Escola de Restauração faz sua aula inaugural

Projeto busca formar profissionais comprometidos com a preservação de patrimônios históricos   

Por Júlia Radmann e Maria Eduarda Santos     

 

                    Renato Sivoldi, Carmen Vera Roig e Simone Neutzling  conversaram com  entusiastas da área                    Fotos: Carlos Queiroz/QZ7 Filmes

 

Com aulas presenciais na Catedral São Francisco de Paula de Pelotas, a Escola de Restauração – uma iniciativa da Perene Patrimônio Cultural e Ambiental – une o antigo e o novo. O principal objetivo da escola é formar profissionais comprometidos com a preservação da história do nosso estado. A aula inaugural, realizada no dia 17 de maio, marcou oficialmente o início das atividades da Escola de Restauração. O encontro foi uma contrapartida de um projeto ainda maior: a restauração da Catedral de Pelotas. A atividade reuniu estudantes, profissionais e entusiastas da área do patrimônio. As aulas foram ministradas por Simone Neutzling, mestre e doutoranda em Memória Social e Patrimônio Cultural.

Transformando os patrimônios históricos em verdadeiras salas de aula, a Escola de Restauração se preocupa com o futuro e com as histórias que esses prédios carregam. Seguindo a metodologia do IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) e do IPHAE (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado), a escola oferece formação teórica e técnica para estudantes e profissionais de arquitetura, engenharia, conservação, edificações e demais interessados. Mais do que capacitar, a proposta é sensibilizar para a importância da preservação da memória coletiva.

Durante a aula, Simone explicou como serão organizadas as atividades do projeto e destacou a relevância dessa iniciativa para Pelotas. “É uma cidade que tem tudo para se destacar na economia criativa – e essa economia pode surgir a partir do patrimônio. Mas, para isso, a gente precisa desenvolver um ecossistema do patrimônio. Tem que ter o projeto de restauração, a obra de restauração e pessoas capacitadas para fazer tudo isso”, afirma a arquiteta.

 

Encontro propôs o desenvolvimento da economia criativa através de um olhar para o patrimônio das cidades

 

Esse primeiro momento foi pensado justamente para apresentar a importância desse trabalho a quem participa do projeto, mostrando o quanto é necessário que mais profissionais – de diversas áreas – tenham esse tipo de vivência. Renato Savoldi, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado (IPHAE), reforçou essa ideia: “Estamos aqui e em áreas muito ligadas à memória e ao patrimônio. É isso que a gente busca: a transmissão de experiência”.

Com mais de 110 inscritos apenas na etapa da Catedral de Pelotas, a ação já mostra o quanto é necessária – e bem recebida. A aula inaugural foi só uma amostra do que vem pela frente para quem se inscreveu, tanto aqui em Pelotas (na Catedral São Francisco de Paula e na Paróquia Sagrado Coração de Jesus – Igreja do Porto) quanto em Jaguarão (na Igreja Imaculada Conceição) e em Arroio Grande (na Capela de Santa Isabel).

As aulas, que seguirão até o mês de setembro, representam um novo marco na formação de profissionais dedicados à conservação do patrimônio histórico do estado – e, principalmente, da nossa cidade. A Escola de Restauração se firma como um espaço de aprendizado e troca que olha para frente, mas sem nunca deixar a memória para trás.

PRIMEIRA PÁGINA

COMENTÁRIOS

 

Voltar

Sua mensagem foi enviada

Aviso
Aviso
Aviso

Atenção.

“Cassino” (2024) é um retrato cru e sensível da juventude à deriva

Com realismo reconhecível para quem é da região, o filme de Gianluca Cozza revela o vazio e a resistência de quem vive o Balneário Cassino fora da temporada   

por Maria Clara Goulart   

 

História fala de um lugar para além dos rótulos turísticos           Fotos: Divulgação

 

O silêncio que toma conta do Balneário Cassino no inverno não é apenas climático: ele se infiltra nas calçadas vazias, nas casas fechadas à espera da próxima temporada e na paisagem estagnada de uma cidade que, fora do verão, parece suspensa no tempo. Cassino, o maior balneário do mundo em extensão, é também um lugar de contrastes, entre a agitação da alta temporada e a inércia do resto do ano, entre as casas dos veranistas e os bairros mais afastados onde vivem os que ficam o ano inteiro. Apesar de não ser um documentário, o filme de curta-metragem “Cassino” apresenta um realismo reconhecível para quem é desta região do Rio Grande do Sul: cada plano parece extraído do cotidiano, como se o diretor tivesse captado o que há de mais íntimo e inconfundível na experiência de viver ali.

É desse segundo “Cassino”, muitas vezes invisível nas narrativas turísticas, que vêm Daniel, Tando e Soninho. Moradores da cidade, incorporam uma juventude que convive com o excesso de ociosidade, com a distância simbólica em relação aos privilégios que as casas de veraneio representam e com a vontade, ainda difusa, de emergir. Em “Cassino”, dirigido por Gianluca Cozza, acompanhamos os três em suas caminhadas noturnas, quando invadir residências se torna uma espécie de passatempo, não por necessidade, mas por tédio, curiosidade e uma busca silenciosa por algo que não sabem nomear.

O filme se estrutura de forma fragmentada, sem um arco narrativo tradicional, como se refletisse a própria rotina dos personagens. Eles andam, conversam, dividem cigarros, contam histórias e revelam frustrações. E é nesse fluxo aparentemente banal que “Cassino” revela sua densidade: um retrato sem adornos da juventude periférica em suspensão, à espera de algo que talvez nunca venha.

Os diálogos, por vezes marcados por grosseria e humor áspero, são atravessados por um vocabulário típico de seu entorno. Não se trata apenas de brutalidade emocional, mas de um modo de se expressar condicionado pela realidade em que vivem, por uma cultura pela qual a dureza é aprendida cedo e a sensibilidade tem pouco espaço para se manifestar. Há, nos personagens, uma mistura de indiferença e inquietação que parece comum a muitos papareias, moradores do extremo sul do país. Entre eles, a ideia de sair da cidade, de tentar a vida em outro lugar, costuma ser vista não só como um desejo, mas como o único caminho possível para escapar da rotina repetitiva, da falta de perspectivas e da sensação de que nada muda.

A breve viagem de Soninho a São Paulo reforça essa tensão: é uma tentativa de deslocamento físico e simbólico, de sair da condição em que está, ainda que sem saber bem o que encontrar do outro lado. Esse gesto de fuga dialoga diretamente com as invasões de casas: adentrar espaços que não lhes pertencem é, em alguma medida, experimentar outras possibilidades de vida, mesmo que de forma provisória, silenciosa, quase clandestina.

