Falando sobre jornalismo com Manuela Franceschini

Por: Rafael Mirapalheta

Desde o advento dos meios de comunicação, o papel do jornalismo sempre foi de extrema importância na sociedade. Dentre as tarefas de um profissional do ramo estão a de noticiar, cobrir pautas sendo fiel à verdade e expandir os seus conhecimentos. E, ainda que esse papel sempre tenha tido sua importância reconhecida, a devida remuneração e prestígio nem sempre ocorrem, principalmente em centros menores.

Este é um receio que todos enfrentam ao se depararem com a vontade de seguir na profissão. E muitas dúvidas naturalmente surgem: será que vou ser reconhecido pelo meu trabalho? Será que posso ser bem sucedido na minha pequena cidade? Será que vou me adaptar às novas transformações do jornalismo?

Manuela Franceschini é repórter do canal a cabo SporTV há mais de cinco anos e hoje cumpre na emissora o papel de correspondente internacional em Sidney, na Austrália. Com experiência de sobra na bagagem, a jornalista conta sobre sua jornada de trabalho e também fala um pouco sobre estes temas recorrentes na área. Confira a entrevista:

Como foi o seu começo no jornalismo; se sempre sentiu interesse pela profissão, e também quais foram seus primeiros trabalhos.

Sou filha de jornalistas e não me lembro de algum dia ter pensado em fazer outra coisa. Gostava das histórias que eles contavam, do modo como viviam, das experiências que tinham. Também sempre gostei muito de ler e de escrever. E no jornalismo essas duas coisas são a chave de qualquer trabalho, não importa onde você esteja – tem que ler muito e tem que escrever bem. É claro que não é só isso, mas é um bom começo. Esses eram meus trunfos, então lá fui eu. Me formei na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), avaliada como a melhor universidade de jornalismo no país, onde o curso é bastante prático. Tínhamos laboratórios de rádio, tevê, impresso, online. Assim, aprendi como contar uma história da melhor maneira em cada um desses meios. E aí entendi que não existe jornalista de tevê, de rádio, de impresso, de online. Existe o jornalista e existe a história. Onde você quer contar agora? Comecei querendo contar em jornal. Fiz o trainee do Estadão em 2009, uma experiência incrível. Ao mesmo tempo em que fazia o trainee, era roteirista em uma agência de conteúdo pra internet. Toda notícia é uma história, toda história pede uma narrativa e toda narrativa precisa de um roteiro. Depois, senti vontade de experimentar revistas e apliquei para o Curso Abril, em 2010. Fui chamada, fiz o curso e fui contratada pela Veja, como repórter de internacional. Lá, fiz coberturas marcantes, como o resgate dos mineiros no Chile, as eleições na Argentina e no Brasil, a ocupação das favelas pelas primeiras UPPs no Rio, as tragédias das chuvas também no Rio, na região serrana. Surgiu então o convite pra ir pra Globo, pro SporTV Repórter, pra ser repórter especial. Me pareceu uma chance imperdível: fazer reportagem e roteiro pra um documentário de uma hora de duração, o esporte como um meio – e não um fim – pra contar grandes histórias. E queriam alguém que não fosse do esporte, que apenas gostasse de histórias. Aceitei, mudei pro Rio e aqui estou, desde 2011.

Você considera que a mudança pra um grande centro do país (no seu caso, de Florianópolis para o Rio de Janeiro) é primordial para obter sucesso na carreira de jornalista?

Não acho que seja primordial a mudança para um grande centro. O que acho importante é a experiência nele, em algum momento da vida. Tem coisas muito boas sendo feitas em cidades pequenas e médias, não existe jornalismo só no Rio e em São Paulo, de jeito nenhum. Mas enxergar de fora traz um olhar que nunca se alcança quando a gente não sai do mesmo lugar. Pra mim, mudar sempre fez parte da vida. Nasci em São Paulo, mudei pra Santa Catarina, morei um ano na Itália durante a faculdade, voltei pra São Paulo, agora pro Rio, e provavelmente ainda mudarei muitas vezes. Acho que passar por lugares também é parte da experiência como jornalista. Mas escolher uma carreira em uma cidade grande ou pequena depende também de como e onde se gosta de viver.

