A epidemia do século XXI: sete perguntas sobre o Transtorno de Ansiedade Generalizada

Doutor em psicologia e pesquisador da UCPel, Luciano Souza responde às questões sobre o TAG

Por Isabelli Neckel

Imagem: Katie Crawford, em série de registros sobre a vida com ansiedade.

Pense em seus familiares, amigos e conhecidos. Provavelmente algum deles, ou até mesmo você, foi diagnosticado com ansiedade nos últimos tempos. E o problema não é só mera impressão. Os números da OMS comprovam: o Brasil é o país que mais sofre com o problema no mundo. Por aqui, 9,3% da população da população possui algum transtorno de ansiedade, termo que abrange diversas patologias, como síndrome do pânico, fobia social, transtorno de ansiedade generalizada (TAG), entre outras.

Abaixo, falaremos especificamente sobre o TAG. Para isso, entrevistamos Luciano Souza, doutor em psicologia pela PUC-RS, professor do Programa de Pós-Graduação em Saúde e Comportamento da UCPel e pesquisador do transtorno de ansiedade generalizada. Mas atenção: este texto possui fins informativos e não deve ser usado, de forma alguma, como diagnóstico.

 

Em Pauta – O que diferencia a sensação normal de ansiedade e o TAG? O que indica que o comum se transformou em patologia?

Luciano Souza – A ansiedade é uma emoção. É muito importante para nosso funcionamento, para nossa sobrevivência, que a gente se sinta ansioso em situações de ameaça. Então, a ansiedade é uma emoção protetora e funcional que nos ajuda a sobreviver e ter uma melhor adaptação ao ambiente em que estamos inseridos. Já o transtorno de ansiedade generalizada, ou TAG, é quando essa ansiedade acaba se tornando excessiva, quando isso perdura no tempo independente do contexto. Se a pessoa fica mais de seis meses excessivamente preocupada ou ansiosa com diversas coisas (por isso o termo “generalizada”), pode-se começar a pensar em uma psicopatologia, no caso, o TAG. O problema tem os seguintes sintomas: preocupação e angústia difíceis de controlar, inquietação, cansaço, sensibilidade, irritabilidade, tensão muscular, dificuldade de concentração, problemas com o sono, entre outros. Além disso, para ser caracterizada como transtorno, a ansiedade deve prejudicar as relações pessoais, o trabalho, o dia a dia da pessoa como um todo.

 

EP – Os jovens são mais vulneráveis ao problema?

LS – Usualmente, a incidência é maior em adolescentes e jovens adultos. Antes, na infância e na adolescência inicial, a expressão da ansiedade é um pouco diferente, é mais vinculada às fobias e pontos de ansiedade específicos. Depois, na adolescência e no início da vida adulta, ela se torna generalizada. Nessa época, há maior incidência de novos casos. Depois, ao longo da vida adulta, é comum que a ocorrência desses transtornos se mantenha. Já no final da vida adulta e na terceira idade, isso vai diminuindo gradualmente.

 

EP – É possível se prevenir de alguma forma? Como?

LS – Sim. Com um estilo de vida tranquilo, que busque o bem-estar. Além disso, manter uma rotina de vida que inclua não abusar do álcool, não fumar, manter uma dieta saudável e praticar exercícios físicos regularmente. Isso tudo tem a ver com uma proteção da saúde em geral e acaba repercutindo também na proteção da saúde mental.

 

EP- Você acredita que nosso modo de vida atual, hiperconectado e acelerado, influencia no desenvolvimento do transtorno?

LS – Certamente, possui alguma relação para quem já tem ansiedade. Porque através das redes sociais e da forma online de se relacionar, nós acabamos tendo menos referências concretas dos relacionamentos, sejam eles pessoais ou profissionais. As referências acabam sendo preenchidas com a expectativa e a percepção que já temos sobre o mundo. Se já existe uma percepção de mundo mais ameaçadora, mais insegura da sua visão de si ou de maior vulnerabilidade nos laços afetivos, isso vai ser explicitado. Também há um maior número de informações e de situações em que a ansiedade pode acontecer ainda como emoção. Daí para ela virar um transtorno, depende da pessoa, de sua vulnerabilidade genética e experiências ao longo da vida. A vida conectada só faz crescer o número de situações potencialmente ansiogênicas e, talvez, para aqueles com maior vulnerabilidade, isso se torne um problema.

 

EP – Como você vê as terapias alternativas que estão surgindo e prometem curar a ansiedade? Por exemplo, reiki, “terapias quânticas”, auxílio de coaches, entre outras.

LS – Não há nenhuma evidência científica de que essas terapias terão algum tipo de eficácia sobre os transtornos. O que se tem são estudos científicos baseados em tratamentos farmacológicos e várias formas de psicoterapias, que são modelos de intervenção validados empiricamente para serem considerados eficazes nesse tipo de problema. Quanto a essas terapias citadas, desconheço que existam evidências científicas que sustentem ou apoiem esse tipo de prática. Talvez para uma pessoa em particular isso possa ajudar, mas muito mais como afinidade filosófica ou de senso comum do que efetivamente como uma técnica científica.

 

EP – O TAG pode levar ao suicídio?

LS – Pode, porque é altamente desgastante, faz com que a pessoa entre em um estado de desespero, de desesperança. Nesse estado, ela não enxerga solução para o final da angústia e, muitas vezes, o comportamento suicida tem a finalidade de terminar com esse sofrimento, numa perspectiva idealizada da morte como um alívio. E isso, evidentemente, é uma percepção distorcida. Essas pessoas devem buscar tratamento.

Fonte: Artigo Risco de suicídio em jovens com transtornos de ansiedade: estudo de base populacional”.

 

EP – Em Pelotas, em que locais se pode buscar tratamento adequado?

LS – Quanto ao sistema público de saúde, existem os CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) para casos mais graves. Dependendo do resultado da avaliação feita, se é considerado um caso grave, eles acolhem a pessoa e providenciam o atendimento psicossocial mais adequado. Também há o Ambulatório de Saúde Mental, para casos moderados e leves. E as próprias UBS (Unidade Básica de Saúde) também costumam ter algum tipo de acompanhamento em saúde mental. Além disso, tem a rede privada. Buscar ajuda de profissionais credenciados, especialmente psicólogos e psiquiatras, é o mais indicado para um tratamento especializado.

Fontes: Programa de Pós-Graduação em Psicologia da PUC-RS; Organização Mundial de Saúde (OMS); Portal Drauzio Varella.

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