 

Filme reflete rotina dos personagens que vivenciam seus sonhos, desafios e contradições

 

Por fim, Soninho revela o motivo de sua volta ao Rio Grande, momento em que a conversa toma outro rumo. Ele conta, com um certo constrangimento, que a viagem não saiu como esperado, em parte por causa de uma desilusão amorosa. Mas em vez de zombarem ou reforçarem o fracasso, seus amigos o acolhem, dizendo que ele não deveria ter saído e que vão ajudá-lo a reconstruir a vida ali mesmo, no Cassino. É um momento de escuta e apoio, que rompe, mesmo que brevemente, o código da camaradagem masculina.

A ambientação é um dos grandes trunfos da obra. As ruas vazias, filmadas à noite com luz natural e planos longos, traduzem um sentimento de desamparo e familiaridade. Há uma estranheza reconhecível ali: quem já caminhou pelo Cassino fora de temporada sabe o que é estar sozinho entre quarteirões apagados. A praia, curiosamente, mal aparece, e essa ausência parece proposital. O filme não quer retratar o balneário como destino turístico, mas como um espaço de intervalo, onde o vazio se torna paisagem predominante.

“Cassino” é, acima de tudo, um filme sobre o inverno, não apenas o do clima, mas o das relações, das oportunidades, das perspectivas. Um tempo de hiato em que a juventude se desloca lentamente, à deriva. Gianluca Cozza aposta em uma narrativa econômica, sem respostas fáceis nem grandes reviravoltas, sustentada por uma observação atenta e sem filtros. Seus personagens não são heróis nem vilões, mas jovens atravessando um espaço e um tempo que pouco lhes oferecem.

 

Ficha Técnica:

Direção: Gianluca Cozza

Produção: João Fernando Chagas, Nica Maleoa, Pedro Guindani

Roteiro: André Berzagui, Eleonora Loner, Gianluca Cozza

Montagem: André Berzagui

Direção de Arte: Luciana Abbud, Richard Tavares

Empresa(s) produtora(s): Saturno Filmes

Elenco: Leandro Gomes, Daniel Guimarães, Anderson Campos

 

PRIMEIRA PÁGINA

COMENTÁRIOS

 

Voltar

Sua mensagem foi enviada

Aviso
Aviso
Aviso

Atenção.

Edneia Brazão traz o talento cabo-verdiano para o sul do Brasil

Das festas da infância à trilha premiada no Festival de Gramado: a jornada musical da cantora e compositora   

Por Isadora Jaeger    

 

Artista mescla em seu repertório músicas do seu país de origem e de outras nacionalidades       Foto: Acervo Pessoal 

 

Edneia Brazão é uma artista de 25 anos, natural de Cabo Verde, na África. Formada em Ciências Musicais pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel), ela atua como professora de canto, compositora e artista independente. Com o desejo de levar a cultura cabo-verdiana ao mundo, a cantora incorpora em sua arte elementos da música africana, que hoje compartilha com o público brasileiro por meio de suas canções.

Nascida na Cidade da Praia, na Ilha de Santiago, Edneia passou grande parte de sua infância na Aldeia SOS, onde viveu desde os quatro anos. A instituição, presente em mais de 130 países e territórios, com cerca de 570 unidades no mundo, oferece acolhimento a crianças e adolescentes que perderam ou estão em risco de perder o cuidado parental. Apesar de ter crescido na Aldeia, Edneia manteve contato com sua família biológica, parte de sua inspiração, já que cresceu cercada da música tradicional cabo-verdiana. Ela conta que, aos três anos de idade, fugia de casa para dançar em festas da vizinhança, mesmo sabendo da desaprovação da mãe.

O desejo de estudar no Brasil surgiu enquanto estava na instituição. Edneia conheceu o Brasil por meio das telenovelas e ficou encantada com o país. Ela conta que é comum os cabo-verdianos mudarem de localidade para cursar a faculdade, e que a Aldeia SOS incentivava as crianças a pensarem nos seus planos para o futuro. Desde então, seu interesse pelo Brasil virou assunto nos encontros do Plano de Desenvolvimento da Criança. No final do seu ensino médio, foi a visita da Embaixada do Brasil na feira de profissões que lhe aproximou de seu sonho. A partir disso, ela decidiu se preparar melhor: embora já dominasse o português desde a infância, seu contato com a língua era com o português falado de Portugal, o que exigiu uma adaptação ao vocabulário e às expressões brasileiras, já que algumas palavras têm significados diferentes ou, conforme o caso, até ofensivos no Brasil.

Após concluir seus estudos em Cabo Verde e ser aprovada para estudar no Brasil, aos 18 anos, Edneia ingressou no curso de Bacharelado em Ciências Musicais da UFPel, em Pelotas, no qual desenvolveu seus talentos e encontrou oportunidades para expandir sua carreira artística.

Apaixonada pelos ritmos cabo-verdianos, a artista cita como referências artísticas nomes Ildo Lobo, Mayra Andrade e Sara Tavares, cantora portuguesa de ascendência cabo-verdiana que foi peça fundamental no movimento da “nova música africana”. Com canções cantadas em português, crioulo cabo-verdiano e inglês, a obra de Sara Tavares auxiliou na construção da mescla de culturas nesse novo gênero.

Segundo Edneia, sempre que ela tem a oportunidade, ela apresenta a música cabo-verdiana, já que é uma manifestação cultural que tem muito a oferecer. “Eu acho que é uma forma de as pessoas conhecerem a cultura cabo-verdiana sem estar lá, sem estar presente em cada dança, em cada batimento de um tambor (…) Eu quero muito mostrar isso para o Brasil. É uma das coisas que eu tenho como objetivo da minha vida e que eu espero concretizar”, diz.

Na última semana de maio, Edneia fez apresentações em dois eventos comemorativos da Semana da África. Um deles a Terceira Edição da Semana da África do Coletivo de Estudantes na Universidade Federal do Rio Grande (FURG), na cidade do Rio Grande, e a Semana Africana de Pelotas. Em ambas ocasiões, ela interpretou canções de ritmos africanos, especialmente ritmos cabo-verdianos como a morna e a coladeira.

 

Apresentação no evento do Coletivo de Estudantes Africanos em Rio Grande             Foto: Acervo Pessoal

 

Embora levante a bandeira de Cabo-Verde com orgulho, Edneia também usa de inspirações de diversas culturas em sua arte. Ela acredita na música como uma linguagem universal, e sua paixão por outros idiomas faz com que ela busque sonoridades em diversos outros países. Sua admiração pelo pop norte-americano também se faz presente em seu repertório, com nomes como Whitney Houston, Beyoncé e sua favorita: Taylor Swift.

Assim como sua maior inspiração, Taylor Swift, Edneia nutre uma paixão profunda pela composição. Seu repertório autoral inclui canções como “Love Alwayse “Made My Way, parceria com a artista Taís Dewulf, ambas disponíveis no YouTube. “Eu escrevo muito o que eu sinto, o que eu passo. Eu tento trazer o que eu vivo na minha música”, diz.

