Hallyu: a dominação sul coreana no entretenimento mundial
A onda coreana, que vem dominando o mundo nos últimos 10 anos, possui fundamentos políticos e econômicos no país asiático
Por Rafaela Stark
O gênero musical fenômeno no mundo todo, o K-pop, vem conquistando nos últimos
anos um lugar de elite na música mundial. No último dia 3, o grupo BTS fez uma performance arrebatadora no Grammy Awards, se tornando o assunto mais comentado da noite nas redes sociais. Entretanto, você sabe o motivo de artistas coreanos fazerem tanto sucesso atualmente?
O sucesso comercial dos sul coreanos tem nome: Hallyu. Palavra essa que advém da junção de Han, coreano, e ryu, que significa fluxo, na versão romanizada, torna-se Hallyu. A onda coreana consiste em quatro pilares: artísticos, culinários, culturais e produtos de cuidado pessoal.
CONTEXTO HISTÓRICO
O século XX não foi fácil para a Coreia. O país foi colonizado pelo Japão por 35
anos (1910-1945), perdeu a Segunda Guerra Mundial e passou por um conflito que
resultou na separação do país em dois. A Coreia do Sul, fragilizada financeiramente,
passou boa parte do século passado tentando se estabilizar no mundo como uma
potência socioeconômica estável. Empresas como a Samsung, Hyundai e KIA são
hoje companhias bilionárias de extrema importância global, mas não são só elas
que fazem sucesso.
Para realizar o crescimento do país, o governo da época criou o “Milagre do Rio
Han”, um projeto que visava priorizar todo e qualquer tipo de produto nacional. Os
cinemas e canais de televisão eram autorizados para exibir apenas filmes e
programas coreanos, para restaurar o patriotismo do povo, assim como diversas
empresas receberam incentivos para produzir, constituindo assim uma economia
autossuficiente.
Apenas no final da década de 1980 que a Coreia se abriu para mercadorias
estrangeiras, estúdios de cinema como Twentieth Century Fox, Warner Brothers e
Disney abriram sedes no país na época. Contudo, a nação já havia recuperado o
orgulho de sua cultura, então essa abertura não teve um impacto negativo nas
produções nacionais.
Apesar disso, a crise financeira asiática dos produtos manufaturados que se
instaurou nos anos 1990, forçou tanto o governo quanto as empresas coreanas a
investirem – e muito – no entretenimento. A escolha de aplicar capital nessa indústria
resultou na Coreia que conhecemos hoje, a décima maior economia do mundo e
uma das nações mais influentes. O “soft power” – poder brando em português – é a
competência de demonstrar o poder de um país sem apelar para poderes
econômicos e bélicos. O exercício do soft power, termo cunhado pelo cientista
político Joseph Nye, confirma que é possível se destacar na política mundial por
meio da cultura e entretenimento.
O NASCIMENTO DA HALLYU
Entre os anos de 1997 e 1998, o Ministério da Cultura ganhou um aumento substancial no orçamento, possibilitando a criação de inúmeros departamentos de artes em universidades. Concomitantemente, as emissoras de televisão começaram a investir em programas e séries mais elaborados.
Os K-dramas, ou doramas, como são popularmente chamados no Brasil, são uma parte vital da onda coreana. Em 2002, o drama Winter Sonata foi o primeiro sucesso continental da Coreia, principalmente no Japão, com quem tem sérios problemas de relação graças aos anos de domínio. Mas é com a música que o país encontra seu ápice.
A empresa SM Entertainment, fundada em 1989 pelo executivo Lee Soo Man, foi a principal impulsionadora do K-pop. O grupo masculino HOT esgotou, em 2000, um show em Pequim, a solista BoA vendeu em 2002, um milhão de cópias do álbum “Listen To My Heart” no Japão.
