A selvageria humana também veste uniformes colegiais
“Yellowjackets” é uma série com temática de sobrevivência, com muito mistério e brutalidade e questionamentos
Por Jaime Lucas Mattos / Em Pauta
A série conta a história de um grupo de adolescentes jogadoras de um time de futebol escolar, chamado Yellowjackets, que estão prestes a disputar o campeonato nacional em outra cidade. As jovens viajam de avião para competir, no entanto, o voo passa por problemas e o avião cai em uma floresta remota. Perdidas nessa floresta por 19 meses, as adolescentes são forçadas a sobreviverem, recorrendo a recursos que questionam e ultrapassam a ética e a moral da civilização humana.
Além da história na floresta, que se passa em 1996, a série apresenta também a história de alguns sobreviventes do acidente, 25 anos depois. Nessa narrativa, quatro das jovens, agora adultas, estão passando por problemas e sendo ameaçadas, podendo pôr em risco o segredo que elas têm sobre o que aconteceu na floresta.
A narrativa fragmentada da série (passado e presente), junto ao mistério e às dúvidas sobre o que realmente aconteceu na floresta, dá um tom de curiosidade à trama. Os espectadores ficam presos frente à tela, tentando desvendar os mistérios que a série entrega.
A violência e a selvageria aparecem na série de forma brutal e chocante. A barbárie, que comumente é explorada nesse tipo de filme e série como uma característica de personagens masculinos, é explorada em “Yellowjackets” como uma característica humana: tanto homens quanto mulheres podem ser traumatizados e entregarem o pior da raça humana em situações remotas à civilização.
As adolescentes passam por situações perturbadoras, como a morte de colegas, e reagem de forma moralmente questionáveis para a sobrevivência individual, que pode chegar a atos como o canibalismo. Mas mesmo 25 anos após o acidente, os traumas do passado continuam extremamente presentes na vida dessas mulheres, mostrando que, mesmo estando reinseridas na civilização, elas ainda são capazes de terem atitudes selvagens como tiveram no passado.
A estrutura da premissa – menores de idade, acidente de avião, floresta remota, sobrevivência, construção de uma sociedade sob novas regras – lembra muito a história de “O Senhor das Moscas” (1954), livro de William Golding, que traz como personagens um grupo de meninos britânicos presos em uma ilha desabitada e sua tentativa desastrosa de organizar uma civilização entre eles. Essa premissa é resgatada e adaptada por várias produções ao longo do tempo, entre elas “Lost” (2004) e “The Society” (2019), mas o que torna “Yellowjackets” diferente de todas elas é o olhar feminino.
Através dessa perspectiva, “Yellowjackets” consegue contar a história de diferentes vivências femininas, como cada uma das mulheres lida com suas próprias questões e como o trauma reverbera em suas vidas.
A ambientação e a narrativa permitem que “Yellowjackets” brinque com o seu gênero televisivo. Além de ser um drama e um mistério muito bem construído, a série consegue trazer elementos do sobrenatural, com visões e aparições sem explicação lógica. A série não deixa claro se o sobrenatural realmente existe, já que a instabilidade psicológica das personagens é palpável, mas ela brinca com esses elementos.
Um dos destaques de “Yellowjackets” é a escolha e o preparo do elenco. Como é uma trama que trabalha com duas linhas do tempo – 1996 e 2021 – com as mesmas personagens, o elenco precisa ser muito bem escolhido. As atrizes que vivem duas versões – jovem e adulta – da mesma personagem conseguem ser parecidas tanto na aparência quanto nos trejeitos e entonações; o público fica convencido de que são a mesma pessoa. Algumas das duplinhas que interpretam a mesma personagem são: Melanie Lynskey e Sophie Nélisse (como Shauna); Tawny Cypress e Jasmin Savoy Brown (como Taissa); Christina Ricci e Samantha Hanratty (como Misty); e Juliette Lewis e Sophie Thatcher (como Natalie).
A série também resgata a nostalgia dos anos 1990, trazendo alguns elementos que remetem à época, como a trilha sonora, além de um elenco adulto com atrizes famosas dos anos 90, como Christina Ricci (“A Família Addams”) e Juliette Lewis (“Um Drink no Inferno”).
Para quem quiser conferir e se deliciar com essa trama cheia de mistérios, questionamentos, segredos, mortes brutais e uma grande dose de esquisitice, a série está disponível no Paramount+. A segunda temporada está sendo disponibilizada semanalmente, sempre às sextas-feiras.