Silêncio e Fúria em Hiroshima: 70 anos depois

 

O horror produzido pelas bombas atômicas foi visto de forma inédita pelos olhos de John Hersey

por Vinicius Colares

No dia 5 de agosto de 1945, precisamente às oito e quinze da noite, horário de Brasília, a Srta. Vera Pereira, empregada doméstica na cidade de Porto Alegre, acabava de sentar-se a mesa, na casa onde trabalhava. Do outro lado do planeta, uma espécie de clarão – silencioso, para a grande maioria – mudava a história da sociedade oriental e ocidental. Dia 6 de agosto de 1945, oito e quinze da manhã, horário do Japão. Foi quando a bomba atômica explodiu sobre Hiroshima.

Existem milhares de histórias parecidas com essa. Nem todas foram bem contadas. Esse é um plágio adaptado, porém, evidente do início de uma das maiores obras da história do jornalismo. Um ano após a tragédia de Hiroshima, John Hersey escreveu – para a revista New Yorker – a matéria que é considerada ainda hoje um dos melhores trabalhos jornalísticos de todos os tempos.

O horror tomou conta de Hiroshima há 70 anos (imagem AP Photo/Stanley Troutman)

O horror tomou conta de Hiroshima há 70 anos (imagem: AP Photo/Stanley Troutman)

A obra “Hiroshima” de Hersey

Lançado inicialmente em uma edição exclusiva da New Yorker, “Hiroshima” foi impresso em 1946 e contou a história de seis sobreviventes das bombas atômicas lançadas sobre Hiroshima e, também, Nagasaki – três dias depois da primeira, no dia 9 de agosto de 1945. John Hersey foi até o Japão e trouxe de lá uma narrativa revolucionária no campo jornalístico. Através do texto de Hersey, os norte-americanos passaram a lidar com a verdadeira dimensão do que aconteceu do outro lado do mundo. Conseguiram entender que a tragédia no Japão tinha nome. Aliás, tinha nomes. E eram muitos.

Foram cerca de 140.000 cidadãos de Hiroshima mortos graças à bomba atômica. Eram homens, mulheres e crianças e John Hersey teve um importante papel na compreensão real do que aconteceu. O jornalista trouxe para o lado de cá relatos assustadoramente precisos. Fugindo da simples transcrição de emoções e do excesso de dramaticidade, Hersey deu voz aos sobreviventes de um dos maiores horrores da História Moderna.

Um capítulo inesquecível

John Hersey complementou o livro com um capítulo extra quando voltou ao Japão, 40 anos após a tragédia de 1945. Procurou os personagens reais que havia entrevistado na construção do livro e fecha a edição mais recente da obra mostrando como estão os sobreviventes.

Hoje, portanto, completam 70 anos do primeiro grande ataque atômico da história. O deslocamento geográfico e histórico pode fazer com que um número grande de jovens – e adultos – ainda não entenda as proporções das bombas atômicas. “Hiroshima” é um livro que cumpriu seu papel um ano após esse horror e mostra sua força ainda hoje. Uma das maiores obras da história do jornalismo literário traz a concisão para além de um texto raso e emociona sem sensacionalismo: o horror da situação se evidencia com os fatos.

Com os relatos que Hersey trouxe, todos passamos a ser “hibakushas”, sobreviventes. O som e a fúria shakespearianos deixam de existir. A história, na data de hoje, é contado através do silêncio. A fúria não deve ser repetida.

 

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