Nos últimos anos a profissão do jornalista se descaracterizou e se pluralizou, principalmente com o desenvolvimento das novas mídias. Isso se evidencia com os exemplos que temos da cobertura dos protestos ano passado, onde muita gente fez um papel jornalístico ao cobri-los e com a recente determinação de que não é preciso diploma para exercer a profissão. Com que olhos você enxerga essas transformações e qual é o papel do jornalista hoje?

Não acho que o papel do jornalista tenha se descaracterizado. Uma coisa é a transformação social e outra coisa é a transformação do jornalismo. Sim, a internet transformou a informação em um bem comum, livre e participativo, escrevemos todos uma grande história nas redes sociais e isso é sensacional! Mas jornalismo é uma outra coisa. Pra contar uma história – uma história que de fato documente um dia, um período, uma época, um fato -, você precisa de muitas, mas muitas horas de dedicação. Você precisa ter aprendido o que é jornalismo, o que é ética jornalística, como se apura, como se noticia, como se entrevista, como se observa, como se conta, pra quem se conta, por que se conta. Você precisa de credibilidade. Você precisa ter lido muito, ter tido muitas experiências ao longo da vida, ter ouvido muita gente, ter conhecido muita gente, estar por dentro das notícias de ontem, de hoje e do ano passado. O jornalismo se transformou à medida em que precisa ser mais rápido, mais barato e não atender só a uma plataforma. Se você é jornalista hoje, você precisa saber usar todos os recursos a seu favor. Tem vídeo no jornal, tem link na revista, tem texto na tevê. O jornalista também precisa ter noções de fotografia, de edição, de reportagem, não importa o que faça. A discussão sobre quanto se paga pra um profissional desse, que faz cinco coisas e até a década passada fazia uma, é um outro ponto. Mas isso não quer dizer que blogs e redes sociais estão assumindo o lugar do jornalismo, de jeito nenhum. Eles apenas participam do processo da informação – e isso só tem aspectos positivos.

Na sua opinião, qual o melhor e o pior valor que o advento da internet trouxe ao ramo?

Não vejo absolutamente nada de ruim que a internet possa trazer a um jornalista. Ela é uma ferramenta valiosíssima – de observação, de comunicação, de estudo. É claro que ela não substitui os métodos clássicos de apuração – olhar, escutar, sentir, perguntar, checar. Mais uma vez, vale o rigor, vale o bom senso, vale o senso de responsabilidade do jornalista. Mas unida a esses procedimentos básicos e imprescindíveis, ela é uma aliada imbatível. Graças à internet, você consegue contactar uma fonte em outro continente em um segundo; consegue observar a sociedade em tempo real sob infinitos ângulos; consegue acesso a informações e possíveis pautas do mundo inteiro, de centenas de fontes. Você sabe no mesmo segundo de algo que se passou do outro lado do mundo; você pode conversar com pessoas de qualquer parte do mundo; o mundo, ele está logo ali, a um clique. Pode existir algo mais fantástico?

Que conselhos tu darias para quem está começando, e pretende seguir carreira na profissão?

Quando eu estava começando, no trainee do Estadão, Paco Sanchez, um renomado jornalista espanhol, da Universidade de Navarra, nos deu algumas aulas. E ele nos disse algo que nunca esqueci. Que texto é alma; que apuração é escutar, observar e sentir. Cinco anos depois, posso garantir: esse é o segredo. Por isso, tenha todas as experiências possíveis. Pra ser um bom jornalista, tem que ser uma boa pessoa. Porque você precisa entender as histórias das pessoas, precisa se colocar no lugar delas, precisa traduzir o que elas nem vão conseguir te falar. Precisa saber ler as pessoas, os lugares, ler as sensações. Viaje muito, conheça muitos lugares, as cidades minúsculas e as muito grandes; se interesse por tudo, converse com todo tipo de gente, pergunte muito, escute muito, escute, escute. Leia tudo o que puder, veja muitos filmes, viva tudo o que puder. Quanto mais bagagem, melhor. Melhor você vai ler as pessoas, ler os lugares, ler as sensações. As suas e as do mundo.

Manuela é correspondente internacional na Austrália

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