O longa-metragem dirigido por Walter Salles destacou-se como Melhor Filme Internacional no Oscar 2025. Mas Fernanda Torres, indicada para Melhor Atriz, perdeu o prêmio para Demi Moore, levando a pensar sobre as atuações de ambas e o lugar destes filmes em suas carreiras
Por Beatriz Afonso

Selton Mello, Fernanda Torres, Guilherme Silveira e Luiza Kosovski em “Ainda Estou Aqui” Fotos: Divulgação
A produção brasileira “Ainda Estou Aqui”, dirigida por Walter Salles, ficou marcada por conquistar o primeiro Oscar brasileiro de Melhor Filme Internacional. A vitória estabelece um momento memorável para o cinema nacional, evidenciando a sua crescente relevância no cenário mundial. A produção superou concorrentes de peso na categoria, como “A Garota da Agulha”, “Flow”, “A Semente do Fruto Sagrado” e “Emilia Pérez”. A atriz protagonista do filme brasileiro, Fernanda Torres, também concorreu ao prêmio de “Melhor Atriz”, mas esse destaque ficou com Demi Moore, no filme “A Substância”. De um modo completamente diferente, no gênero Body Horror, esse título também trata de questões femininas a partir da personagem principal da história.
Aclamado pela crítica e pelo público, “Ainda Estou Aqui” se destacou não apenas pela qualidade cinematográfica, mas também pelo contexto narrativo. Possuindo uma direção sensível e uma fotografia primorosa, o filme de Walter Salles reafirmou a força do cinema brasileiro no cenário internacional. A conquista de “Ainda Estou Aqui” no Oscar não celebra apenas o crescimento do cinema nacional, mas também abre caminhos para novas produções brasileiras dentro do meio audiovisual.

Filme reconstitui história da família de Rubens Paiva afetada por seu desaparecimento durante a ditadura militar
O filme retrata a trajetória de uma família brasileira durante a ditadura militar, explorando as dores e os desafios impostos por esse período sombrio da história. A narrativa se desenvolve a partir do desaparecimento de Rubens Paiva (Selton Mello), um político que é sequestrado pelo regime militar, deixando a sua família em meio à angústia da incerteza e da luta por justiça. A história acompanha de perto a batalha de sua esposa, Eunice Paiva (Fernanda Torres), que enfrenta a burocracia, o silêncio das autoridades e o medo constante enquanto busca o reconhecimento oficial da morte de seu marido. Em uma interpretação magistral, a atriz trata de uma maneira sutil o sofrimento vivido pela personagem, correspondendo à sua capacidade de superar os fatos, mas sem deixar que sejam apagados da memória.
Através de uma abordagem sensível, o filme mergulha no sofrimento da família Paiva e nas cicatrizes deixadas por essa repressão histórica. A atriz Fernanda Montenegro, presente na história do cinema com filmes como “Central do Brasil” (1998), enriquece ainda mais o longa, dando vida à personagem Eunice Paiva nos anos 2000. Com uma fotografia que retrata a atmosfera da época e uma trilha sonora imersiva, “Ainda Estou Aqui” se estabelece como um marco do cinema brasileiro não somente pelo seu resgate histórico como pela busca à reflexão, memória e justiça.
Reconhecida por dar vida à personagem Eunice Paiva, Fernanda Torres é uma das atrizes mais talentosas e versáteis do Brasil atualmente. Filha de Fernanda Montenegro, que foi a primeira brasileira indicada ao Oscar de Melhor Atriz em 1999, Fernanda construiu o seu próprio caminho de sucesso no teatro, cinema e televisão.
Além de atriz, ela é mãe e esposa, conciliando com uma carreira única e marcada por atuações memoráveis. Ao longo dos anos, protagonizou produções como as séries de comédia “Tapas e Beijos” (2011/2015) e “Os Normais” (2001/2003), o filme “Saneamento Básico” (2007), produzido no Rio Grande do Sul, com direção e roteiro de Jorge Furtado, e o longa metragem “Eu Sei que Vou te Amar” (1986), dirigido e escrito por Arnaldo Jabor, que marca o início do seu reconhecimento internacional. Com uma trajetória repleta de personagens marcantes, Fernanda se consolidou como referência no cinema nacional, devido às suas performances inesquecíveis. O seu legado segue contribuindo para a cultura brasileira e reafirmando a sua posição como uma das maiores atrizes do país.

