O agronegócio está nos matando e precisamos fazer algo sobre isso
Por: Maria Clara Morais Sousa / Em Pauta
O agronegócio, mesmo nocivo para o planeta, é um dos pilares essenciais na economia brasileira e na dieta da população. Quando o aumento da carne impacta a sociedade e as informações dos males causados por essa indústria chegam a mídia não seria necessário repensar o consumo de carne e derivados de animais? A reportagem do Em Pauta mergulhou fundo nesta polêmica.
A alta no preço da carne
“Tá tudo muito caro gente!” relata uma mulher na feira de sábado de manhã de Pelotas. Os outros clientes e os vendedores concordam com a cabeça. A crise atingiu a todos. Em meio a uma pandemia mal administrada e uma crise fiscal o Brasil enfrenta uma das piores momentos da história e, embora o Rio Grande do Sul tenha uma das menores taxas de desemprego do país – 8% segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – Contínua (PNAD-C) – ele ainda possui a cesta básica mais cara do Brasil (R$ 656,92).
O alimento mais caro dessa cesta básica é o mais conhecido pelo gaúcho: a carne. Segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), a carne bovina aumentou em 35,21% de agosto do ano passado até agosto desse ano devido ao aumento da exportação, alta no preço das commodities, crise fiscal, crise política e número menor de animais para abate. O Núcleo de Estudos em Sistemas de Produção de Bovinos de Corte e Cadeia Produtiva da UFRGS relatou que a China vinha aumentando em até 6,9% a importação de carne brasileira de 2020 até 2021. Porém, em 4 de setembro, os chineses pararam de importar carne do Brasil, por conta de dois casos da doença da vaca louca. No caso da carne gaúcha, a China importou 58,7% de toda a exportação do Estado sendo o maior comprador do produto do Rio Grande do Sul.
Com a alta dos preços das commodities (mercadoria) é difícil para o produtor comprar os insumos necessários como o adubo e a ração feita a base de soja para alimentar o gado e, além disso, arcar com todo o transporte sem repasses esse preço para o consumidor. Eder Luis Celestino Scheunemann, vice-presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR) de Pelotas, afirma que “para o nosso produtor o custo mais que dobrou, o próprio óleo diesel que é uma coisa que movimenta o país, desde o frete, desde o trator, o custo total mais que dobrou de preço né”.
Brasil, um país em apuros
Marcelo Oliveira de Passos, economista e professor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), tem uma explicação para o aumento do preço dos alimentos. Segundo ele, várias commodities que o Brasil produz estão sendo muito exportadas. “Então, o produtor tem que produzir mais, tem que gastar mais com fertilizante e não tem ali condição de expandir sua produção rapidamente. Então isso aumenta preços também. Ele tem que repassar esse aumento do preço dos fertilizantes para o seu produto final então tem essa pressão sobre os preços, inflação de custos. O outro fator são combustíveis. O preço do petróleo subiu também, o dólar subiu também. Isso também impacta diretamente nos preços de vários produtos.
Passos afirma que a crise fiscal atual começou em 2019 com as isenções fiscais do governo Dilma: “eles motivaram uma série de isenções fiscais, isenções tributárias e aumentaram a despesa pública então o governo perdeu receita e aumentou despesa e gerou déficits que aumentaram muito a dívida bruta e os juros tiveram que aumentar também e, assim, os investimentos caíram” explica o economista.
Para o professor da UFPEL, a crise atual também se relaciona com a inflação de oferta. Esta ocorre quando o equilíbrio entre oferta e procura se desestabiliza. E isso ocorreu devido a pandemia, o que forçou algumas empresas a pararem sua produção e outras dobrarem a produção. Dessa forma enquanto algumas empresas estão com estoques acumulados outras não estão conseguindo produzir o bastante para a população, o que gera um aumento do preço dos produtos. Outro fator que influencia a situação econômica é a situação política, a atitude negacionista e a mal administração do Ministro da Economia Paulo Guedes que gerou efeitos diretos na desvalorização do real e, consequentemente, na inflação e aumento do preço dos alimentos, “Instabilidade política gera desconfiança a desconfiança gera menos investimento, menos ingresso de recurso do exterior e aí o câmbio fica depreciado” afirma Marcelo.
Com o preço alto da carne foi necessário para parte da população trocar carne de boi por frango. Jonatan Soares Moreira, estudante do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), relata que “substituir a carne por ovo e frango é uma boa opção, porém a economia não é tão perceptível”. Mesmo que algumas ainda tiveram o privilégio de continuar comendo como antes e gastar mais enquanto as classes mais pobres batalham para pagar conta de luz, internet, energia, gás e alimentação com 400 reais do auxílio emergencial do governo.
Atualmente, os dados da Data Folha (agosto de 2021) apontam que 67% dos brasileiros diminuíram ou cortaram seu consumo de carne bovino. Como é possível explicar que o maior rebanho de gado bovino do mundo não seja capaz de alimentar sua própria população? Excluindo questões econômicas também é possível e essencial pensar em como o agronegócio funciona e trabalha numa questão ambiental e social.
