por ícones da época como Jennifer Love Hewitt e Sarah Michelle Gellar, o longa estabeleceu alguns dos clichês mais reconhecíveis do slasher depois do filme “Pânico” (1996): juventude culpada, assassinatos simbólicos e a tensão crescente entre segredo e sobrevivência.

Já o remake de 2025 tenta atualizar essa fórmula com novas personagens, tecnologia contemporânea e uma abordagem mais autoconsciente. No entanto, ao tentar equilibrar um enredo inédito com fan service excessivo, o filme acaba tropeçando nas próprias intenções. A primeira metade promete uma narrativa independente, centrada em novos protagonistas, mas à medida que os personagens da trilogia original retornam, a trama se rende à nostalgia. Em vez de reforçar o legado da franquia, o retorno das figuras antigas assume o protagonismo e fragiliza o desenvolvimento dos novos rostos.

 

Cena após o acidente na versão de 2025: Milo Griffin (Jonah Hauer-King), Stevie Ward (Sarah Pidgeon) Ava Brucks (Chase Sui Wonders), Danica Richards (Madelyn Cline), e Teddy Spencer (Tyriq Withers)

 

A direção busca comentar sobre a própria onda nostálgica, inclusive com falas metalinguísticas como “nostalgia é superestimada”, mas esse gesto soa vazio quando o filme se apoia justamente nesse recurso para sustentar seu terceiro ato. Além disso, a reviravolta final, embora inesperada, é mal fundamentada e enfraquece o impacto dramático construído anteriormente.

Ainda assim, o longa oferece momentos divertidos para os fãs do gênero: mortes criativas, decisões questionáveis por parte dos personagens e a clássica incompetência policial, marcas registradas dos slashers. O elenco tem química, e o tema do trauma intergeracional — desenvolvido através dos personagens antigos — poderia ter rendido mais, caso não fosse tratado de forma tão superficial.

A nova onda de slashers, impulsionada por franquias como “Pânico” (1996) e “Halloween” (1978), que também ganharam reboots e continuações recentes, mostra que há um apetite do público por esse tipo de terror sanguinolento e estilizado. No entanto, esse movimento corre o risco de se tornar repetitivo e pouco inventivo quando se apoia exclusivamente em fórmulas passadas sem ousar reinventá-las.

Em resumo, “Eu Sei O Que Vocês Fizeram No Verão Passado” (2025) é um exercício de nostalgia que diverte, mas não inova. Funciona melhor quando tenta ser algo novo do que quando insiste em homenagear o velho, justamente o oposto do que a franquia precisava para renascer com força no cenário atual do horror.

Ficha Técnica

Título original:I Know What You Did Last Summer

Duração: 1h 51min

Gênero: Terror, Suspense

Direção: Jennifer Kaytin Robinson

Roteiro: Leah McKendrick, Lois Duncan

Elenco: Jonah Hauer-King, Sarah Pidgeon, Chase Sui Wonders, Madelyn Cline, e Tyriq Withers

 

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Imagens contaram “Doces Aventuras” na Fenadoce

A desenhista Larissa Silva relatou um pouco sobre como foi participar como ilustradora da 31ª edição da Feira Nacional do Doce, que terminou dia 3 de agosto        

Por Giovana Costa e Vinicius Terra        

A 31ª edição da Feira Nacional do Doce (Fenadoce) em Pelotas se encerrou no domingo, dia 3 de agosto, mas já deixa os pelotenses com saudades de um dos maiores eventos do Rio Grande do Sul. Um dos pontos de maior destaque neste ano foi o espaço “Doces Aventuras”, que possuía o mesmo nome do tema da feira. O espaço, considerado o coração da Fenadoce, representava a arte, com os doces típicos virando árvores em ilustrações, papéis de parede customizados e janelas diferenciadas. Por meio da arte, a cultura local de Pelotas ganhou vida pelo olhar e habilidade artística de Larissa Silva, uma jovem artista de 21 anos que criou tudo isso.

 

Prédios históricos da cidade de Pelotas ganham versão ilustrada na Fenadoce

 

Larissa contou sobre como foi o processo após ser convidada pela representante do Centro de Diretores Lojistas (CDL) de Pelotas, Adriane Silveira. Como é característico desta parte do ano na cidade, ocorreu “em um mês de muita correria e criatividade”. Para a criação de personagens, houve uma semana e meia. Daí surgiram as versões personalizadas em bonecos dos doces quindim, camafeu, ninho, bem casado, papo de anjo etc. O resto do tempo foi totalmente dedicado a cada canto do espaço “Doce Aventuras”. “Tive que pensar em cada cantinho individualmente e na harmonização de como eles ficariam ao olhar o conjunto”, disse a artista, ainda que na correria. Para Larissa, o maior desafio foi a tradução da arquitetura da cidade de Pelotas em doces.

 

Bonecos e atores fazem parte do universo de personagens da Feira Nacional do Doce

 

Com muitas artes presentes no espaço, Larissa ainda diz ficar dividida entre as roupas dos personagens e na casa da baronesa, quando perguntada sobre a arte que mais gostou de criar. A casa da baronesa, feita de doces, “foi um processo mais cansativo, quase uma brincadeira de encaixar docinhos”, Larissa comenta, e ainda finaliza que “foram dias pesquisando atrás de referências da casa original por fora e por dentro, tentando capturar a essência do clássico, [mesclando] com a magia do lúdico”.

 

Larissa inventou cenários lúdicos com os doces tradicionais de Pelotas

 

A profissional criativa Larissa Silva tem 21 anos, trabalha com design desde 2019 e cursa Artes Visuais na Universidade Federal de Pelotas. Ela ainda afirma que a arte “sempre esteve ali” para ela, já que sua mãe é artista plástica e seu pai músico. “Espero cada vez mais poder influenciar as pessoas a acreditar em seus potenciais e ver o mundo com novos olhos”, finaliza.