AS GERAÇÕES DO K-POP
O K-pop é dividido por fases, que representam os avanços culturais que cada uma
delas provocou. Confira na tabela abaixo os principais nomes:
Grupos Masculinos | Grupos Femininos | Solistas | |
Primeira Geração (1992-2004) |
Seo Taiji & The Boys, HOT, Sechs Kies e Shinhwa | S.E.S |
BoA, Rain, J.Y.Park e PSY |
Segunda Geração (2004-2009) |
TVXQ, Super Junior, BIGBANG, SHINee, 2PM | Girls Generation (SNSD), Wonder Girls, KARA, 2NE1, F(x) | IU e Hyuna |
Terceira Geração (2010-2018) |
EXO, BTS, GOT7, Monsta X, NCT e Seventeen | Red Velvet, Twice, Mamamoo, Blackpink | Eric Nam |
Quarta Geração (2018-) |
Stray Kids, The Boyz, ATEEZ, TXT e Enhypen | Loona, Itzy, Aespa, STAYC, (G)I-DLE e Kep1er | Jeon Somi, Kang Daniel e Chungha |
O K-pop é responsável por movimentar grande parte do turismo na Coreia, estima-se que mais de 800 mil pessoas visitem o país por ano, 20 mil apenas do Brasil. Grupos como BIGBANG, 2NE1, EXO e BTS foram fundamentais para a popularização da música e da cultura coreana pelo mundo. Os boygroups da SM Entertainment, TVXQ e SHINee são os artistas que mais realizaram shows no Tokyo Dome, estádio na cidade de Tóquio, que tem capacidade para 55 mil pessoas.
A exportação de música é um ponto essencial para manter a boa relação entre Coreia, Japão e China, países com históricos conflituosos entre si. A Tailândia também é grande consumidora de produtos coreanos, entre eles, a música e os produtos de cuidado com a pele.
EXPORTAÇÃO COMERCIAL E CULTURAL
Como citado anteriormente, os produtos de cuidado pessoal, conhecidos como K-beauty, fazem parte do boom coreano. Marcas como Amorepacific, LG Household & Health Care, ETUDE HOUSE e MISSHA são referência quando falamos de beleza coreana. Essas companhias contratam cantores e atores para fazer propaganda das mercadorias.
Da mesma forma que a música, os K-dramas são sucesso no mundo todo. Êxitos como Boys Over Flowers, Descendants of the Sun, Pousando no Amor, Vicenzo e é claro, Round 6, dominam os streamings ao redor do planeta. Atores como Lee Minho, Gong Yoo, Song Kang e Song Joong-Ki são os mais famosos da atualidade. Park Seo-Joon, de O que há de errado com a secretária Kim e Itaewon Class, fará parte do elenco de Capitã Marvel 2, produção da Disney com a Marvel Studios.
Os doramas provocam bilhões de visualizações na internet com plataformas como Netflix e Rakuten Viki. O sucesso é tanto, que outras empresas começaram a produzir seus próprios dramas, como a Disney com Snowdrop, estrelado por Jung Hae-in e Kim Jisoo, integrante do grupo feminino Blackpink. Este é outro ponto a ser destacado, na indústria coreana, as profissões de cantor e ator se cruzam diversas vezes, o que ajuda a impulsionar a imagem do artista.
O QUE ESPERAR PARA O FUTURO
O fenômeno da Hallyu é global, não há quem nunca tenha ouvido falar em algo a envolvendo. A dominação do mercado norte-americano é elemento crucial para a consolidação da onda coreana, e isso está acontecendo rapidamente. O BTS foi indicado pelo segundo ano consecutivo ao Grammy Awards em 2022, além de ganharem o prêmio no American Music Awards de Artista do Ano em 2021. O filme Parasita, de Bong Joon-Ho, conquistou o Oscar de Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Roteiro Original e Melhor Filme Estrangeiro em 2020, um feito histórico, já que nunca uma obra asiática havia levado as principais categorias. O dorama Round 6 superou as 90 milhões de visualizações no ano passado, também venceu prêmios por atuação no SAG Awards, um dos mais importantes e respeitados de Hollywood.
Com toda glória dos últimos 20 anos, o que esperar futuramente? As empresas de entretenimento estão se expandindo, abrindo filiais fora da Ásia, continente já dominado pela Hallyu. O caminho não é fácil, nunca foi. O racismo contra asiáticos ainda é forte, especialmente no período pandêmico que o planeta passa. De acordo com o levantamento do Departamento de Polícia de Nova York, entre os anos de 2019 e 2020, o preconceito contra asiáticos aumentou em 1900%. Em março de 2021, 8 pessoas foram assassinadas em uma casa de massagem localizada em Atlanta, sendo 6 delas de ascendência asiática, o que provocou inúmeros protestos com a hashtag #StopAsianHate.
Embora difícil, os artistas não estão sozinhos, eles têm fãs extremamente fiéis. Muitos deles criaram projetos para ajudar pessoas em situação de necessidade e até para ajudar o meio ambiente. O Army Help The Planet é um deles, essa organização já promoveu ações de preservação e agora estão com a campanha “Tira o Título Army”, na qual incentiva fãs do BTS entre 16 e 18 anos a tirarem o título de eleitor esse ano. A onda coreana é forte e difícil de ser ignorada, até quem não acompanha admite o poder que ela demonstra.