Escute abaixo áudio com a entrevista do economista Marcelo Oliveira de Passos
O agronegócio, lucrando em nos matar
No segundo trimestre desse ano o agronegócio representava 22% dos empregos formais do Rio Grande do Sul e em 2020 ele era responsável por 26,5% do PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro. Sua importância é inegável porém seus efeitos para o meio ambiente também são importantes de analisar.
(Infográficos: Maria Clara Morais Sousa/ Em Pauta)
Existem muitas pesquisas que apontam as consequências ambientais do agronegócio e o modelo extrativista – agravamento do aquecimento global, desmatamento, gasto abrupto de água e todo o desequilíbrio ambiental de só extrair da natureza são exemplos. Quando se trata das questões sociais é preciso analisar como a expansão do agronegócio na Amazônia legal está causando mortes por conflitos agrários – principalmente de comunidades indígenas – queimadas não estão matando só animais e plantas, também matam seres humanos.
Dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT) apontam que ano passado 914 mil pessoas morreram em conflitos agrários em áreas maiores a 77 milhões hectares, sendo 41,6% dessas pessoas eram indígenas e 34,87% dos agressores eram “fazendeiros”. É cruel e injusto pensar 80% das crianças famintas vivem em países onde alimentos são administrados aos animais e que boa parte da produção de soja e milho do mundo vão para alimentar animais de consumo humano ao invés de ir direto para a própria população evitando todos os danos e crueldades do agronegócio.
Agricultura familiar, uma forma sustentável de consumir
Para o representante do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Pelotas (STR), Éder Scheumann, a participação da agricultura familiar é quem tem o papel de alimentar a sociedade brasileira. Confira no vídeo abaixo a fala de Éder:
As feiras-livres são os locais onde muitas pessoas tem a oportunidade de pagar um pouco menos e se alimentar bem. Lais Regina de Castro, dona de casa de 32 anos, diz que seu modo de economizar é “tentar pegar os dias de feira”. Já o servidor público Franco Kuhn tenta “escolher dias de promoção né, o dia da feira que tem um preço menor”.
Não é possível apontar para onde ou como é produzido os alimentos desses produtores, porém pode-se afirmar que a agricultura familiar é caracterizada por pequenos proprietários rurais em terra médias ou pequenas utilizando uma mão de obra familiar e, normalmente, não fazem a monocultura – plantação de apenas um grão, como soja ou milho, que costuma prejudicar o solo.
E mesmo com práticas mais sustentáveis o agricultor familiar também sente o aumento do preço devido a inflação e a situação do agronegócio. Oseias Wickboldt, vendedor na feira-livre de Pelotas, conta que “A gente tem que produzir mais para ganhar aquilo que ganhava uns dois, três anos atrás” e relata perda de clientes, especialmente pela pandemia. Ele menciona que o preço do óleo diesel afetou muito seu trabalho. “O produtor não está ganhando dinheiro, o produto sobe mas o custo dele está tão alto que acaba morrendo no caminho ali” afirma Eder Scheumann.
A expansão de não comer carne
Outra opção para a população sem dinheiro tem sido parar de comer carne. Já seriam 75% da população gaúcha optou por não consumir estes produtos, segundo dados da Data Folha, em pesquisa publicada no jornal Folha de SP, em agosto de 2021. Porém, o simples corte pode trazer problemas de saúde. Assim, ainda há a necessidade de substituir e balancear a dieta para conter todos os nutrientes necessário – o que acaba não sendo feito por falta de conhecimento de grande parte das classes com menos poder aquisitivo.E, é ai que surgem as novidades e modos distintos de se alimentar. Um dos mais falados é o veganismo e o vegetarianismo.
Ainda há uma visão muito deturpada do que é o veganismo e o vegetarianismo, os termos são confundidos, muitos acreditam ser um consumo caro e as opiniões divergem entre ser algo super saudável ou, até, nada saudável.
O veganismo surgiu como terminologia em 1944, na Inglaterra, criado por Ivan Di Simoni. Atualmente, segundo dados do IBOPE em pesquisa realizada a pedido da Sociedade Vegetariana Brasileira, de 2017 a 2018, existem 5 a 7 milhões veganos no Brasil. A definição pela Vegan Society de veganismo é: “modo de viver que busca excluir na medida do possível e praticável todas as formas de exploração e crueldade animal incluindo vestuário, alimentação, cosméticos, entre outros”. Por se tratar de uma movimento político – não sendo completamente ligado apenas a alimentação – existem várias vertentes do veganismo.
Segundo a pesquisa IBOPE, a indústria alimentícia vegana cresceu 20% chegando a 33 milhões de dólares no mundo. Zelinda Lima, uma das donas do restaurante Picanhas Grill Veg de Porto Alegre, comenta “Eu acho que o mercado de comidas veganas tem crescido ao longo do tempo e tem crescido bastante e vai crescer mais. A demanda está crescendo as pessoas tão se adequando a essa nova alimentação”.
