As carroças e o caos urbano

 

O meio de transporte que já foi sinal de nobreza, hoje é taxado como um problema nos centros urbanos

por Ana Maria Fernandes, André Machado da Silva e Rafael Goulart

São 18h de uma terça-feira. No cruzamento das ruas Padre Anchieta e General Osório, dezenas de carros tentam chegar aos seus destinos. Buzinas, xingamentos e um ambiente caótico para pedestres e motoristas. Entre transportes coletivos, caminhões, carros e todo contexto urbano, encontra-se uma charrete com cinco meninos – suas idades devem variar entre 10 e 15 anos. Todos eles agrupados sem a mínima segurança. Um pouco mais a frente encontra-se um guarda de trânsito multando um carro – o motorista estava sem o cinto de segurança. Enquanto a carroça segue seu árduo caminho de volta para casa, os meninos sonham com o dia que poderão ter seus próprios carros com ar-condicionado e bancos confortáveis.

As carroças, como são popularmente conhecidas, tem uma história muito antiga e um grande significado no Rio Grande do Sul. Um dos primeiros meios de locomoção no estado, foi amplamente usada na época das charqueadas para o comércio entre as cidades. Depois da chegada dos automóveis caiu em desuso e foi praticamente esquecida pelas classes mais altas da sociedade. Atualmente é utilizada como um meio para transportar móveis (no caso das carroças que fazem frete), no transporte de objetos recicláveis (garrafas, papelão e etc.) e, visto com uma frequência cada vez mais assustadora, o transporte de pessoas.

Carroça usada para transporte nos anos 60 (imagem: arquivo Histórico José Ferreira da Silva)

Carroça usada para transporte nos anos 60 (imagem: arquivo Histórico José Ferreira da Silva)

Há quatro anos, em Pelotas, foi sancionada uma lei municipal para a regularização das carroças. Além de visar o licenciamento e a concessão de autorização para sua condução, a lei determina que as carroças transitem com placas de identificação e sinalização reflexiva na parte traseira.

O grande problema dessa lei é a total falta de fiscalização. Por conta isso, ela é praticamente ignorada pela maior parte da sociedade e isso acaba causando cenas como as narradas acima: famílias inteiras empoleiradas em cima de uma carroça. Sente-se a necessidade de um entendimento mútuo entre os carroceiros e os guardas de trânsito. A regularização desse meio de transporte serviria para uma maior segurança de todos.

Atualmente, as carroças são utilizadas como renda por famílias de menor renda (imagem: Marcelo Oliveira/Agência RBS)

Atualmente, as carroças são utilizadas como renda por famílias de menor renda (imagem: Marcelo Oliveira/Agência RBS)

Para Áttila da Silveira, coordenador de Educação para o Trânsito, a dificuldade é punir ou multar os carroceiros.

– Pela condição social desses condutores, fica muito difícil de executar uma punição forte como tirar o cavalo ou tirar a “charrete”. Porque é o meio de trabalho deles. As orientações da Secretaria de Trânsito são a não transitação em horário de pico, o tráfego pelo lado direito da pista, evitar estacionar em fila dupla e o condutor ser maior de idade – disse Áttila.

A sociedade deve entender que os catadores são homens e mulheres que diariamente correm risco de morte para trazer um sustento digno para suas famílias. Gente humilde que, em sua esmagadora maioria, não teve nenhuma chance real de inclusão na sociedade e mesmo assim batalham para ganhar seu dinheiro de forma honesta.

A preocupação dos motoristas é com o fato de ter seus carros destruídos por carroças e também os transtornos que elas causam quando congestionam o trânsito. Na maioria das vezes é a insegurança que ela causa por sua falta de sinalização.

Tainá Rodrigues é uma estudante de 19 anos, com menos de dois anos de habilitação. Falou sobre sua preocupação em relação ao trânsito das charretes.

– Eu acredito que prejudicam o fluxo do trânsito, além de colocar em risco a segurança dos pedestres, motoristas e ciclistas provocando acidentes.  Em horários que o movimento nas ruas da cidade é maior, principalmente, não respeitam cruzamentos, placas e faixas de pedestre. Mas, como é um meio de trabalho que gera renda informal para as famílias das quais necessitam desse salário, seria ideal que os fiscais de trânsito instruíssem essas pessoas como devem se locomover em meio ao trânsito, forneçam equipamentos de sinalização e que organizassem um horário, no qual o fluxo de carros nas ruas é menor.

Provavelmente todos esses problemas com carroças e a maioria dos problemas do trânsito em geral, seriam resolvidos com uma medida por parte de toda população: o bom senso. Se houvesse o respeito entre todos, seja os motoristas com o carroceiro ou o carroceiro com seu animal, muitos problemas abordados ao longo dessa reportagem não existiriam. Enquanto o bom senso for deixado de lado, iremos conviver com a falta de respeito entre todos os presentes no trânsito diariamente. E o panorama que se anuncia não é dos melhores. Com cada vez mais carros, mais carroças e mais pedestres, sem uma solução em conjunto de todas as partes envolvidas, caminhamos a passos largos para o caos total.

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