Trapaceado por “Trapaça”
Diretor tenta criar filme clássico sem possuir o discurso necessário e faz obra vazia e histriônica
Realizar um filme cult não é algo para ser planejado. Os filmes se tornam cults, ou clássicos, por qualidades inerentes que possuem, utilizadas com a ideia de contribuírem como linguagem a aquilo que o filme se propõe. A maioria desses filmes, inclusive, foi reconhecida através do tempo, ao envelhecerem muito melhor do que se poderia imaginar nos seus lançamentos. Quando a equipe de uma obra entra no set de filmagens com a ideia fixa de criar um filme cult, a tendência é que o resultado seja catastrófico, como bem ilustra “Trapaça”.
A história do casal de trapaceiros Irving e Sidney, que são descobertos pelo policial Richie, sendo obrigados a colaborar com as autoridades na caça a políticos corruptos, embora não seja propriamente o que se pode chamar de original, era extremamente promissora. Acrescente o fato do diretor ser o realizador de filmes distintos, como o O vencedor (2010), e de estar cercado de atores talentosos como o eterno Batman Christian Bale e a vencedora do Oscar Jennifer Lawrence, e o sucesso parecia ser garantido. Porém, os virtuosismos técnicos, e uma necessidade constante em fazer um grande clássico, maior que a necessidade de narrar uma boa história, são a ruína deste filme, um dos mais vazios, sem alma e coração, do ano de 2013.
O diretor, David O. Russell procura, principalmente no cinema de Martin Scorcese as referências imagéticas para narrar a história dos trapaceiros. O problema é que o filme não possui discurso para isso, e as referências emuladas se transformam apenas em cópia barata e mal feita, repleta de momentos constrangedores.
Quando “Trapaça” começa, existem sinais de que a história tem potencial, mas não demora muito para que uma confusa narrativa em off tire o filme dos eixos e o coloque em uma ladeira. Dali em diante, o filme só irá piorar. É bem verdade que há um momento em que um fio de esperança aparece, quando um jogo interessante entre Irving e Richie, que disputam a atenção de Sidney, se forma. O roteiro, no entanto, completamente falho em texto e estrutura, logo se encarrega de acabar com esta luz no fim do túnel, fazendo com que tudo se perca novamente em um emaranhado de cafonice, personagens rasos e histriônicos e atuações fora de tom de um elenco mal escalado.
Jennifer Lawrence, após uma atuação irretocável em O lado bom da vida, se entrega a todos os clichês e maneirismos que uma personagem como Rosalyn poderia cair, concebendo uma interpretação quase amadora. Enquanto isso, Christian bale tem um personagem que exige apenas uma imensa barriga, que o cineasta, aliás, faz sempre questão de mostrar, como se desse um recado para a plateia, e quem sabe aos críticos e votantes de prêmios, observarem como o ator é desapegado e imerso em seus personagens.
Além disso, o filme também peca por querer, a todo custo, transportar o expectador para uma atmosfera setentista, e termina por utilizar as músicas da década de 1970 sem qualquer critério e em momentos equivocados. A obra chega ao fundo do poço quando coloca Jennifer Lawrence cantando e dançando Live and let die, música de Paul McCartney composta para um dos filmes de James Bond, enquanto faz faxina pela casa.
Quando termina, mais ou menos no mesmo vazio em que começou, a sensação é a de que fomos trapaceados pela “Trapaça”, que teve a pretensão como o grande mal que atingiu a todos os envolvidos na produção, que tentaram ser muito maiores do que o material que realmente tinham em mãos. Ao invés de ser cult, ou de ser clássico, o que irá ficar na memória dos cinéfilos é que, em 2013, nasceu um filme desnecessário. Ou, o que é pior, nem mesmo irá ficar na memória.