O que mais motiva as pessoas a virarem vegetarianas e/ou veganas é a questão ambiental As alegações passam pela série de males que o agronegócio causa ao meio ambiente e a crueldade de como os animais são tratados por indústrias que lucram em cima do sofrimento animal. Assim, certas pessoas preferem não ser coniventes a essas atitudes. A pesquisa feita pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) indicou que das 250 pessoas entrevistadas 86,3% aderiram ao vegetarianismo pela causa ambiental e 80,8% pelo fim da crueldade animal.
Dona do negócio Burguer da Verde, Taíssa Viana, acredita que esse mercado em expansão se deve exatamente pelas pessoas estarem criando uma “consciência coletiva de entender os impactos que a pecuária tem no meio ambiente”.
Ser vegano é caro?
Apesar de o veganismo e o vegetarianismo terem crescido ainda há relatos de pessoas que não encontram alimentos ou acham alimentos veganos caros. A indústria está se adaptando ao novo mercado trazendo versões alternativas para carnes e comidas ultraprocessadas e conhecidas pela população, porém a nutrição as vezes é deixada de lado.
A dona da marmitaria Veganita Vegg, Maria Elena Bento Garcia, alerta: “o mercado está adaptando seus produtos de origem animal para produtos alimentícios industriais veganos para continuar lucrando, em alguns momentos segue esquecendo da importância de alimentos ricos em nutrientes e por isso devemos tomar cuidado aos ingredientes quando comprarmos algo embalado.”
Dessa forma, o veganismo popular tem a ideia de democratizar as informações sobre o veganismo de forma a mostrar que o argumento que ser vegano é caro é errôneo, diminuir o elitismo e o racismo da comunidade vegana e trazer conhecimento sobre a forma que natureza é tratada não só por grandes empresas, mas como a sociedade humana no geral.
Pamela Stocker, idealizadora do Coletivo Ecofeminista Pandora, diz que o veganismo popular busca “olhar para todo o ciclo e trajetória de produção, circulação e consumo”. Para Pamela, a busca é priorizar a agricultura familiar, apoiar os pequenos produtores e a reforma agrária, fortalecendo aqueles que realmente trabalham para colocar comida na mesa dos brasileiros. E mais do que isso: “o veganismo popular também está atento à exploração humana, pois entende que não haverá libertação animal enquanto não houver justiça social” – explica Pamela, entusiasmada.
Assim, há pouco conhecimento, principalmente para pessoas de classes mais baixas, do quão simples é ser vegano. Alimentos como arroz, feijão, legumes, frutas, verduras e grãos já são naturalmente veganos e, existe uma diversidade enorme de como usá-los. Nomes de pessoas e estabelecimentos como Luísa Motta (Larica Vegana), Vegano Periférico, Vegana Prática, Vegano Vitor, Veg com carinho, Sarah Trindade, Coma Veggy, Imagine Veggy e muitos outros tentam desmistificar essa visão deturpada que o veganismo é difícil e caro.
Ideologia carnista e especismo
Existem muitas questões ligadas ao veganismo, uma delas é a questão do especismo. O especismo é a palavra sobre a visão selecionadora que temos para qual animal sentir empatia e quais não. A ideia de que um cachorro não pode ser morto mas uma vaca ou porco podem é o questionamento que o especismo traz. Análogo a essa questão existe a pergunta de por que são negadas a dignidade de animais para consumo humano a ponto de seus corpos serem nomeados de forma a demonstrar que aquilo não é um animal vivo apenas um pedaço de carne feito para consumo.
A ideologia carnista nos força a comer carne sem nenhuma reflexão ética, ambiental ou política apenas nos dando consumir e maltratar certos animais como regra sem espaço para questionamento e dessa forma num “piloto automático’ as pessoas vão seguindo o parece ser “certo” segundo a cultura que estão inseridas. O veganismo vem para repensar isso.
Para a influenciadora digital Mariana Godward o começo da caminhada para uma vida mais sustentável é exatamente isso: repensar suas atitudes e como elas afetam todo o ecossistema e não apenas você e seu círculo social. “Acredito fortemente que o primeiro passo é dar um “passo para trás”, olhar para todos os nosso hábitos e pensar: o que posso eliminar e o que posso fazer melhor? – indaga Mariana.
Alternativas de salvação
Agricultura familiar e o vegetarianismo/veganismo são alternativas importantes para rebater o estrago que o agronegócio está fazendo com o meio ambiente. Além disso, nesse momento tão crítico da crise fiscal brasileira, com o aumento abusivo dos preços da carne fica ainda mais imprescindível as pessoas compreenderem formas alternativas saudáveis para a dieta onívora pensando não só em questões econômicas mas também questões éticas.
“A gente tá ajudando o planeta a se erguer a se recuperar né e claro que isso não vai ser em 5, 10, 15, 20 anos né mas se a gente fizer agora a gente vai deixar um futuro melhor para netos, bisnetos e a futura geração a geração que vai vir pela frente né” diz Zelinda Lima.