No entanto, engana-se quem pensa que as conquistas de Edneia param por aqui. Suas habilidades como intérprete e compositora abriram ainda mais portas para a cultura africana no sul do Brasil. Por meio de um curta-metragem premiado, Edneia encontrou mais uma oportunidade de mostrar parte de suas raízes.

 

Edneia recebe prêmio de Melhor Trilha Sonora no 52º Festival de Gramado Foto: Edison Vara/Agência Pressphoto/Divulgação

 

O curta-metragem “Não Tem Mar Nessa Cidade, dirigido por Manu Zilveti e protagonizado por Edneia e Paulo N’Dermei, conquistou o prêmio de Melhor Trilha Sonora no 52º Festival de Cinema de Gramado. A trilha sonora, assinada por Pedro Erler, conta com a voz de Edneia nas canções. Em seu website, Pedro conta que Edneia lhe apresentou ritmos e artistas cabo-verdianos ao longo do processo de composição.

Edneia destaca que a participação no curta surgiu de forma inesperada, através de uma indicação de um amigo por meio das redes sociais, mas aceitou o desafio. “Eu sempre gostei muito da atuação. Quando era pequena, vivia brincando de atuar”, relembra. “Gosto muito dessa área, e quando recebi o convite, aceitei na hora. A gente fez um filme muito bacana — e agora ele está aí, no mundão.”

Enquanto desenvolve sua carreira, a artista não perde oportunidades de trabalhar com o que ama, seja música ou atuação, e já conta com mais uma produção nas telonas. Edneia protagonizará mais um curta-metragem com estudantes da UFPel, começando as gravações neste mês.

PRIMEIRA PÁGINA

COMENTÁRIOS

Muito legal conhecer a história da Edneia. Admirável a sua coragem, para buscar a realização de seus sonhos, apesar de tantas dificuldades pessoais. Excelente matéria jornalística.

Ana Maria Fuhro Louzada

Amei, matéria linda! 👏🏻👏🏻

Artur Prado

Voltar

Sua mensagem foi enviada

Aviso
Aviso
Aviso

Atenção.

Competição de filmes de curta-metragem está com inscrições abertas

Festival de Cinema de Três Passos será em novembro e aceita cadastro de filmes até dia 16 de julho

 

Tradicional Cine Globo,  que comemora 70 anos, será novamente grande palco do evento    Foto: Carlos Grün

 

Localizada no noroeste do estado do Rio Grande do Sul, Três Passos prepara-se para sediar a sétima edição do seu evento cinematográfico que virou símbolo da cidade, marcado para as datas de 4 a 8 de novembro de 2025. O Festival de Cinema de Três Passos recebe inscrições gratuitas de curtas nacionais e internacionais até o dia 16 de julho,  exclusivamente no site cinematrespassos.com.br.

Na mostra competitiva, poderão se inscrever curtas produzidos no território brasileiro e também em países estrangeiros. Os curtas selecionados concorrem em 17 categorias, 16 avaliadas pelo Júri Oficial e uma pelo Júri Popular. Já a parte não competitiva vai reunir títulos não selecionados para a mostra principal, o Projeto #Cidade Cinematográfica 5 e produções locais e de municípios da região. 

Serão aceitos filmes produzidos a partir de 1º de janeiro de 2023 e finalizados até a data da inscrição, e que não tenham sido exibidos na edição anterior do festival. A duração máxima deve ser de até 20 minutos (incluídos os créditos) e legendas obrigatórias em português, como recurso de acessibilidade. Filmes em outros idiomas devem ter legendas em português.

O evento recebe produções de todos os gêneros, com temática livre, exceto filmes institucionais, publicitários e videoclipes. Contudo, o festival favorece produções com assuntos como sustentabilidade ambiental e direitos humanos. Não há limite de número de filmes por realizador. É desejável que os filmes contenham uma das medidas de acessibilidade.

Com a temática Lugar de Memórias, o Festival de Cinema de Três Passos reuniu em sua mais de meia década de atividade mais de 600 obras exibidas. Em sua nova edição, consolida o propósito de ser o depositário/confidente das muitas histórias, dos sensíveis olhares, da diversidade de vozes e de visões de mundo trazidas por realizadores.

 

Noite de entrega dos prêmios é o momento mais esperado pelos participantes   Foto: Rudineia El Haijar

 

A projeção acontece no telão do Cine Globo, lugar-memória que resiste há 70 anos. O tradicional cinema de rua de Três Passos será novamente o grande palco do evento. Os vencedores receberão o Troféu Levy, que homenageia Alberto Abrahão Levy, fundador da sala em 1948. Com determinação e perseverança, seu legado foi mantido por gerações de sua família.

A programação, com entrada franca, é composta também por debates, cerimônia de premiação e outras atividades. A realização é do Movimento Pró-Arte, com apoio da Prefeitura Municipal de Três Passos e financiamento do IECINE, Pró-cultura, Governo do Estado do Rio Grande do Sul, Lei Paulo Gustavo, Ministério da Cultura, Governo Federal Brasil União e Reconstrução. Contatos pelo Facebook e pelo Instagram.

PRIMEIRA PÁGINA

COMENTÁRIOS

 

Voltar

Sua mensagem foi enviada

Aviso
Aviso
Aviso

Atenção.

Documentário “Doutor Araguaia” será exibido no YouTube dias 24 e 25 de junho

Produção feita no estado do Tocantins recupera a história de vida de João Carlos Haas Sobrinho, médico desaparecido durante a ditadura militar      

 

Formado na UFRGS, João Carlos atuou junto às comunidades camponesas sem assistência   Fotos: Divulgação

 

Nos dias 24 e 25 de junho, será exibido no YouTube o documentário “Doutor Aruaguaia”, com a história de João Carlos Haas Sobrinho, um dos desaparecidos durante a Ditadura Militar no Brasil (1964-1985). Ele ousou em lutar por justiça em tempos de silêncio e medo. A disponibilidade on-line do documentário será em homenagem ao seu aniversário. Será exibido no canal do YouTube @TGEconomiaCriativa, resgatando a memória do médico desaparecido pela ditadura e eternizado como símbolo de coragem, solidariedade e resistência.

Produzido no Tocantins e dirigido por Edson Cabral, o filme resgata a trajetória do jovem gaúcho que trocou os consultórios da elite por um hospital improvisado no interior do Maranhão e, mais tarde, se tornou o médico da Guerrilha do Araguaia, até ser morto pelo regime militar em 1972. Seu corpo nunca foi encontrado.

Um dos destaques do filme é a trilha sonora original, com composições interpretadas por artistas do Tocantins. Entre elas, emociona especialmente a “Canção das Forças Guerrilheiras do Araguaia”, na voz potente de Nacha Moretto e Jorge Menares. Igualmente o filme conta com músicas gaúchas, de Raul Ellwanger e arranjo de César Haas.

