Besouro Azul: o problema são os super-heróis?
Besouro Azul estreou nos cinemas em agosto e recentemente entrou para o catálogo da HBO Max. O filme é protagonizado por Xolo Maridueña e pela brasileira Bruna Marquezine
Por Jaime Lucas Mattos / Em Pauta
No novo filme do universo da DC, Xolo Maridueña interpreta Jaime Reyes, um jovem latino em sua jornada para tornar-se o super-herói Besouro Azul, que dá nome ao filme. Jaime graduou-se recentemente e voltou para a casa de sua família, que está passando por dificuldades financeiras. Com o risco de perderem o lar, Jaime preocupa-se e inicia a busca por um bom emprego para poder ajudá-los.
Depois de alguns mal entendidos e a entrada de Jenny Kord (Bruna Marquezine), futura herdeira de uma grande empresa de tecnologia, em sua vida, Jaime entra em contato com um escaravelho de origem extraterrestre que dá início à jornada do nosso herói. Funcionando como um simbionte tecnológico, o escaravelho se une ao corpo e consciência de Jaime, tornando-o um super-herói com armamento e proteções únicas. O grande problema é que a dona das empresas Kord, Victoria – que é tia de Jenny –, tem planos para usar o escaravelho como base para um novo armamento militar, e matar Jaime não será um impedimento para que seu objetivo seja cumprido.
Dirigido por Ángel Manuel Soto, Besouro Azul (Blue Beetle) é mais um filme que narra a origem de um super-herói, como tantos outros que foram lançados durante as últimas décadas. Assim como a maioria dos outros, o filme da DC repete novamente as gastas fórmulas de produções desse tipo, não agregando quase nada de novidade à narrativa.
Lotado de clichês de super-heróis – que vão desde o roteiro raso até lutas megalomaníacas que desafiam o senso do que é crível –, o filme infelizmente traz uma história rasa, com um roteiro raso (alguns diálogos beiram o ridículo) e vilões com zero profundidade.
A principal vilã do filme, Victoria Kord (Susan Sarandon), tem motivações que pouco convencem e é uma personagem extremamente caricata. A proprietária das Indústrias Kord herdou a empresa quando seu irmão, Ted Kord (pai de Jenny), desapareceu sem deixar vestígios. Ted buscava manter a empresa em um rumo longe de atividades armamentistas, contrariando a vontade do pai falecido; no entanto, quando Victoria tomou o controle da corporação, ela retomou essas atividades armamentistas, pondo em risco as famílias imigrantes de Palmera City.
O escaravelho que dá poderes a Jaime Reyes é o principal projeto de Victoria para um novo sistema de exército tecnológico, que acumularia um poder inigualável. Ela reúne todos os seus esforços para atacar Jaime e ter o escaravelho novamente para si, a fim de concluir o processo do exército e poder lançá-lo ao mercado.
O problema é que nada convence nessa personagem: nem sua relação com a família, muito menos suas motivações e obsessão com o escaravelho. Além do mais, todos os diálogos da personagem são extremamente miseráveis, com falas muito óbvias, que todo vilão caricato possui.
Nem a vilã principal, nem seu capanga – Conrad Carapax/OMAC (Raoul Trujillo) – são antagonistas bons o suficiente para que conseguissem dar medo ou receio do que poderia acontecer com os protagonistas. O espectador assiste ao filme sabendo exatamente como a história termina, quem vence e quem perde. Existe um grande problema na estrutura do roteiro do filme e na construção de seus personagens para que haja consequências reais às atitudes de cada um.
Observando a construção empobrecida da história, a participação da família de Jaime no embate final também é completamente disparatada. Os absurdos vão desde os personagens – sem construção prévia desses conhecimentos na história – saberem pilotar nave de super-herói e usar armamentos especiais; até conseguirem entrar em uma base hiper secreta, que deveria ter muito mais sistemas de segurança, com uma facilidade atônita; sem esquecer da surpreendente habilidade dos personagens em lutar contra um exército tecnológico e um ciborgue sem saírem com qualquer sequela.
