Existe data de validade para uma grande franquia?

Protagonizado por Melissa Barrera e Jenna Ortega, “Pânico VI” renova sua imagem, mas sem deixar de apostar em zona segura

Por Jaime Lucas Mattos / Em Pauta

Pôster nacional do filme / Imagem: Divulgação/Paramount Pictures Brasil

27 anos após a estreia do primeiro filme, a franquia “Pânico” mostrou que ainda tem história para contar e lançou o seu sexto filme nos cinemas ao redor do globo. Com um elenco de peso, misturando nomes antigos com novos talentos, a franquia demonstra que, com um pouco de força de vontade – de encher o bolso de grana -, pode-se prolongar a vida de uma história que teria tudo para se tornar repetitiva.

Dirigido pela dupla Matt Bettinelli-Olpin e Tyler Gillett (responsáveis por “Casamento Sangrento”, de 2019), “Pânico VI” segue a história do filme anterior, com as irmãs Sam (Melissa Barrera) e Tara (Jenna Ortega) tentando deixar no passado os ataques do assassino na pequena cidade de Woodsboro. As irmãs, e seus amigos sobreviventes do massacre, decidem viver em uma cidade maior, em Nova York, devido à maior segurança, além dos estudos universitários de alguns dos personagens. No entanto, não demora muito para que o passado retorne para atormentar as irmãs e o novo grupo de amigos. 

Neste filme, acompanhamos a jornada de Sam, que vem lidando com ataques virtuais, ocasionados por conspirações na internet, que indicam que ela foi a assassina nos eventos do ano anterior, e que ela teria manipulado tudo para incriminar outra pessoa em seu lugar. Esse fator resulta em que Sam seja a principal suspeita do novo ataque, impedindo que ela saia da cidade para proteger a si mesma e à irmã.

Drew Barrymore na cena de abertura do clássico “Pânico” (1996) / Imagem: Reprodução/Dimension Films

Para falar de “Pânico VI”, é impossível ignorar todo o histórico da franquia, afinal o próprio filme referencia diversos momentos dos filmes anteriores. “Pânico” é uma das franquias de filmes de terror mais influentes da cultura pop.

Criado por Wes Craven e com roteiro de Kevin Williamson, o primeiro “Pânico” (1996) foi um sucesso de bilheteria, em uma época em que os filmes de terror slasher já não tinham o mesmo prestígio da década anterior.

“Pânico” lançou uma estrutura diferente, apesar de muito similar ao que já era feito. Ao mesmo tempo que mantinha os clichês dos filmes de terror, o filme debochava do próprio gênero. Conhecido por trabalhar com a metalinguagem (fala sobre os clichês dos filmes de terror sendo autoconsciente de que também é um filme do mesmo gênero), “Pânico” acabou subvertendo o que se esperava de uma produção de terror slasher.

Desde o início, o fator surpresa foi um dos pontos principais que deu fama à franquia. Com uma campanha de marketing bem posicionada para a década de 1990, Drew Barrymore foi apontada como a protagonista do filme em todos os materiais promocionais. Quando o espectador chegou à sala de cinema, no entanto, não soube mais o que esperar do filme: a suposta protagonista é assassinada na primeira sequência.

Essa primeira sequência, aliás, se tornou uma marca clássica da franquia. Todos os filmes seguintes começam com uma cena de abertura, normalmente com uma mulher atendendo o telefonema do assassino, sendo perguntada sobre “qual o seu filme de terror favorito?”, entrando em um jogo sádico cuja finalidade é a luta pela sobrevivência. Além disso, a máscara e o visual do “Ghostface” se tornaram um grande símbolo na cultura pop.

A clássica frase “qual o seu filme de terror favorito?” pichada em muro no sexto filme / Imagem: Reprodução/Paramount Pictures

Com o sucesso do primeiro filme, a produtora decidiu fazer uma trilogia. Nos anos seguintes, chegariam ao público “Pânico 2” (1997) e “Pânico 3” (2000). A estrutura seguia sendo a mesma, com algumas modificações aqui e ali, só para dizer que teve algo de diferente. O segundo filme manteve uma boa qualidade, enquanto o terceiro não fez juz ao que foi construído nos primeiros filmes. A história, então, tinha se encerrado. Ou não.

Em 2011, Craven e Williamson se juntaram novamente e reviveram a história, trazendo o elenco clássico, misturado com atores e atrizes famosos da época, como Emma Roberts, Hayden Panettiere e Adam Brody. Com uma boa construção, “Pânico 4” se tornou um favorito dos fãs, por mais que a bilheteria não tenha alcançado o sucesso dos filmes anteriores. A bilheteria, aliás, foi fator decisivo para que não houvesse uma sequência.

Após a morte, em 2015, do diretor Wes Craven, grande idealizador dos filmes do Ghostface, uma sequência não era mais imaginada. Afinal, o que seria de “Pânico” sem o seu pai?

Essa pergunta seria respondida anos depois, em 2022. Após uma pandemia que afetou a indústria do entretenimento em nível global, os diretores Matt Bettinelli-Olpin e Tyler Gillett entregaram a nova sequência. Intitulado apenas como “Pânico” (2022), em busca de um novo público-alvo, o quinto filme da franquia foi chamado – por ele mesmo – como um “requel”: o filme que recomeça uma franquia com uma nova história, mas sem apagar tudo o que foi feito antes.