 

A luta de Sônia Maria Haas pela memória do seu irmão foi uma inspiração para o documentário

 

Reconstituição da história

Se estivesse vivo, João Carlos Haas completaria 84 anos no dia 24 de junho e teria salvo ainda mais vidas, destaca Sônia Haas, irmã do médico. “Conforme a apuração e as entrevistas feitas para o filme, descobrimos que João pôde, mesmo com recursos precários, cuidar e salvar um número incontável de vidas entre 1964 e 1972. Sua atuação fez com que fosse amado e respeitado pelos camponeses que, além da pobreza, também sofriam diretamente com as arbitrariedades e descaso do regime de exceção”, destaca.

Com gravações realizadas em São Leopoldo, Porto Alegre, São Paulo, Porto Franco, Xambioá, Palmas e Salvador, o filme é um mergulho na vida de João Carlos. Produzido pela TG Economia Criativa e MZN Filmes, o projeto foi contemplado pela Lei Paulo Gustavo e conta com apoio cultural das Prefeituras de São Leopoldo (RS) e Porto Franco (MA), além do apoio institucional da Fundação Maurício Grabois.

Ao longo de 36 meses de produção, a obra reúne depoimentos emocionantes de pacientes, ex-guerrilheiros, camponeses, amigos, estudiosos e lideranças políticas como José Genoíno, Jussara Cony e Zezinho do Araguaia. Mas é a presença firme e comovente de Sônia Maria Haas, irmã de João Carlos, que conduz a narrativa. Ela tornou-se colaboradora e inspiração para o diretor do documentário, pois dedica-se há quase cinco décadas, à busca pela verdade sobre o irmão desaparecido. Junto com seu companheiro Odilon Camargo, ela tornou-se uma grande amiga do diretor. “A amizade com Sônia e Odilon foi um divisor de águas para este projeto. O amor deles pelo João Carlos ajudou a transformar dor em memória e saudade em resistência”, destaca Edson Cabral.

A estreia no YouTube acontecerá em 24 e 25 de junho, e os interessados poderão assistir gratuitamente nesses dois dias. Depois disso, o link ficará como não listado e só poderá ser acessado mediante solicitação à produção pelo email: ecabral.to@gmail.com.

Além da exibição virtual, o filme já teve estreias presenciais em diversas cidades do Brasil e do exterior, incluindo uma primeira sessão especial em São Leopoldo, no Shopping Bourbon, com debate com o diretor e Sônia Haas. Houve sessões especiais em Porto Alegre, na Sala Redenção da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Também foi produzida um livro de história em quadrinhos com a reconstituição da vida de João Carlos, com autoria dos ilustradores Diego Moreira e Gabriel Kolbe, lançado em 2023.

Para marcar a data, o canal convida grupos, coletivos, escolas e instituições em diferentes pontos do Brasil e do exterior a organizarem exibições públicas, registrando o momento com fotos, vídeos e depoimentos nas redes sociais. “A proposta é criar uma corrente de memória coletiva, dando visibilidade à luta de João Carlos e de tantos outros invisibilizados pela repressão”, ressalta Cabral.

 

Livro em linguagem de histórias em quadrinhos foi lançado em 2023

 

Sobre João Carlos Haas

Nascido em São Leopoldo (RS), João Carlos teve formação jesuíta, brilhou como estudante da UFRGS e foi presidente do centro acadêmico. Após o golpe militar, foi preso por sua liderança estudantil e, ao sair da prisão, iniciou uma trajetória de dedicação à medicina social. Viveu em Porto Franco (MA) e Xambioá (TO), onde salvou centenas de vidas com atendimento gratuito e humanizado bem antes da criação do SUS.

Seu engajamento político se intensificou: participou de treinamentos na China e, com o codinome “Dr. Juca”, atuou como o único médico da Guerrilha do Araguaia. Foi morto em 30 de setembro de 1972 em confronto com o Exército. Seu corpo nunca foi localizado. Em 2019, sua família obteve o reconhecimento oficial do Estado brasileiro como responsável por seu assassinato.

Para mais informações sobre o documentário acesse o Portal do Cinema Gaúcho.

PRIMEIRA PÁGINA

COMENTÁRIOS

 

Voltar

Sua mensagem foi enviada

Aviso
Aviso
Aviso

Atenção.

Remake de “Lilo & Stitch” revela falta de criatividade dos estúdios Disney

Lançado em maio, novo filme da empresa não consegue atingir a magia da animação original     

Por Vinicius Terra     

 

Filme mostra amizade entre a pequena Lilo e seu alienígena de estimação, Stitch     Fotos: Disney/Divulgação

 

“Lilo & Stitch” (2025) é uma nova versão da Disney do filme homônimo de 2002. Dirigido por Dean Fleischer Camp, reconta a já conhecida história de um alienígena, Stitch, criado pelo cientista Jumba. Após o experimento mostrar conduta errática, a Federação Galáctica decide por exilar Stitch, que foge em uma nave e cai no planeta Terra, mais especificamente na ilha do Havaí. Jumba e Pleakley, um entusiasta sobre o planeta, são ordenados a capturá-lo. No Havaí, duas irmãs, a pequena Lilo e a mais velha Nani, precisam lidar com a morte precoce de seus pais, e Nani precisa manter a vida em ordem em meio ao caos para não perder a guarda de Lilo. Preso em um abrigo de animais, Stitch é adotado por Lilo, que, por conta de sua inocência, acredita que seja um cachorro. Em um filme sobre família, os dois, Lilo e Stitch, aprendem juntos e se divertem pela ilha.

O filme conta com um diretor novo na cena, Dean Fleischer Camp, que já havia impressionado ao ser indicado ao Oscar de Melhor Animação pelo lindíssimo stop-motion “Marcel the Shell with Shoes On”, de 2021. Mesmo assim, “Lilo & Stitch” parece faltar com a originalidade e marca autoral do diretor e, ainda que com cenas mais saturadas e coloridas, não há elementos de destaque para a direção nos enquadramentos. Ao longo do filme, é possível perceber uma certa ruptura entre os interesses de manter como no original e de trazer algo mais atualizado. Dessa forma, é impossível assistir ao filme e não comparar com seu material base, “Lilo & Stitch” (2002).

Nas primeiras cenas, as imagens geradas por computador (CGI – Computer-Generated Imagery) incomodam ao mostrar alienígenas exóticos, ao mesmo tempo em que estão em busca pelo realismo. Isso levanta uma discussão antiga para quem acompanha cinema e os remakes da Disney, que desde “Cinderela” (2015) já contabiliza 19 filmes live-actions baseados em alguma das suas franquias. Isto é, observa-se se que o que já existe em desenhos animados nem sempre funciona na realidade simulada da tecnologia CGI. E isso comprova-se uma verdade para “Lilo & Stitch” como nenhum outro filme, já que ele aborda raças de alienígenas, naves espaciais, proporção dos corpos dos personagens e, além da modelagem, questões intrínsecas ao estilo visual original. Não é possível afirmar se o que poderia funcionar é a retirada de alguns elementos fantasiosos, que essa produção também faz, ou a adaptação fiel de todas as cenas, mas o que é possível é analisar o filme em questão. Com certeza, há algo fora do tom em “Lilo & Stitch” (2025) que o deixa pasteurizado e sem o senso de comicidade original.