Fernanda Torres teve seu primeiro reconhecimento internacional com ”Eu sei que vou te amar” (1986)
Crítica ao machismo em Hollywood
Outro grande destaque da premiação de 2025 foi o longa “A Substância” (2024), que abordou a desconstrução do corpo feminino dentro do subgênero Body Horror, e conquistou indicações em diversas categorias. A produção chamou atenção tanto pela abordagem social que crítica o machismo enraizado na indústria de Hollywood, quanto pela performance marcante de Demi Moore, que se consolidou como uma das favoritas ao prêmio de Melhor Atriz, ao lado de Fernanda Montenegro.

“A Substância”, com Demi Moore, representa desconstrução do corpo feminino com gêneros horror e ficção científica
Com direção de Coralie Fargeat, aborda de forma propositalmente desconfortável e grotesca, questões como o etarismo em Hollywood e o reforço de um ideal estético no ambiente profissional e midiático. O filme se insere em um dos subgêneros do terror, o horror corporal, ao enfatizar a automutilação como uma forma de se manter dentro dos padrões de beleza contemporâneos.
A trama aborda a atriz Elisabeth Sparkle (Demi Moore), que deixa os holofotes à medida que passa a envelhecer. A personagem é descartada pela indústria no momento em que completa 50 anos de idade, o que representa, para uma mulher na esfera hollywoodiana, a rota final de sua carreira. Após se envolver em um acidente de carro, a atriz é selecionada para participar de um experimento científico anônimo, que possui como objetivo replicar as células do candidato para gerar uma versão jovem e melhorada dele próprio. Na ânsia de retornar ao auge, Elisabeth decide ignorar a série de riscos e improbabilidades e injeta a substância misteriosa, gerando uma cópia ‘’perfeita’’ de si mesma.

A obra expõe a crueldade e a hipocrisia de um sistema que descarta as mulheres em decorrência da idade
“A Substância” é um filme que combina ficção científica com o Body Horror, trazendo uma crítica sobre a obsessão pela juventude, o “prazo de validade” de mulheres dentro da indústria de entretenimento e o quanto estamos dispostos a nos submeter para alcançar um padrão irreal de beleza. A obra expõe a crueldade e a hipocrisia de um sistema que descarta as mulheres à medida que elas envelhecem, utilizando o terror corporal e a automutilação como forma de tornar evidente a consequência desses ideais.
O filme consegue combinar aspectos futuristas e clean com o grotesco, chamando atenção para uma maquiagem extremamente vívida e realista. A produção utiliza da estética sangrenta e gore explícito para criar uma atmosfera oscilante entre o humor ácido e o terror visceral, tornando a experiência impactante e desagradável para os espectadores.
O título se destaca pela ousadia e o horror gráfico, sendo um filme que combina diversas críticas sociais com a violência explícita. A diretora Coralie Fargeat consegue se destacar por uma direção capaz de desconstruir tabus e provocar a audiência. A obra é uma reflexão sobre a idealização da juventude e uma experiência única para aqueles que buscam emergir nos subgêneros do terror.

A atriz Demi Moore passou por conflitos semelhantes a da sua personagem ao ser descartada na indústria de filmes
No papel de Elizabeth Sparkle, Demi Moore é um exemplo de como Hollywood trata as atrizes à medida que elas envelhecem, evidenciando o sistema machista e etarista enraizado dentro da indústria. Nos anos 80 e 90, Moore era uma das maiores estrelas do cinema, protagonizando filmes como Ghost (1990), Proposta Indecente (1993) e Striptease (1996). Porém, a sua carreira sofreu um forte declínio, enfrentando a rejeição pública e a perda de papéis importantes.
Enquanto atores como Tom Cruise e Brad Pitt continuaram protagonistas após a chegada dos 50 anos, a atriz foi empurrada para papéis secundários e desapareceu do mainstream. O cinema ainda luta constantemente contra a rejeição de mulheres maduras e enfatiza a importância de trazer mais espaços para essas mulheres. Demi se tornou um símbolo da luta contra o etarismo e a misoginia na indústria em “A Substância”, mostrando como o cinema ainda precisa evoluir no tratamento de suas atrizes.
As duas atrizes são capazes de mobilizar para a importância de suas personagens, como também para o seu papel crucial enquanto artistas em ambos os filmes. São duas propostas diferentes, uma que remete a fatos, e outra que ressalta o poder de sugerir questões da vida concreta através da imaginação.
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