Apesar dos absurdos existentes na história, alguns saldos positivos podem ser somados ao desempenho final. Um deles é a presença da família de Jaime, que dá um diferencial e um novo fôlego à história. Com uma representatividade latina nunca antes vista em filmes hollywoodianos do gênero, a família do protagonista realmente faz parte da narrativa, não são personagens descartáveis. As decisões e movimentos desses personagens mexem com toda a trama principal. Além do mais, a avó fala em espanhol durante todo o filme, o que evidencia uma mínima preocupação em dar representatividade. É isso que faz Besouro Azul não ser um desastre total.
A família Reyes é usada bastante como núcleo de humor, o que deixa o filme com um teor mais cômico, mas também, por vezes, beira a estereotipação de pessoas latinas. É bastante desconfortável ver a maneira como o personagem Rudy (George Lopez) é tratado como um doido: fala sempre gritando, tem um veículo que toca a música “La Cucaracha”, para envergonhar seu sobrinho Jaime, e que possui invenções sem nexo.
Embora haja alguns estereótipos, também é muito gratificante observar referências tão claras à cultura latina, como menções a Maria do Bairro e a Chapolin Colorado. Também podemos observar o contexto das famílias latinas, como a força que os membros familiares têm na nossa vida e como somos solidários com o próximo.
O protagonista, Xolo Maridueña, é bastante carismático e cumpre muito bem o seu papel como Besouro Azul, enquanto Bruna Marquezine é o grande destaque da produção. Bruna é tão protagonista do filme quanto Xolo, o que é surpreendente para a participação de uma atriz brasileira que está estreando sua carreira internacional. A personagem não serve apenas de interesse amoroso do protagonista, mas vive a história intensamente e tem total importância durante todo o desenrolar da narrativa. Outro ponto positivo é que a personagem é brasileira assim como a atriz e, apesar de ter falas em inglês em todo o filme, há uma cena em específico em que Jenny Kord fala em português, evidenciando que a produção não tentou esconder sua origem brasileira.
Apesar de pouco crível em diversos momentos e com uma trama repleta de clichês, o filme cumpre o que promete, ao ser familiar, despretensioso e divertido. É uma produção bastante genérica, que conta muito com a boa fé do público para que não questionemos demais as incoerências, mas que tem sua personalidade e seu tom de comicidade, que fazem com que tenhamos simpatia com a trama e com alguns dos personagens.
Observando-se a bilheteria de Besouro Azul, o filme arrecadou 129 milhões de dólares, tendo um custo de 104 milhões. Mas se os números parecem bons, na verdade eles não são. Tendo em vista que cerca de 50% do valor do ingresso fica com os exibidores (cinemas), os filmes precisam arrecadar, ao redor do mundo, pelo menos o dobro do seu custo para que não dêem prejuízo ao estúdio. Se a estimativa com Besouro Azul era de receber 208 milhões para cobrir os gastos, o filme deu um prejuízo de quase 80 milhões de dólares. Mas esse problema é uma exceção?
A resposta é: não. Quantumania, The Flash, As Marvels e Shazam! Fúria dos Deuses, dentre outros fracassos de bilheteria e/ou crítica, assombram os bastidores da indústria hollywoodiana no que diz respeito aos filmes de super-heróis. As produções desse gênero estão vendo a receita cair cada vez mais e o prejuízo crescer para os grandes estúdios cinematográficos.
Salvo raras exceções – como Guardiões da Galáxia Vol. 3 e Homem-Aranha: Através do Aranhaverso –, os filmes estão cravando prejuízos. Shazam 2, por exemplo, custou cerca de 125 milhões de dólares e arrecadou apenas 133 milhões, estimando-se um prejuízo de, pelo menos, 117 milhões. The Flash, por sua vez, que foi promovido como um filme grandioso, custou mais de 300 milhões de dólares e arrecadou 270 milhões, estimando-se um prejuízo de 330 milhões ao estúdio. Analisando esses casos, estariam os filmes de super-heróis deixando o público desinteressado?