De certa forma, esta nova versão mostra a atemporalidade da animação ao trazer novamente algumas temáticas, como a relação entre ser bom e ruim, tanto visto em Stitch, mas também visto na Lilo, que por conta de suas atitudes, acaba sendo colocada nesse lugar por seus colegas e professores. Na trama, as irmãs possuem uma vizinha mais velha também, Tutu, que ajuda quando Nani precisa sair para trabalhar, assim como David, que desde o início se mostra interessado romanticamente por Nani. Tutu, surge como uma figura protetora para as duas garotas, de uma tal maneira que tira um pouco do senso de irmandade que elas possuíam no filme original.

A representação da união entre as irmãs, contudo, ainda é o valor mais forte dessa história, mostrando que as tensões realmente partem do medo da Nani de perder Lilo, como no momento em que ela quase se afoga, na possibilidade de serem separadas pela assistência social e ao final do filme. Essa tensão desse filme parece ser maior do que na animação anterior, porque antes tratava-se de representações mais abstratas dos humanos. Neste, estamos vendo humanos passando por essas situações de uma forma mais realista.

 

A principal temática da nova versão cinematográfica ainda é a ligação das duas irmãs 

 

Algo que gera estranheza é o fato de Pleakley e Jumba passarem mais da metade de suas passagens pelo filme utilizando um dispositivo que os deixa parecidos com humanos. Ainda que surjam novas cenas de humor a partir dessa mudança, perdemos um pouco da essência desses personagens excêntricos, completos alienígenas, que tentam se inserir na vida humana por meio de acessórios, perucas, chapéus e roupas. Por mais que essas mudanças certamente tenham ocorrido para eliminar o CGI bizarro do meio das cenas principais, paira no ar a dúvida se através das modificações estamos perdendo a magia do que estava na história original.

Mesmo que ancorado em uma história forte de amor e família, o filme não consegue agradar visualmente e nos faz pensar como a indústria vem, cada vez mais, trazendo apenas tentativas de reproduções de seus feitos anteriores. Com uma arrecadação de mais de 850 milhões de dólares no mundo todo, no entanto, parece que a Disney está disposta a manter esse modelo para garantir o lucro anual da empresa. Apesar da resenha desesperançosa, ainda vale a pena conferir “Lilo & Stitch” nos cinemas para matar saudades de personagens queridos e iconizados na cultura pop.

PRIMEIRA PÁGINA

COMENTÁRIOS

 

Voltar

Sua mensagem foi enviada

Aviso
Aviso
Aviso

Atenção.

Palestra sobre cemitérios instiga curiosidade no 4 Galeria de Arte e Café  

Organizado pelo Pelotas Mal-Assombrada, evento despertou interesse sobre sepulturas de Pelotas e seus ritos fúnebres      

 Por Bruna Farias     

 

Público lotou espaço  para prestigiar a apresentação de  “Os Cemitérios de Pelotas”     Foto: Renata Ávila

 

Revelando os segredos enterrados nos cemitérios da cidade, a palestra “Os Cemitérios de Pelotas” aconteceu na sexta‑feira, dia 13 de junho, no 4 Galeria de Arte e Café. O evento, conduzido pelo historiador Nikolas Corrêa, que coordena os passeios “Pelotas Mal-Assombrada”, atraiu mais de 40 ouvintes interessados em desvendar os simbolismos que repousam entre as lápides, jazigos e cemitérios da cidade.

Visando gerar mais conhecimento sobre os costumes funerários, a arte tumular e as pessoas que marcaram a história local, a ideia da palestra surgiu com o fato de Nikolas frequentar o Cemitério São Francisco de Paula desde criança, e ganhou força ao perceber que a sociedade tem interesse por esses espaços: “Durante os passeios do Pelotas Mal-Assombrada, percebi que as pessoas têm a curiosidade histórica de conhecer esses lugares, então o objetivo da palestra é contar mais sobre os cemitérios da cidade e convidar as pessoas a visitá-los”, explicou Nikolas, que trabalha com a história do município há mais de 10 anos.

Com uma hora e meia de duração, a palestra se inicia com a distribuição de um mapa personalizado, para os ouvintes acompanharem os locais dos jazigos citados. Dividida em seis partes, a palestra leva o público em uma viagem sobre o contexto histórico global dos ritos funerários, até chegar nos costumes fúnebres que eram realizados em Pelotas. A seguir, os ouvintes são convidados a conhecer mais sobre os dez principais cemitérios que já existiram na cidade, em locais que, hoje, são residenciais. Depois, Nikolas apresenta as partes mais esperadas do evento: os símbolos e esculturas que ainda podem ser encontrados no cemitério São Francisco de Paula. São contadas as histórias e mostrados os jazigos de figuras conhecidas da sociedade, como o escritor João Simões Lopes Neto e a Cigana Terena; além de algumas das mensagens e despedidas que podem ser encontradas nos túmulos.

 

 

Um dos momentos mais esperados é quando são mostrados jazigos de figuras conhecidas da sociedade  Foto: Renata Ávila

 

Natural de Rio Grande, a psicóloga Raquel Farias Weska se interessou muito pela proposta da palestra por trabalhar diariamente com a questão do luto com seus pacientes. Para a ouvinte, as fotos contendo as mensagens de despedida foram a parte mais interessante da palestra. “Eu sou psicóloga e estava esperando chegar nessa parte, porque sempre me toca muito ver o que as pessoas que ficaram escreveram para quem foi embora. E as que foram mostradas hoje, com poesias, são muito lindas”, relata.

Para o organizador, os cemitérios têm muito a dizer sobre quem somos enquanto sociedade, e é essencial que a comunidade tenha a oportunidade de conhecer mais sobre esses locais para não esquecer da história da cidade. “Nós sempre tivemos esse interesse de tentar apresentar os cemitérios como espaços de reflexão, observando o lado histórico, artístico e cultural”, explica Nikolas. Diante da receptividade do público, a equipe do Pelotas Mal-Assombrada já planeja novas datas para a palestra, além de estudar a realização de novos encontros com outras temáticas.

PRIMEIRA PÁGINA

COMENTÁRIOS

 

Voltar

Sua mensagem foi enviada

Aviso
Aviso
Aviso

Atenção.

