Práticas parentais e distanciamento social no Brasil
Resumo
Contextualização: As práticas parentais são socialmente determinadas e permeadas por um conjunto complexo de crenças, valores, comportamentos relacionados aos cuidados entre adultos e crianças. Inicialmente o modelo unidirecional compreendia que o adulto assumiria o papel de estimular e ensinar padrões de comportamento, valores e atitudes às crianças com vistas a socialização. Atualmente as práticas parentais são entendidas por uma perspectiva bidirecional, isto é, existe uma influência mútua entre adultos e crianças. Além disso, as práticas parentais precisam ser adaptadas ao padrão / estágio de desenvolvimento infantil. De maneira geral, quanto menor a idade da criança, maior a necessidade de atenção e cuidado pelos pais (Bigner and Gerhardt 2019).
No atual contexto de pandemia COVID-19, medidas de distanciamento social são necessárias em diferentes países do mundo. Neste cenário, a rotina de atividades escolares e complementares, bem como o trabalho dos pais foram drasticamente alterados. Com maior tempo em casa, maior a chance de situações estressantes durante este período (Cluver, Lachman et al. 2020). Existem evidências de que o afastamento da escola em períodos não letivos, por exemplo, está associado a maior ocorrência de efeitos adversos na vida das crianças, incluindo maior tempo de tela, menor frequência de atividades física, alterações no padrão de sono, entre outras (Wang, Zhang et al. 2020).
Objetivo geral: avaliar o perfil sociodemográfico de famílias com filhos menores de 18 anos e sua associação com as práticas e estresse parental, saúde mental dos pais e dos filhos e a ocorrência de episódios de violência familiar.
Metodologia: Trata-se de um estudo transversal, com amostragem por conveniência, por meio de questionário eletrônico online e anônimo. Os participantes tinham idade superior ou igual a 18 anos e com filhos menores de 18 anos que residiam em qualquer cidade/estado do território nacional. A divulgação do estudo foi realizada em redes sociais, sites institucionais de Universidades brasileiras, rádio, televisão, e e-mail, visando alcançar também a comunidade acadêmica. A coleta de dados foi realizada entre junho e outubro de 2020. Com o propósito de cumprir os aspectos éticos o questionário apresenta o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), assegurando a privacidade e sigilo das informações de todos os participantes. A aplicação do questionário eletrônico foi realizada online por meio da plataforma RedCap (C).
Instrumentos utilizados
Questionário geral: coletará informações sobre as características sociodemográficas, econômicas, comportamentais e de saúde geral dos participantes;
Questionário sobre a saúde do paciente (PHQ-9): avalia os sintomas depressivos referentes às últimas duas semanas de acordo com os critérios internacionalmente aceitos (DSM e CID); A prevalência de depressão será avaliada utilizando o ponto de corte ≥9 de acordo com o estudo de validação do instrumento no Brasil (Santos, Tavares et al. 2013). Também será utilizada como um escore para comparação das médias (DP) entre grupos das variáveis independentes.
Escala de ansiedade generalizada (GAD-7): avalia os sintomas de ansiedade. A prevalência de ansiedade generalizada será avaliada utilizando o ponto de corte ≥8 de acordo com o estudo de validação do instrumento no Brasil (Moreno, DeSousa et al. 2016, Bártolo, Monteiro et al. 2017). Também será utilizada como um escore para comparação das médias (DP) entre grupos das variáveis independentes.
Parenting Stress Index-Short Form (PSI-SF): O instrumento é composto por 10 itens, sendo seis positivos e quatro negativos, respondidos em uma escala tipo Likert de frequência, variando de Nunca (0) à Sempre (4). Será utilizada como um escore para comparação das médias (DP) entre grupos das variáveis independentes (Barroso, Hungerford et al. 2016).
Parenting and family adjustment scales (PAFAS): avalia as práticas parentais, qualidade do relacionamento entre pais e filhos, ajuste emocional dos pais e apoio do parceiro e da família nos pais. O PAFAS original de 40 itens consiste em uma Escala de Paternidade de 28 itens, que abrange dois domínios [práticas parentais (17 itens) e relacionamento pai-filho (11 itens)] e uma escala de Ajuste de Família de 12 itens, que abrange três domínios, incluindo desajuste emocional dos pais (5 itens), relações familiares (4 itens) e trabalho em equipe dos pais (3 itens). Há uma versão reduzida de 30 itens do PAFAS proposta por Sanders et al. (2014), que exclui 10 itens das escalas de relacionamento entre pais e filhos. A versão reduzida inclui 18 itens na Escala dos Pais: consistência dos pais (5 itens), pais coercitivos (5 itens), incentivo positivo (3 itens) e relacionamento pai-filho (5 itens). Para ambas as versões, cada item é classificado em uma escala de 4 pontos, que não é verdadeira para mim (0) e verdadeira para mim (3). Será utilizada como um escore para comparação das médias (DP) entre grupos das variáveis independentes (Santana 2018).
