Liberação de derivado da maconha aponta novas perspectivas para portadores de doenças raras
Por Monique Heemann
O canabidiol, conhecido também como CBD, é um composto abundante na Cannabis sativa, nome científico da maconha. Ele constitui cerca de 40% das substâncias ativas da planta. Em janeiro deste ano, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) decidiu por sua retirada da lista de substâncias proibidas no Brasil.
A pedagoga Jani Munchen lutou junto à Anvisa pelo direito de importar o CBD durante anos. Somente após dois anos e meio após o nascimento de sua filha Mariana, hoje com sete anos, um diagnóstico foi possível. Mariana é portadora da Síndrome de Rett, uma desordem no desenvolvimento neurológico grave e rara que afeta quase exclusivamente o sexo feminino. A maioria dos casos apresenta uma mutação no gene MeCP2. A síndrome ocasiona diminuição do crescimento cerebral, perda da fala, disfunção de marcha – locomoção prejudicada (dispráxica) ou ausência da marcha –, bruxismo intenso, distúrbios de sono, alteração nos padrões respiratórios, entre outros sintomas. A Síndrome de Rett não tem cura.
A recente decisão da Anvisa foi baseada nas indicações de que a substância, isoladamente, não está associada à dependência, além de estudos recentes terem apontado a possibilidade de seu uso terapêutico. No entanto, como não existem produtos com CBD registrados no país, os pacientes continuarão tendo que importar o canabidiol. Segundo a Anvisa, desde a simplificação da importação de produtos à base da substância, ocorrida em dezembro de 2014, o prazo médio de resposta aos pedidos de importação excepcional do CBD é de quatro dias. A expectativa agora é de que isso seja feito em até dois dias.
O psiquiatra José Alexandre Crippa, referência no cenário científico pelas pesquisas com canabidiol e professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), afirma que “o canabidiol é como qualquer remédio, que pode funcionar para algumas pessoas e não funcionar para várias outras, e pode ter efeitos colaterais. Ele tem que ser encarado como nova opção terapêutica. A gente acredita que possa servir para muita coisa”, disse Crippa em entrevista ao portal de notícias G1 (http://g1.globo.com/sp/ribeirao-preto-franca/noticia/2014/12/decisao-historica-diz-cientista-da-usp-sobre-liberacao-do-canabidiol.html).
Novas possibilidades
Pesquisas acerca do canabidiol cresceram consideravelmente nos últimos anos. Estudos recentes sustentam que o CBD provoca efeitos diferentes – e às vezes opostos – ao do delta-9-tetrahidrocanabinol (Δ9-THC), uma das substâncias responsáveis pelos efeitos psicoativos da maconha. Entre eles, destacam-se propriedades ansiolíticas e antipsicóticas.
O primeiro estudo brasileiro realizado com o CBD aconteceu entre as décadas de 1970 e 1980. Seus resultados apontaram sua eficácia também como anticonvulsivante.
Em 2008, Mariana passou a ter crises de epilepsia sem controle, mesmo fazendo uso de dois anticonvulsivantes. No mesmo ano, em 17 de janeiro, com um ano e seis meses, depois de uma severa crise convulsiva, teve parada cardio-respiratória. Precisou receber tratamento intensivo por cerca de dois meses. Perdeu a capacidade de falar e andar, que havia adquirido com auxílio de terapias diárias.
O documentário “Ilegal”, lançado no Brasil em outubro de 2014, conta a história de Anny, 5 anos, e de sua mãe Katiele, que, assim como Jani, luta por uma vida melhor para a filha. Anny é portadora de uma patologia rara e apresenta quadro clínico com distúrbio psicomotor decorrente de uma patologia cerebral. Entre os sintomas, estão crises convulsivas resistentes a todas as medicações possíveis no país. Ao ter contato com o canabidiol, na época importado ilegalmente, Anny deixou de ter as 60 convulsões semanais antes comuns. E passou a não ter nenhuma.
Há diversos outros relatos favoráveis sobre o assunto, inclusive no tratamento de crianças com câncer. O oncologista Leandro Ramires é pai de Benício, 6 anos, portador da Síndrome de Dravet. Rara e causada por uma mutação genética, a doença determina um quadro de epilepsia de difícil controle. Benício também perdeu a fala e teve o desenvolvimento psicomotor prejudicado pelas convulsões. O menino chegou a tomar 13 comprimidos por dia, mas sem apresentar melhora. Baseado em pesquisas americanas para determinar a dosagem, o pai começou a utilizar no tratamento do filho o CBD. Benício apresentou melhora em diversos aspectos.
Testes feitos em roedores e depois reproduzidos em humanos apresentam semelhanças entre o CBD e medicamentos utilizados no controle da ansiedade. Além disso, ele também se mostrou eficaz no tratamento de doenças como epilepsia e Parkinson. Outros estudos buscam ainda provar a eficácia da substância no tratamento do transtorno obsessivo-convulsivo (TOC).
Recentemente, a USP iniciou uma pesquisa sobre os efeitos do CBD em pessoas com distúrbios do sono. Os pesquisadores da universidade já fizeram estudos sobre os efeitos do CDB em pacientes com Parkinson, ansiedade, fobia social, esquizofrenia, epilepsia, dependência de craque e até no tratamento de uma viciada em maconha.
Pouco antes da liberação do uso de canabidiol pela Anvisa, Jani conseguiu a aprovação de seu pedido de importação do CBD. Em dezembro passado, o Conselho Federal de Medicina (CFM) havia autorizado o uso da substância para o tratamento de epilepsia em crianças e adolescentes até 18 anos. A autorização da importação seria dada em caso de tratamento de doenças graves, mas a liberação ficaria sujeita à prescrição médica e autorização da Anvisa.
A discussão sobre um assunto tão polêmico parece estar evoluindo. Para Jani, o mais importante é facilitar o acesso à informação sobre o tema, combatendo o preconceito. A liberação do canabidiol no Brasil já vem apresentando perspectivas de uma melhor qualidade de vida a diversos pacientes. É uma conquista a ser comemorada.
Saiba mais:
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● Saiba o que muda com aprovação do uso do canabidiol