Satolep Rock: artistas locais mantêm o gênero musical vivo

Evento que reúne bandas em Pelotas teve sua primeira edição em fevereiro e volta a acontecer dia 12 de julho     

Por Gabrielle Peres      

Criado por Emanuel Murialdo, guitarrista da banda Mistreated e professor de música em Pelotas, o Satolep Rock é um novo espaço para quem curte o estilo musical na cidade. O evento reúne bandas locais e movimenta o cenário do rock pelotense. A primeira edição aconteceu em fevereiro e contou com as bandas Corium, ADHOC e a própria Mistreated. Houve outra realização no mês de abril e o terceiro encontro está marcado para o dia 12 de julho.

Para Emanuel, como integrante de uma banda e idealizador do projeto, essa é uma forma de incentivar e dar mais visibilidade aos artistas que se dedicam ao gênero. “Estamos dando oportunidade a artistas que não têm muito espaço nos lugares para apresentações disponíveis. Não quero fazer uma crítica às casas de shows daqui de Pelotas, elas são ótimas, somos sortudos por termos elas na cidade e temos que apoiar, mas há realmente muitos artistas ótimos concorrendo por pouco espaço, isso é bom e ruim”, explica Emanuel.

 


Criador do Satolep Rock, Emanuel Murialdo toca na banda Mistreated      Fotos: Divulgação

 

Além de acolher as bandas locais, o Satolep Rock também é uma opção que anima o público da cidade, visto que é mais uma oportunidade de aproveitar boas bandas dentro de um contexto social em que o rock não é o estilo musical mais ouvido na atualidade, mas segue vivo dentro das comunidades.

“A gente percebe que o rock não é mais o estilo musical dominante. Décadas atrás, os artistas mais comentados eram de bandas de rock. Hoje tu vais numa festa e não é isso que toca. Então, ter eventos como esse, quando a gente pode curtir esse som, é muito bacana”, comenta Maurício Valadão, ouvinte de rock e frequentador do evento.

 

Rockeiros buscam novos espaços para encontros com seus públicos

 

A segunda edição do Satolep Rock, em abril deste ano, repetiu o sucesso da primeira e esgotou os ingressos. Nesse segundo encontro, além das bandas já conhecidas, Mistreated e Corium, a banda Sexy Jeans também subiu ao palco. Sobre o acolhimento do público no evento, Emanuel Murialdo comenta: “Fico muito feliz, claro, mas sendo sincero, eu vejo isso com naturalidade. O povo pelotense é muito acolhedor a novidades, aqui é uma terra muito fértil para novos empreendimentos. É uma qualidade que vemos em poucos lugares. Sou muito grato por estar podendo organizar o evento aqui e para esse povo tão acolhedor”, diz o guitarrista.

 


Segunda edição do Satolep Rock reuniu fãs pelotenses do estilo musical no mês de abril

 

Ainda esse ano, o evento já mira sua próxima edição, desta vez ainda mais especial. A terceira edição do Satolep Rock deve acontecer em comemoração ao Dia Mundial do Rock em 12 de julho. Outra grande novidade é a parceria com a loja Via Urbana Rock Wear, fornecedora de vestuário rock n’ roll da região Sul e grande incentivadora de eventos locais.

Na edição especial do Dia do Rock, a banda Corium segue entre as atrações e abre a noite tocando clássicos dos anos 70 e 80. Na sequência, Lady Foxy, banda de São Lourenço do Sul traz os maiores hits do rock mundial. Quem fecha a noite é a banda Mistreated com um repertório que conta com covers de grupos famosos como System of a Down, Alice in Chains, Metallica e Rage Against the Machine.

Para quem quer curtir uma noite com muito rock, os ingressos para a terceira edição do Satolep Rock já estão disponíveis através do  Instagram do evento.

PRIMEIRA PÁGINA

COMENTÁRIOS

 

Voltar

Sua mensagem foi enviada

Aviso
Aviso
Aviso

Atenção.

A moda como cultura: narrativas que vestem, resistem e pertencem

Roupas vêm sendo símbolos de poder e posicionamentos sociais, tendo a tendência de reaproveitamento de materiais como uma proposta política     

Por Amanda Marin       

Ao longo da história, a moda nunca se limitou ao universo superficial da estética ou do consumo. Ela é, essencialmente, ferramenta de comunicação, capaz de refletir contextos sociais, manifestar ideologias e impulsionar transformações políticas e culturais. Vestir-se sempre foi, e segue sendo, uma manifestação simbólica, que fala sobre quem somos, de onde viemos e quais histórias queremos contar ao mundo. Desta forma o reaproveitamento de materiais vem sendo uma proposta que vai bem além de um estilo, tendo algo a dizer para o momento que se vive hoje.

A relação entre moda e política remonta à Antiguidade, quando vestimentas eram símbolo de poder, status e organização social. No Egito Antigo, por exemplo, as roupas, os adornos em ouro e as coroas dos faraós reforçavam a hierarquia social e o controle político. Na Roma Antiga, a toga púrpura era restrita aos senadores e imperadores, uma vez que o pigmento de cor púrpura era raro, caro e, portanto, símbolo de autoridade e prestígio. Vestir-se de forma inadequada, inclusive, poderia ser entendido como afronta ao Estado ou aos costumes da época.

Durante a Idade Média e o Renascimento, a moda seguiu como instrumento de diferenciação social e controle. Leis suntuárias foram criadas em diversos reinos europeus para regular quem podia usar certos tipos de tecidos, cores e adornos, geralmente reservados à nobreza e ao clero. Ao mesmo tempo, entre as classes populares, o reaproveitamento de roupas era uma prática comum e necessária: peças eram ajustadas, transformadas ou repassadas entre gerações, e mercados de roupas usadas, “embriões” dos brechós atuais, circulavam nas cidades medievais. Assim, enquanto os trajes das elites funcionavam como extensão das estruturas de poder, para as camadas mais pobres, a moda também era uma questão de resistência, criatividade e adaptação dentro das limitações impostas pela própria hierarquia social.

Vestir-se, portanto, é um ato carregado de significado, que atravessa questões de classe, gênero, identidade, resistência e pertencimento.

 

Thays Zimermann gosta de criar novos significados para roupas e suas memórias

 

Movimento upcycling

Essa perspectiva da moda segue mais viva do que nunca, especialmente em um cenário marcado pelo consumo acelerado, pela produção em massa e pelo descarte desenfreado. É justamente nesse contexto que surgem movimentos como o upcycling, o reaproveitamento criativo de materiais e peças que, antes, seriam descartadas. Práticas que dialogam com o resgate cultural, memória afetiva e contra-narrativas aos modelos industriais da moda hegemônica.

É a partir dessa premissa que nasce a Access, marca idealizada por Thays Zimermann, que enxerga no ato de ressignificar roupas uma forma de gerar impacto. “Eu trabalho com upcycling e patchwork justamente porque gosto de ressignificar materiais e memórias. Cada tecido já teve um passado, e ao recriar essas peças, consigo contar novas histórias e provocar reflexões sobre consumo, identidade e pertencimento”, explica.

