O Brasil é um dos países com o maior número de pessoas idosas, tendo atualmente, cerca de 28 milhões de idosas, idosos e idoses. Estima-se que esse número vá duplicar nas próximas décadas, criando uma necessidade de construir novos olhares sobre esse assunto.

Nesse cenário, a figura dessas pessoas está associada a diversos estigmas, como seu modo de ser e de viver. Quando consideramos os sujeitos que destoam da narrativa heterossexual, que é colocada socialmente como um padrão a ser seguido, o envelhecimento tende a ser ainda mais limitado pelas barreiras do preconceito. É possível, da mesma forma, ver ainda mais disso quando se trata de sexualidade, excluindo a “pessoa velha” da estética, dos desejos e das práticas sexoafetivas.

Há, portanto, uma dupla estigmatização: a velhice, de fato — e preconceitos etaristas — e a LGBTfobia — diversidade de sexo e gênero e a discriminação que a sociedade faz com as pessoas LGBTI+; ou seja, acabam por sofrer mais que os mais jovens.

Para a maioria dos 60+, o reconhecimento de seus direitos só chegou na década de 1970, quando, aos poucos, os paradigmas foram mudando. Além disso, muitos viveram na época da Ditadura Militar, e assim, conviveram com o surgimento da AIDS nos anos 80, associada aos gays de fora preconceituosa e sem fundamento científico, colocando essas pessoas numa situação maior de negligência e exclusão, coagindo muitos homens gays a viver sua sexualidade em segredo, distante dos olhos da sociedade.

Não se fala muito sobre a vida sexual de pessoas idosas — principalmente quando são LGBTI+ —, mas independente disso, o desejo sexual existe e continua existindo no envelhecimento. A ideia de que as pessoas mais velhas perdem a libido e têm limitações fisiológicas e sexuais não passa de tabu. O que ocorre é uma readequação corporal, alteração comum e estrutural do ser humano, com o corpo se modificando principalmente de acordo com o estilo de vida e o acesso das condições de subsistência ao longo do tempo.

Ou seja, a sexualidade das pessoas idosas acaba sendo reprimida por conta dos tabus, discriminação e estereótipos construídos pela sociedade e que colocam a velhice num lugar de finitude, de desilusão com a vida; tornando o cotidiano de idosas, idosos e idoses ainda mais solitário e acarretando a perda do direito de desejar e de se relacionar.

Ao abordar a sexualidade de mulheres lésbicas idosas, pela negligência e desconsideração das necessidades específicas de gênero, existe uma dificuldade ainda maior: essas mulheres não lidam só com o etarismo e a LGBTfobia, mas também com o machismo e a misoginia; que, por exemplo, intensificam a invisibilidade e a violência na família e nos serviços de saúde.

O medo da hostilidade pelos serviços públicos provoca uma aversão e “não busca” pelos profissionais adequados. Essa falta de confiança pode agravar problemas de saúde físicos e emocionais, como o não acesso a exames preventivos — sem falar do despreparo de profissionais da ginecologia para abordar as especificidades das mulheres lésbicas.

A discriminação e estigmatização de idosas, idosos e idoses LGBTI+ os coloca em um lugar de apagamento dos afetos, transformando sua identidade e singularidade em mera condição estatística. As ausências normalmente comuns na velhice, como solidão e abandono, ganham novos tons e não despertam a devida preocupação da sociedade.

As atitudes das pessoas idosas LGBTI+ frente às questões de preconceito dizem muito da maneira com que elas experienciaram a sua juventude e isso pode ter relação com o grande número de casais de homossexuais que ainda vivem a relação em segredo. Dependendo da reação da família, idosas, idosos e idoses se veem forçades a “voltar pro armário”, mesmo que isso signifique um retrocesso e desrespeite a sua singularidade. Essa falta de suporte e apoio se configura como um dos maiores problemas no processo de envelhecimento dessas pessoas.

Cultural e socialmente, as pessoas velhas LGBTI+ são duplamente apagados; o que implica num modo de vida solitário, sendo agravado pela invisibilidade e retirada do seu direito de pensar, sentir e vivenciar a sua sexualidade. Isso se mostra ao analisarmos os índices de depressão e outros transtornos que têm sido significativamente maiores na população LGBTI+ idosa.

O Brasil atualmente se configura como um lugar propagador de preconceitos e neutralizador das vivências das pessoas idosas no geral. Torna-se, portanto, necessário construir espaços de acolhimento não-discriminatórios para promover a escuta e ressignificação, potencializando a vivência mais livre de todos os âmbitos da vida humana na velhice, incluindo a sexualidade, e assegurando a plenitude dos direitos humanos, civis e existenciais na velhice.

INDICAÇÃO DE LEITURA

O brilho das velhices LGBT+, com depoimentos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, transgêneros e pansexuais entre 47 e 72 anos. Sobre esse grupo, pesam diversas camadas de estigmas: além do etarismo ou idadismo, também o preconceito contra sua orientação sexual. O livro retrata o enfrentamento desse duplo preconceito: contra o envelhecimento e a orientação sexual.

✍️ Esse texto é uma construção conjunta de Patrick Gomes e Etiane Pons
🗃️ Referências:
REBELLATA, C.; GOMES, M.; CRENITTE, M. Introdução as velhices LGBTI+. 1º ed. Rio de Janeiro 2021