Muitos são os fatores que influenciam nesses números em queda livre. Um dos principais e mais evidentes é a dificuldade na retomada do cinema pós-pandemia. O período em que os cinemas estiveram parados e que a produção cinematográfica também se tornou mais lenta e mais cara – devido a todos os gastos com produtos higiênicos e testes de covid –, acabou afetando demais o resultado final dos filmes. No entanto, não se pode culpar apenas a pandemia, tendo em vista que muitos dos filmes recentes começaram a gravar após esse período.
Algo que não se pode ignorar é o grande problema enfrentado pela DC na produção dos seus filmes. Prestes a iniciar um novo universo nos cinemas, comandado por James Gunn (diretor de Guardiões da Galáxia e O Esquadrão Suicida) e Peter Safran, a DC passou por muitas questões com o seu universo anterior/atual. O Universo Estendido da DC (DCEU), em atividade desde 2013, enfrentou diversos fracassos em bilheteria ao longo de seus 10 anos de duração, e voltou a ser extremamente atormentado durante a pandemia do Coronavírus.
No entanto, o que justifica o fracasso de seus filmes mais recentes não é apenas o histórico do universo, como também o anúncio do novo Universo DC (DCU), que estreará nos cinemas apenas em 2025, com Superman: Legacy. Este anúncio, feito oficialmente no final de 2022, resultou em um desinteresse por parte do público nos filmes que seriam lançados em 2023, tendo em vista que estes teriam quase zero importância para o novo universo.
Apesar desses serem motivos plausíveis e compreensíveis, podemos observar que o problema nos filmes de super-herói não se restringem à DC, mas também vêm atingindo a Marvel Studios. Em uma análise mais ampla, observa-se que o grande problema desse gênero são as narrativas repetitivas, com pouco desenvolvimento, falta de investimento nos efeitos visuais, além de um processo de hiperprodução que deixa o público atolado de conteúdo para assistir em pouco tempo.
Esse processo de hiperprodução é o que acaba afetando todos os outros pontos. Se os profissionais que trabalham com esses filmes – e agora séries, também – precisam entregar muito mais produtos em muito menos tempo, como os estúdios poderiam esperar resultados melhores? Os problemas estão no roteiro, na direção, na produção, nos efeitos visuais, na falta de conexão entre os filmes (que é o grande atrativo dos universos compartilhados). Tudo isso acontecendo sucessivamente em diversos filmes de super-herói é o que deixou o público desinteressado em ver novos produtos dessa temática. Com fórmulas repetidas e desgastadas, os filmes do gênero estão cada vez mais em decadência.
Apesar do cenário caótico, ainda há uma luz no fim do túnel. Muito por conta dos atrasos causados pelas greves de roteiristas e atores que aconteceram neste ano, as produções da Marvel Studios atrasaram, e os executivos decidiram dar mais tempo de lançamento entre uma produção e outra. No lado da DC, o novo universo só tem o encargo de ser lançado nos cinemas em 2025. Esse tempo serve para uma reorganização nos planos das duas empresas, e pode gerar saldos positivos para um novo renascimento dos super-heróis no cinema. Em 2024, apenas um filme desses grandes estúdios será lançado, cargo dado a Deadpool 3. Além desse, filmes produzidos pela Sony Pictures no universo do Homem-Aranha, como Madame Teia e Kraven: o Caçador, também poderão ter holofotes.
A esperança também está viva para o Besouro Azul. Em setembro, James Gunn afirmou, através de seu Instagram Threads, que “Xolo Maridueña continuará a interpretar o Besouro Azul no DCU […]”, enquanto o diretor Ángel Manuel Soto afirmou, em entrevista posterior, que “foi muito reconfortante saber que Xolo Maridueña continuará no papel, o que significa que esse filme serve como base para a jornada desse personagem enquanto ele embarca em um mundo totalmente novo”. Ainda não se sabe como será a presença do personagem de Maridueña no novo universo, mas seu retorno está confirmado. Nós, brasileiros, torcemos para que Bruna Marquezine também retorne como Jenny Kord, mas nada confirmado por enquanto.
Se você quer dar uma conferida no filme, Besouro Azul já está disponível para streaming pela HBO Max.