Thays propõe, através de seu trabalho, um olhar desacelerado para a moda, pelo qual vestir-se deixa de ser uma ação meramente estética e se transforma em um ato consciente, afetivo e, sobretudo, político. “A Access nasce justamente como uma resposta a esse modelo de consumo acelerado e descartável. Eu acredito que se vestir vai muito além de seguir tendências ou acumular roupas, é sobre se expressar, se conectar e respeitar o tempo das coisas. Minha proposta é resgatar o valor do feito à mão, do único, do afetivo. Ao reutilizar materiais e criar peças exclusivas, eu proponho um novo olhar para o vestir: mais consciente, mais respeitoso com a história dos objetos e das pessoas, e mais conectado com quem somos de verdade”, defende.

Ruptura com padrões de massa

Quando escolhe trabalhar com peças únicas, materiais reaproveitados e técnicas artesanais, Thays rompe com os padrões da produção em massa, e resgata práticas esquecidas em meio à lógica da fast fashion. Ela lembra que, no Brasil, essa prática carrega um significado ainda mais potente, considerando os desafios socioeconômicos e ambientais que marcam o país. “Além disso, a realidade socioeconômica e ambiental do Brasil reforça a importância do upcycling e da sustentabilidade na moda, […] Quando escolho trabalhar com upcycling, com peças únicas e com a valorização de técnicas artesanais, estou propondo uma ruptura com a lógica da produção em massa, da padronização e do descartável. É um posicionamento cultural, ambiental e social”, completa.

E se moda é também território de disputa simbólica, os brechós, por sua vez, funcionam como espaços de contracultura urbana, tanto para quem empreende quanto para quem consome. São palcos de memórias, garimpos afetivos e resistência ao ritmo opressor da indústria.

É o que acredita Lucas Moura, fundador do brechó Marginale 053, que observa que o público de brechó carrega uma preocupação que vai além do vestir. “Quem consome fast fashion é diferente de quem consome de brechó. O público que consome brechó tem uma preocupação com o meio ambiente, com a desigualdade social, com direitos trabalhistas que são descartados, que são revogados. Como que seja uma moda circular, onde a gente compreenda que não é porque é uma peça de segunda mão que é uma peça descartável ou que está em mau estado”, pontua.

Para Lucas, mais do que uma escolha econômica, consumir de brechó é um ato de resistência, de cuidado com o planeta e, também, de construção de identidade. E ele não está sozinho nessa percepção, já que a indústria da moda é hoje uma das que mais impactam negativamente o meio ambiente. Segundo a ONU Meio Ambiente, o setor é responsável por cerca de 10% das emissões globais de carbono e 20% da poluição das águas no mundo, principalmente por conta dos processos industriais, tingimentos e descarte de resíduos. Além disso, a cada segundo, o equivalente a um caminhão de lixo têxtil é descartado no planeta.

Diante desse cenário, alternativas como os brechós deixam de ser tendências e passam a ser uma necessidade. “Acredito que as roupas de brechó também têm uma cara autêntica. São peças únicas que muitas vezes ninguém vai ter, de fato. São peças que já não são mais fabricadas, né? E que também já trazem essa identidade mais apropriada a quem está vestindo. Ter esse entendimento social, ambiental, é superimportante, super necessário. Em meio ao que a gente vive de mundo, em meio à crise climática, ao aquecimento global, o pouco que a gente puder fazer para diminuir [essa destruição] é super necessário, é essencial, é básico.”

Cultura periférica

Lucas também reforça que seu interesse pela moda surgiu a partir das culturas periféricas e urbanas — especialmente do hip-hop e do skate — que, historicamente, são movimentos que constroem tendências no mundo da moda, embora raramente sejam reconhecidos como protagonistas nesse processo. “São meios marginalizados, culturas marginalizadas, que, muitas vezes, estão aparentes em desfiles de moda ou como influência na moda, mas não sendo protagonizadas por quem, de fato, faz parte dessas culturas. Subverter esses espaços de elite para onde esses movimentos não são bem quistos é algo que precisa ser feito da forma que conseguir realizar”, defende Lucas.

Na outra ponta desse movimento está quem consome, não apenas por estética, mas por consciência, afeto e identidade. É o caso de Nicolas Moreira, que vê na moda uma poderosa ferramenta de autoexpressão.

Seu interesse começou ainda na infância, quando sofreu críticas por se vestir fora dos padrões. “Com o tempo, fui percebendo que aquelas roupas não eram feias, elas só eram diferentes das que as pessoas ao meu redor estavam acostumadas a ver. Naquele contexto, aquilo era visto como ‘errado’. Só que conforme eu fui conhecendo outras pessoas, outros lugares, e me permitindo experimentar mais, entendi que na real eu me vestia de uma forma que tinha a ver comigo, com o que eu gostava e com quem eu era. Era a minha forma de me expressar. Isso me fez perceber que eu não me vestia mal, eu me vestia de forma autêntica e que isso tinha valor”, conta.

E esse desejo de autenticidade não é isolado. Ele ecoa uma busca coletiva, especialmente entre juventudes periféricas, negras, LGBTQIA+ e urbanas, um movimento que dialoga com o consumo consciente e sustentabilidade, mas, sobretudo, com a valorização das próprias narrativas, das ancestralidades e das histórias que, historicamente, foram marginalizadas.

Para Nicolas, vestir roupas de brechó, peças com história ou feitas artesanalmente, muda completamente a relação com o vestir. “Tem um peso diferente. Tu pensas que alguém já viveu momentos especiais com aquela roupa antes de ti, e agora tu estás criando novas histórias com ela. Isso por si só já carrega significado”, afirma. E não é apenas sobre peças comuns: algumas delas se tornaram verdadeiros marcos na sua trajetória. “A camisa azul de botão, que achei em um brechó, virou uma espécie de amuleto pra mim. Customizei, cortei as mangas, dei uma nova cara pra ela. Foi a primeira vez que senti que estava acertando na minha linguagem de estilo, e até rendeu trampo: me chamaram pra uma publicidade por conta dessa camisa. Ela me fez entender, de forma prática, que o que eu visto pode ser uma extensão da minha voz, do meu lugar no mundo.”

 

Nicolas Moreira vê na moda uma forma de expressão identitária

 

Esse entendimento, no entanto, não acontece de forma isolada. As redes sociais desempenham um papel fundamental na construção de novas narrativas dentro da moda. Hoje, plataformas como TikTok e Instagram são espaços onde criadores independentes, produtores de conteúdo e pequenos empreendedores conseguem furar a bolha da moda tradicional, alcançando públicos que, há alguns anos, estariam restritos a quem tinha acesso aos circuitos elitizados do setor.