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“Dos Sinais à Cena”

Projeto promove protagonismo da comunidade surda no teatro em Pelotas     

Por Larissa Ribeiro Duarte      

Em um cenário onde a acessibilidade cultural ainda é um desafio, o projeto Dos Sinais à Cena transforma o teatro em uma potente ferramenta de inclusão e protagonismo da comunidade surda em Pelotas. Criada por Germano Rusch, ator, professor e diretor, a iniciativa propõe uma cena feita com e por surdos, na qual a Libras (Língua Brasileira de Sinais) e a expressão corporal são os elementos centrais da criação.

A ideia nasceu em 2017, quando Germano, ainda estudante da licenciatura em Teatro na Universidade Federal de Pelotas (UFPel), decidiu sair da zona de conforto no estágio curricular. Ao optar por trabalhar com estudantes surdos do Ensino Médio na Escola Carmen Baldino, em Rio Grande, ele percebeu o quanto a arte poderia ser uma ponte entre mundos. A inspiração veio das aulas de Libras na faculdade e do desejo de atuar em um espaço no qual  a acessibilidade cultural era quase inexistente.

 

À esquerda, Germano Rusch, idealizador do projeto “Dos sinais à cena”, durante oficina     Fotos: Divulgação

 

“Eu me sentei com eles e disse: vocês me ensinam Libras do jeito de vocês e eu mostro como o teatro pode ser legal. Eles toparam”, relembra Germano. Daquela troca surgiu o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) de Germano e que mais tarde se tornaria projeto aprovado pela Incubadora de projetos de inclusão OTROPORTO, com apoio financeiro e técnico para se consolidar.

Libras, corpo e vivência coletiva

Todas as oficinas são conduzidas em Libras, mesmo quando há participantes ouvintes. Além da língua de sinais, os chamados classificadores (gestos e expressões corporais que ampliam ou substituem os sinais) são usados para dar fluidez à comunicação e estimular a criação. A linguagem teatral surge do corpo, do olhar e da vivência compartilhada.

 

Todas oficinas são conduzidas em Libras e com os gestos e expressões corporais que ampliam ou substituem os sinais

 

Germano conta que precisou adaptar a metodologia para lidar com um grupo diverso, composto por crianças, adultos e idosos, incluindo pessoas autistas, com dificuldades cognitivas ou em processo de alfabetização. O objetivo era nivelar o grupo sem tirar a leveza e o prazer de aprender. “A aula tinha que ser gostosa para eles. Tinha que ser divertida pra mim, principalmente, e muito mais para eles.”

O processo de criação é coletivo desde o início. As cenas surgem a partir das experiências reais dos participantes, principalmente relacionadas às dificuldades enfrentadas pela comunidade surda. Uma delas retratava a tentativa frustrada de assistir a um filme nacional sem legenda, o que para um público ouvinte é comum, mas para eles é determinante.

“Eles são os protagonistas da cena. Atuando, mostrando suas dificuldades ou qualidades, mas eles em cena”, destaca o diretor. A proposta do projeto é garantir que as pessoas surdas tenham propriedade para contar suas histórias, sem mediações.

Mais do que ensinar teatro, Germano conduz um processo de criação coletiva que valoriza a autonomia e as narrativas de quem sempre esteve à margem da cena.

O projeto contou com a parceria da Escola Alfredo Dub e com o apoio da Associação de Surdos de Pelotas (ASP), promovendo aulas práticas em que a linguagem teatral é usada como instrumento de expressão visual, corporal e emocional. Em vez de um intérprete isolado na lateral do palco, os próprios estudantes constroem narrativas a partir de referências pessoais e situações cotidianas.

Além da acessibilidade: apropriação e identidade

A diferença mais significativa entre o teatro convencional e o que se constrói em Dos sinais à cena está no pertencimento. Segundo Germano, muitos temas explorados no teatro tradicional não atravessam a comunidade surda. Para que o trabalho fizesse sentido, ele precisou partir das experiências do grupo, criando espaços onde cada pessoa pudesse se reconhecer. As cenas não seguem roteiros prontos, mas surgem das necessidades, emoções e vivências dos participantes.

A fluidez da expressão corporal garante que mesmo quem não domina Libras consiga compreender as cenas. “Eles são muito expressivos. A teatralidade está no corpo deles desde sempre”, comenta o diretor.

 

Atividades contam com parceria da Escola Alfredo Dub e apoio da Associação de Surdos de Pelotas (ASP)

 

O futuro do projeto

Com apoio inicial da Incubadora OTROPORTO, o projeto teve investimento para aulas, intérpretes e capacitação. Agora, Germano busca novas formas de financiamento para dar continuidade às oficinas e, quem sabe, levar as cenas ao palco para públicos diversos, com acessibilidade para ouvintes e surdos.

Apesar da relevância e do impacto do projeto, a falta de apoio financeiro é um obstáculo constante. A parceria com a incubadora foi o empurrão necessário para transformar uma ideia em prática.

Agora, o futuro do Dos Sinais à Cena depende do interesse e do investimento coletivo em uma arte feita para todos e com todos.

Trabalhar com arte inclusiva, para Germano, é mais do que ensinar: é aprender. “O mais transformador é ver eles se reconhecendo em cena, mostrando suas dores e conquistas. É teatro de verdade, com propósito e com alma.”

Para acompanhar mais sobre o projeto, siga @dossinaisacena_projeto no Instagram.

Assista ao vídeo com o depoimento de Germano Rusch sobre a iniciativa:

 

 

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