Nesse novo esquema, a protagonista da quadrilogia anterior, Neve Campbell (que interpreta Sidney Prescott), passou a ser mera coadjuvante; enquanto Melissa Barrera assumiu o posto de protagonista da franquia. A fórmula funcionou e o novo “Pânico” arrecadou 137 milhões de dólares no mundo inteiro em bilheteria, dando novo fôlego ao título.

Elementos de Nova York, como o metrô, são utilizados inteligentemente para causar tensão no público / Imagem: Reprodução/Paramount Pictures

Após mais um banho de sangue no quinto filme, que ainda manteve aquelas mesmas características clássicas – apenas com uma nova roupagem –, “Pânico VI” precisava se reinventar e trazer algo diferente. O novo filme apostou na brutalidade para ser o seu principal pilar.

As cenas de perseguição e de assassinato agora são mais violentas. Muita tensão é adicionada à trama, e de forma que até brinca com a oposição: dá para sentir a tensão tanto em cenas em lugares vazios quanto nas que têm multidões; tanto em apartamentos grandes quanto pequenos. A cidade de Nova Iorque é aproveitada em alguns momentos para construir algumas dessas cenas, como o uso do metrô e dos becos característicos da cidade.

As sequências de perseguição de “Pânico VI” são muito boas também, em especial a sequência do apartamento com a escada (sem mais detalhes para não entregar spoiler). A sonoplastia nos ataques do Ghostface também ajuda a fazer o público sentir a violência, como quando ouvimos os sons da faca penetrando a pele das vítimas.

A brutalidade e violência do Ghostface é maior nesse filme. Na imagem, o vilão empunhando uma arma de fogo / Imagem: Reprodução/Paramount Pictures

Com a brutalidade, o filme tenta parecer mais ousado, como se estivesse se diferenciando dos filmes anteriores. Ele até tenta, no próprio monólogo metalinguístico, causar um sentimento de que “ninguém está seguro”. No entanto, o sexto filme não ousa tanto assim, já que não tem a coragem de matar quem deveria. O filme anterior é muito mais atrevido.

A metalinguagem neste filme não funciona tão bem. Depois de 5 filmes que utilizam desse mesmo recurso, o estoque do que poderia ser dito já esgotou. A explicação de Mindy (Jasmin Savoy Brown) sobre o que seria um novo filme de uma franquia não tem muito sentido e soa forçada. Apesar disso, o filme tenta agradar os fãs, que gostam da inserção de uma metalinguagem.

Jenna Ortega domina bem suas expressões faciais, dando veracidade ao medo de sua personagem / Imagem: Reprodução/Paramount Pictures

Sobre o elenco, vale destacar o desempenho exemplar de Jenna Ortega. A atriz, no auge de seu sucesso, interpreta Tara com muita vivacidade; podemos sentir o medo no seu olhar, sem precisar de “caras e bocas” para externalizar o óbvio.

Melissa Barrera tem um desempenho muito melhor que no filme anterior. Mesma coisa para Jasmin Savoy Brown e Mason Gooding, que completam o quarteto do filme de 2022.

Uma adição muito especial para os fãs foi a de Hayden Panettiere, reinterpretando Kirby, uma das sobreviventes do quarto filme. A personagem é querida pelos fãs e teve um grande retorno, tendo um bom tempo de tela.

Se o retorno de Hayden foi satisfatório, não dá para dizer o mesmo para o de Courteney Cox, que interpreta Gale Weathers desde o primeiro filme. A participação da atriz não tem sentido na trama, é descartável, e serve apenas para fazer uma desnecessária conexão com a narrativa do elenco original.

A ausência da antiga protagonista, Neve Campbell – que teria recusado fazer parte do filme por não se sentir valorizada com o salário proposto pela Paramount –, não é muito sentida. O filme já tem uma história que é suficiente por si só, não precisa mais estar se apegando aos personagens originais para prosseguir.

A personagem Sam Carpenter é muito interessante como nova protagonista. A jovem é psicologicamente abalada, o que nos faz questionar sua sanidade mental em alguns momentos. Esse recurso deixa a personagem com uma camada a mais e com uma chance maior de enfrentar o assassino sem escrúpulos.

Parte do elenco dessa nova geração de “Pânico” / Imagem: Reprodução/Paramount Pictures

A revelação do Ghostface no sexto filme não é muito satisfatória. Existe um enredo nonsense por trás, que pode estragar a experiência de quem nunca viu um filme da franquia. Para quem já é fã, o final mirabolante com motivações falhas do assassino já é esperado, em vista de que os filmes anteriores também tiveram finais nesse estilo. Provavelmente, as melhores revelações de Ghostface da franquia tenham sido as do primeiro e quarto filmes.

Em resumo, “Pânico VI” é um filme que resgata a nostalgia do fã, buscando inúmeras referências dos filmes anteriores, enquanto tenta conquistar um novo público apaixonado por filmes slasher, trazendo um elenco novo e uma maior brutalidade, que dão novo fôlego a história.

Respondendo a pergunta do título: não existe uma data de validade para uma grande franquia. Não apenas “Pânico”, mas outras franquias também nos mostram que uma ideia interessante, junto ao apelo do público, podem manter uma história por décadas no centro da cultura pop. Se algum filme der errado, deixe passar alguns anos e a nostalgia falará mais alto no coração do público.

No mundo da hiperprodução de conteúdo, ter um título valioso como “Pânico” é garantia de longa vida de sucesso.

“Pânico VI” ainda está em cartaz nos cinemas brasileiros.

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