O impacto das redes nesse processo é inegável: “Elas são uma vitrine pra quem não está no circuito tradicional da moda. Hoje, pessoas que fazem sua própria roupa, que garimpam brechó, que pensam moda de um jeito mais consciente, estão sendo vistas e valorizadas. Olha o Will Cypriano, por exemplo, que começou postando peças feitas à mão e hoje tá fazendo collab com a Adidas. Isso só foi possível por conta da internet, que abriu espaço pra gente que está na margem, que cria fora da lógica das grandes grifes”, observa Nicolas.

A força desse movimento, inclusive, se reflete nos números. De acordo com um levantamento da ThredUp, plataforma global de revenda, o mercado de segunda mão deve crescer 85% até 2030, enquanto o varejo tradicional de moda avança em ritmos bem mais lentos. Isso sinaliza uma transformação cultural profunda, onde consumir de brechó, apoiar marcas locais e investir em peças com história deixa de ser uma prática de nicho para se consolidar como um novo paradigma de consumo: mais ético, mais consciente e, sobretudo, mais sociocultural.

Sendo assim, para além da estética, Nicolas reforça que se vestir é, antes de tudo, uma escolha carregada de intenção. “Eu gosto de usar a roupa como uma forma de contar algo, seja algo histórico, cultural, político ou até pessoal. Cada peça, cada acessório que eu escolho, carrega uma intenção. Eu tento sempre remeter a alguma coisa com o que eu visto, mesmo que seja sutil. Gosto muito de carregar referências da cultura negra, de usar elementos que falem sobre isso. Isso me fortalece, me posiciona, me lembra de quem eu sou e de onde eu venho”.

 

Nicolas: “há um propósito na forma de se vestir”

 

Para finalizar fica a sugestão do pesquisador Renzo Telles Júnior: a forma como nos vestimos reflete diretamente nossas crenças, convicções e posicionamentos sociais. “A moda atua como um espelho da sociedade e, muitas vezes, como um catalisador de mudanças”, afirma. E é exatamente isso que se desenha quando olhamos para movimentos como o upcycling, os brechós e a moda independente: um resgate de memórias, uma reconfiguração de valores e, principalmente, um ato de resistência estética, cultural e social em meio ao colapso ambiental do nosso tempo.

Afinal, a roupa é, antes de tudo, uma declaração silenciosa (ou nem tanto) de existência e pertencimento no mundo.

PRIMEIRA PÁGINA

COMENTÁRIOS

Nossa parabéns, eu adorei muito, se saiu muito bem nas fotos ❤️continua assim e mais uma vez parabéns Nicolas 😘

Thaina mallet

Voltar

Sua mensagem foi enviada

Aviso
Aviso
Aviso

Atenção.

“Cassino” é indicado ao Prêmio Grande Otelo e leva litoral gaúcho às telas

Gravado em Rio Grande, com equipe majoritariamente gaúcha, o filme curta-metragem transforma paisagem afetiva em cinema      

Por Martha Cristina Melo       

 

Cartaz oficial de divulgação do curta-metragem para 27ª Mostra de Cinema de Tiradentes

 

Dirigido pelo rio-grandino Gianluca Cozza, o curta-metragem Cassino foi indicado à categoria “ficção” do Prêmio Grande Otelo, uma das maiores premiações do cinema nacional. Produzido no Balneário Cassino, localizado no município gaúcho de Rio Grande, a obra marca uma conquista artística para a região, além de um avanço simbólico para as produções de fora dos polos hegemônicos.

A cerimônia do Prêmio Grande Otelo será realizada no Rio de Janeiro no dia 30 de julho, na Cidade das Artes. Sua 24ª edição tem como tema o destaque que o cinema brasileiro vem tendo no exterior. É uma promoção da Academia Brasileira de Cinema, que contou com 345 inscrições entre longas-metragens, curtas e séries, um número recorde nesses 24 anos. Todos os títulos registrados podem ser conferidos no site da Academia Brasileira de Cinema

Votado por profissionais das mais diversas áreas do setor, o Prêmio Grande Otelo vem passando por atualizações desde que foi criado, sempre acompanhando as mudanças do mercado audiovisual. Desde a última edição, a cerimônia conta com 30 prêmios no total, sendo 29 produções escolhidas pelo amplo júri formado por profissionais associados à Academia Brasileira de Cinema, e o disputado Grande Otelo de Melhor Filme pelo Júri Popular, escolhido pelo público por meio de votação aberta realizada no site da Academia.

A produção de Cassino

O curta que, segundo Gianluca, envolveu aproximadamente 30 profissionais e voluntários em sua produção — entre eles, familiares, amigos próximos e vizinhos do diretor —, também contou com o apoio do Núcleo de Produção Audiovisual OfCine/IFRS, que contribuiu com o empréstimo de equipamentos e viabilizou a produção com orçamento reduzido.

Nascido da ideia de um plano (trecho de um filme), o cenário escolhido para dar vida ao curta não foi por acaso. As locações envolveram a região em que Gianluca cresceu, mais precisamente na quadra em que viveu durante grande parte da vida. Os cenários incluem sua própria residência, assim como o Colégio Peixoto Primo, localizado ao lado da casa do cineasta. “Imagino que para decupar [organizar o roteiro em cenas] um filme, é preciso entender o lugar que está sendo filmado”, afirmou o diretor.

Com roteiro assinado por André Berzagui, Eleonora Loner e o próprio Gianluca Cozza, Cassino é uma produção Saturno Filmes, e acompanha três amigos que, durante o inverno, passam a invadir casas de veranistas temporariamente desocupadas. Entre conversas sobre amor, cotidianos e desejos, o curta propõe uma reflexão subjetiva sobre os motivos que os levam a agir dessa forma. O filme teve sua estreia na 27º Mostra de Cinema de Tiradentes, passou pelo 52º Festival de Cinema de Gramado e, agora, se prepara para disputar o Grande Otelo, cuja 24ª edição acontece no dia 30 de julho, no Rio de Janeiro.

OfCine e a manutenção da cultura audiovisual em Rio Grande

Ao falar sobre a proposta pedagógica do OfCine — projeto no qual o diretor Gianluca participou enquanto um dos fundadores e realizador dos primeiros encontros, ele destacou que as oficinas de cinema surgem como uma grande ferramenta de conhecimento em um meio que, além de pouco acessível, é elitizado. “Tem muito conhecimento que você só adquire na prática. Existe muito no ‘fazer artístico’ que não existe um manual que explique, e as oficinas são uma proposta de realização e prática”, afirmou. Para ele, além de um contexto que reúne pessoas com interesses em comum, os encontros também fazem parte da construção de uma cultura cinematográfica mais presente na cidade de Rio Grande.

Cassino já está disponível no Porta Curtas, Cozza site de exibição de curtas-metragens nacionais. A produção planeja disponibilizá-lo futuramente no YouTube.

PRIMEIRA PÁGINA

COMENTÁRIOS

 

Voltar

Sua mensagem foi enviada

Aviso
Aviso
Aviso

Atenção.