Todos precisam ter boas maneiras?

O romance de Englantine nos traz amor com uma visão social levemente açucarada

“Boas Maneiras” é mais um dos sucessos de Englantine. Foto: Reprodução

Por Maria Clara Morais Sousa / Em Pauta

“Boas Maneiras” é mais uma obra de Englatine pela qual me apaixonei. Ária Campos, uma menina de classe média baixa, vê sua vida virar de cabeça para baixo quando a filha do prefeito, Clarissa de La Plume, compartilha um vídeo dela apresentando uma música de sua artista favorita, Liz Salles.

Assim que é convidada para a casa da família mais importante da cidade, Ária descobre a verdade: o vídeo foi compartilhado em um jogo de “Verdade ou desafio” num momento de bebedeira da herdeira La Plume. Ali, a menina – que sonhou desde pequena ser artista – decide que odeia Clarissa, começando assim uma história de amor e ódio cheia de tensão sexual e reviravoltas.

Dizer que a obra foi bem planejada é muito pouco para essa narrativa, sinceramente minha parte favorita do plot é a banda formada por filhas de políticos de São Paulo – Majuri, Clarissa, Rafaela e Diana formam a “Era de Heras” secretamente para alimentar seu amor pela música.

Logotipo da banda ficcional “Era de Heras”. Foto: Instagram/Reprodução

Toda a questão social também foi muito pensada, os pais de Ária perderam quase tudo numa chuva e mal se recuperaram, assim ela largou a faculdade para ajudar eles no seu bar – o Clube 184. Sua irmã, Lilian, continuou estudando Economia como forma de tentar ascensão social.

Os personagens são cativantes, Vinícius – o irmão de Clarissa e futuro melhor amigo de Ária – ganha pouco destaque mas é o bastante para que brilhe com sua personalidade brincalhona e piadas tão ruins que tornam-se boas. Mesmo frustrado romanticamente e com poucos amigos de verdade, Vini continua com um sorriso no rosto, sempre oferecendo um ombro amigo e vestido novo para Ária.

Natália é uma personagem que eu esperava ter mais profundidade. A mãe de Clarissa é casada com um prefeito que mal lhe dá atenção, gerencia uma empresa enorme de cosméticos e ainda precisa fazer uma parceria com a protagonista para tentar se aproximar da filha. No final, podemos ver uma mulher evoluída que realmente tenta – da forma certa – ser uma boa mãe, mas gostaria de ter visto mais dela sozinha ou sua relação com o marido fora das suas conversas quase semanais com Ária.

Lilian já é o contrário. Ela recebe tanta profundidade que me faz questionar porque a odiei em boa parte da narrativa. Aqui a autora traz questões sociais de duas escolhas feitas pelas irmãs: Ária abdicou de sua vida para ajudar os pais – mesmo eles não pedindo – enquanto Lilian continuou tentando seguir sua vida – mesmo que tudo tenha mudado. No final eu me peguei pensando: Ela era realmente uma pessoa ruim ou só era alguém real? É justo pedir que ela tivesse abdicado de uma possível ascensão social (pela faculdade) para continuar no mesmo ciclo de pagar as contas com um dinheiro contado como seus pais?

Englantine posa ao lado de seu novo romance. Foto: Instagram/Reprodução

A questão social é parte fundamental de “Boas maneiras”. O próprio sobrenome da família La Plume é de origem francesa e nos faz pensar do orgulho que o brasileiro força por ter descendência europeia – principalmente aqui no Sul. Na realidade, Clarissa conta que eles mal têm descendência francesa, sua avó roubou o sobrenome quando foi à França pois achou chique. Sendo assim, o que eles realmente sabem sobre suas raízes europeias? O quanto de dor e colonização não ocorreu para eles se orgulharem hoje de um sobrenome que não muda em nada o caráter deles.

Caráter é outro questionamento que Englantine faz. O prefeito representa muito bem políticos que pouco se importam com a população e se escondem atrás de uma linda mansão com piscina e esposa troféu. Após as enchentes, Ária e sua família fazem mais para movimentar doações do que o próprio prefeito, que – inclusive – falta reuniões para debater propostas e ações precavidas para as chuvas. As notícias da chuva – que aparecem entre o enredo – aumentam a tensão, queremos saber quando tudo vai desmoronar, como é que ele vai fazer para ajudar a cidade. 

Outro ponto importante são as dinâmicas familiares completamente opostas, enquanto os pais de Ária a chamam de Superestrela e a apoiam sempre, os de Clarissa esquecem seu aniversário e vivem uma vida de aparências. Mesmo com a relação complexa de Lilian e Ária, ela ainda é cheia de amor – embora complicada. Vini e Clarissa também se amam, mas a união deles só é vista no particular, no público existem poucas interações, Clarissa é reservada para não ter que mostrar sua face real e imperfeita.

As protagonistas Ária e Clarissa. Foto: Instagram/Reprodução

Não se engane, “Boas Maneiras” ainda é um romance açucarado com finais felizes improváveis. Mesmo com uma boa escrita e bom planejamento, é impossível fugir do mundo de “conto de fadas”, afinal todos queremos um final feliz – mesmo para muitos não sendo real. Não critico Englantine por não mostrar as mortes que enchentes trazem ou a violência em bairros periféricos. Não acho que Ária deveria ter abandonado sua vida, mas também não acho que Lilian fez a melhor escolha. No final, a obra traz questões que nunca irei vivenciar, mas que preciso saber sobre de uma forma leve. Uma leitura perfeita para quem quer ver a realidade sem sair tanto dela.

Fora a revolução que é ver duas mulheres se amando em páginas de um livro nacional escrito por uma mulher negra. “Boas Maneiras” nos mostra como se comportar socialmente é difícil para todos, pois cada um tem suas questões seja com família, sexualidade, sua própria mente, seus sonhos, o mundo. Seja você Clarissa, Ária, Majuri, Vinícius, Lilian ou até os La Plume, cada um possui suas batalhas, sejam elas agravadas por estruturas sociais ou não. 

Às vezes, um pouco de açúcar faz bem, quando vem com uma boa dose de realidade. Se é isso que você procura, fique a vontade para checar essa obra. “Boas Maneiras” se tornou um dos meus favoritos na estante, Englantine acertou em cheio. 

 

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