Violência contra criança: 5 questões avaliaram a ocorrência de situações de violência durante o período de doze meses anteriores a participação no estudo (presenciar alguma situação de violência física, violência verbal, agressão física, agressão emocional e agressão sexual). Em cada uma das questões, havia uma pergunta que avaliou a percepção relacionada a influência da pandemia na ocorrência das situações de violência contra a criança relatadas (situação permanecer igual, piorar ou melhorar)
Violência contra a mulher: Foi utilizado o questionário da OMS sobre Violência contra a Mulher (VAW) que avalia vitimização por violência emocional, física, sexual e controle do comportamento perpetrado por parceiros íntimos contra mulheres. A Escala VAW de 13 itens avalia três domínios da violência praticada pelo parceiro: emocional (4 itens), físico (6 itens), sexual (3 itens). Aplicamos essas questões em Pelotas e adicionamos um item sobre controle do comportamento aplicado em conjunto com a medida da OMS no estudo de 2017 dos Estudantes Universitários de Pelotas (de Inaê Dutra). Cada um dos 14 itens finais é classificado como “sim” ou “não”.
Strengths and Difficulties Questionnaire (SDQ): instrumento de rastreamento de problemas de saúde mental aplicado aos pais ou cuidadores. O SDQ é composto de 25 itens, que compõem 5 subescalas. Quatro delas avaliam condutas problemáticas como: Sintomas emocionais, Problemas de conduta, Hiperatividade/problemas de atenção e Problemas com colegas. A quinta subescala faz referência a comportamentos positivos, definida como conduta pró-social. Os pontos de corte estabelecidos para a população brasileira foram utilizados para categorizar a escala geral de dificuldades e as subescalas da seguinte forma: ≥17 escore total de dificuldades, ≥5 para escore de problemas emocionais, ≥4 para escore de problemas de conduta, ≥7 para desatenção / escore de hiperatividade, ≥4 para o escore de problemas entre pares e ≤ 4 para o escore pró-social (Fleitlich, Cortázar et al. 2000).
Referências
Barroso, N. E., G. M. Hungerford, D. Garcia, P. A. Graziano and D. M. Bagner (2016). “Psychometric properties of the Parenting Stress Index-Short Form (PSI-SF) in a high-risk sample of mothers and their infants.” Psychol Assess 28(10): 1331-1335.
Bártolo, A., S. Monteiro and A. Pereira (2017). “Factor structure and construct validity of the Generalized Anxiety Disorder 7-item (GAD-7) among Portuguese college students.” Cadernos de Saúde Pública 33.
Bigner, J. J. and C. Gerhardt (2019). Parent-child relations : an introduction to parenting. Ny, Ny, Pearson.
Cluver, L., J. M. Lachman, L. Sherr, I. Wessels, E. Krug, S. Rakotomalala, S. Blight, S. Hillis, G. Bachman, O. Green, A. Butchart, M. Tomlinson, C. L. Ward, J. Doubt and K. McDonald (2020). “Parenting in a time of COVID-19.” Lancet 395(10231): e64.
Deater-Deckard, K. D. and R. Panneton (2017). Parental stress and early child development, Springer.
Fleitlich, B., P. G. Cortázar and R. Goodman (2000). “Questionário de capacidades e dificuldades (SDQ).” Infanto rev. neuropsiquiatr. infanc. adolesc 8(1): 44-50.
Moreno, A. L., D. A. DeSousa, A. M. F. L. P. d. Souza, G. G. Manfro, G. A. Salum, S. H. Koller, F. d. L. Osório and J. A. d. S. Crippa (2016). “Factor structure, reliability, and item parameters of the brazilian-portuguese version of the GAD-7 questionnaire.” Temas em Psicologia 24: 367-376.
Santana, L. R. (2018). Adaptação Transcultural e Validação da Parenting and Family Adjustment Scales (PAFAS). Master, Universidade Federal da Grande Dourados.
Santos, I. S., B. F. Tavares, T. N. Munhoz, L. S. P. d. Almeida, N. T. B. d. Silva, B. D. Tams, A. M. Patella and A. Matijasevich (2013). “Sensibilidade e especificidade do Patient Health Questionnaire-9 (PHQ-9) entre adultos da população geral.” Cadernos de Saúde Pública 29: 1533-1543.
Wang, G., Y. Zhang, J. Zhao, J. Zhang and F. Jiang (2020). “Mitigate the effects of home confinement on children during the COVID-19 outbreak.” Lancet 395(10228): 945-947