Entre memórias e patrimônios: uma jornada pelas heranças culturais, industriais e gastronômicas da cidade mais antiga do RS
No encerramento do mês dedicado ao patrimônio cultural, a cidade do Rio Grande, a mais antiga do estado do Rio Grande do Sul, destaca suas ricas heranças culturais, industriais e gastronômicas.
Por Laura Cosme / Agência Em Pauta
Comemorado no dia 17 de agosto, o Dia do Patrimônio Cultural tem o objetivo de trazer um olhar especial para os prédios históricos e demais patrimônios das cidades do Brasil. Em celebração à data, a cidade do Rio Grande, a mais antiga do estado do Rio Grande do Sul, destacou suas ricas heranças culturais, industriais e gastronômicas durante a Semana do Patrimônio 2023.
Biblioteca Pública Rio-Grandense: Tesouro do Conhecimento e Cultura
Na região central do município, uma construção de estilo neoclássico ganha destaque em meio a paisagem urbana: a Biblioteca Pública Rio-Grandense, fundada em 15 de agosto de 1846, é a mais antiga do Rio Grande do Sul. Inicialmente concebida como um Gabinete de Leitura, estabelecido por João Barbosa Coelho, a instituição só recebeu o título de biblioteca em 1878.
Ao longo de sua existência, reuniu uma coleção diversificada de obras, desde a literatura clássica até obras contemporâneas, possuindo um dos maiores acervos do Brasil, com cerca de 500 mil livros e sendo uma fonte inesgotável de pesquisa. “A maioria das pessoas do Rio Grande passam na frente desse prédio e não fazem ideia do volume de acervo que tem aqui dentro. Nós temos o maior acervo privado da guerra do Paraguai, no ano passado vieram pesquisadores franceses estudar nosso acervo”, ressalta o diretor de acervo da Biblioteca Rio-Grandense, Ronaldo Gerundo.
Em meio às celebrações do Dia do Patrimônio, no dia 17 de agosto, a Biblioteca Rio-Grandense recebeu o prêmio “Memória da Arquitetura” do Instituto de Arquitetos do Brasil. “Eu fico muito satisfeito em dizer que estamos recebendo um prêmio, pois a instituição está tentando se renovar, se restaurar. Restauramos a primeira sala, estamos restaurando o antigo salão nobre, onde, antigamente, foi um Júri, a universidade, pois o primeiro curso de engenharia industrial foi aqui no salão nobre, Assis Brasil esteve aqui para ver o que ninguém fazia no estado: alfabetizar adultos. A biblioteca que começou isso e sempre teve essa participação da cidade e esse é o reconhecimento”, destaca Gerundo.
A Biblioteca Pública Rio-Grandense convida o público a visitá-la de segunda a sexta-feira, das 9h às 17h. “A maioria das pessoas do Rio Grande passam na frente desse prédio e não fazem ideia do volume de acervo que tem aqui dentro. Qualquer pessoa que queira se associar, o valor é 20 reais por mês e o sócio tem direito a levar livro para casa”, informa o diretor de acervo Ronaldo Gerundo.
Fábrica Rheingantz: um marco Industrial
A industrialização em Rio Grande iniciou no século XIX, tendo como marco a construção da Fábrica Rheingantz, fundada em 1873. A fábrica desempenhou um papel fundamental na fabricação de produtos que abasteciam não apenas a cidade, mas também diversas partes do país. Seus edifícios imponentes e a rica arquitetura industrial são um lembrete tangível do passado fabril da cidade, enquanto continuam a inspirar as gerações atuais.
A paisagem urbana, com os vestígios de um tempo em que a industrialização era pulsante na cidade, é estudada pela doutora em História e professora da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), Olívia Nery.
“A Rheingantz é o coração do Rio Grande, ela é a primeira fábrica têxtil do Rio Grande do Sul, que inaugura o período de industrialização do Rio Grande, vai abranger o maior número de operários, vai durar por muito tempo e se torna um símbolo. Por ser a pioneira, ela é também a que foi mais pesquisada durante esses anos por diferentes pesquisadores e pesquisadoras. Agora nesse processo de restauração também se torna um grande símbolo, representando a memória não só dos trabalhadores, mas de todo o setor industrial,”, ressalta Olivia.
Projeto Caminho Fabril
Desenvolvido pela doutora em história, Olivia Nery, em 2020, a partir de sua tese de doutorado, o projeto “Caminho Fabril’, realiza caminhadas guiadas pelos patrimônios industriais da cidade do Rio Grande, possibilitando explorar diferentes percursos e conhecer a história dos espaços industriais, tanto ocupados quanto abandonados, e entender como a cidade se desenvolveu a partir desses locais.
“A ideia é caminhar pela cidade, escolhendo alguns percursos que são mais centralizados. É caminhar em um ritmo diferente, com um olhar atento, e despertar esse olhar conhecendo a história desses espaços, de prédios que estão ocupados ou que foram abandonados, e mostrar a história daquele lugar e entender como a cidade foi se desenvolvendo a partir desse espaço, tentar imaginar o movimento dos trabalhadores e trabalhadores, para valorizar essa história, não só no sentido material, mas das memórias que fazem parte daquele espaço”, comenta Olivia.
Jurupiga: a tradição gastronômica que ultrapassa gerações
Fabricada há mais de um século na ilha dos marinheiros, a jeropiga é uma bebida alcoólica, produzida artesanalmente à base de uva e cachaça. De origem portuguesa, a tradição iniciou-se em meados do século XIX, com a colonização dos portugueses na região.
Desde 2010, a bebida é considerada um patrimônio imaterial da cidade do rio grande, pelo instituto nacional de propriedade industrial. Para Rosângela Dias, produtora da bebida, o título de patrimônio imaterial foi recebido com muito carinho, pois é uma forma de manter viva a tradição da família. “ É um orgulho para nós saber que a história que veio de Portugal com nossos bisavós, conseguimos manter até hoje. Eu nasci fazendo jurupiga com os meus pais, porque eles já faziam. Quando casei também continuei fazendo, pois meu marido já produzia com a sua família. Posso dizer que é um saber que vem desde criança”, comenta Rosângela.
Com uma produção que gira em torno de 15 mil litros ao ano, todo o processo de fabricação da jeropiga é realizado pela quinta geração da família Costa Dias.
O preparo da bebida começa pelo cultivo da uva, após é feita a quebra da fruta para extrair o líquido, passando pelo processo de decantação, quando a borra vai sendo separada no fundo das pipas, até a produção das embalagens para serem comercializadas. “Primeiro é retirado o sumo da uva, o mais nobre, chamado mostro na uva, adicionado álcool, em torno de 17% e deixado envelhecer. Ela possui a doçura da uva e não é adicionado nada de açúcar”, explica.
Após o sucesso de vendas em Rio Grande e região, a família Costa Dias precisou profissionalizar a produção artesanal. Dessa forma, atendendo os critérios do ministério da agricultura, em abril de 2020, a empresa familiar tornou-se uma agroindústria. Atualmente, além da jurupiga, a agroindústria Costa Dias também comercializa vinho e sucos, atraindo visitantes e impulsionando a economia da Ilha dos Marinheiros.