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Cinematografia oriental influencia produção norte-americana tendo o silêncio como o coração do tempo
Por Gustavo Silva Fuchs
A tensão entre os protagonistas se revela nos olhares desviados e na composição visual Fotos: Divulgação
Dirigido por Wong Kar-Wai, “In the Mood for Love” completa 25 anos da sua data de lançamento (2000). É um dos filmes mais influentes do cinema asiático contemporâneo e, ao mesmo tempo, uma das obras que mais silenciosamente transformaram a sensibilidade do cinema americano. Com uma narrativa mínima e marcada pela contenção, Wong Kar-Wai criou uma estética que se tornou uma linguagem emocional própria, onde o sentimento é expresso não pelas palavras, mas pelo que fica entre elas: o gesto interrompido, o olhar suspenso, o corredor estreito, o som repetido de uma música distante.
O filme acompanha dois vizinhos, o Sr. Chow (Tony Leung) e a Sra. Chan (Maggie Cheung), que descobrem que seus cônjuges têm um caso. Em vez de se envolverem romanticamente, eles vivem um amor que nunca se concretiza, construído na ausência e na repetição dos encontros casuais. O que se desenrola é menos uma história de amor e mais um estado de espírito: um clima de desejo contido e melancolia que atravessa cada cena.
Em “In the Mood for Love”, a estética substitui o diálogo como forma de expressão. Wong Kar-Wai faz o silêncio falar. A fotografia de Christopher Doyle e Mark Lee Ping-Bing usa tons saturados e luz difusa, transformando cada plano em pintura. Corredores estreitos, portas semiabertas e reflexos em espelhos expressam o confinamento emocional dos personagens. Os cheongsams (vestidos chineses tradicionais) usados por Maggie Cheung marcam o tempo com elegância e repetição, funcionando como memória visual. As cores, que alternam entre vermelhos profundos, verdes escuros e amarelos queimados, não descrevem o sentimento, mas o traduzem em temperatura.
O isolamento do Sr. Chow (Tony Leung) é acentuado pela luz e pelos enquadramentos que o separam do espaço
A trilha sonora, com o tema recorrente “Yumeji’s Theme” dá ritmo ao tempo do filme. A montagem fragmentada e o uso de câmera lenta reforçam a sensação de que o tempo não corre, mas se repete e se dobra sobre si mesmo. O filme constrói uma relação direta entre memória, tempo e cinema: cada olhar é um passado que não volta, cada cena é uma tentativa de tocar o que já se perdeu.
Mais do que uma história de amor, “In the Mood for Love” é uma meditação sobre a ausência. O amor não é um acontecimento, mas o que resta depois que ele não acontece. Wong Kar-Wai transforma o espaço entre duas pessoas no próprio coração do tempo e esse sendo um tempo que não cura, mas conserva, que transforma o instante em lembrança e a lembrança em imagem. Esse amor interrompido é o centro da dor e também da beleza do filme: o que não se consolida torna-se eterno justamente porque permanece inacabado.
A influência de “In the Mood for Love” no cinema americano é profunda, embora muitas vezes discreta. Sua estética de melancolia urbana, suas cores saturadas e seu ritmo contemplativo aparecem em diretores como Sofia Coppola (“Lost in Translation”), Barry Jenkins (“Moonlight”), Todd Haynes (“Carol”) e Paul Thomas Anderson (“Phantom Thread”). Todos herdaram de Wong Kar-Wai a ideia de que o sentimento pode ser construído pela atmosfera, e não apenas pelo diálogo. O cinema americano, tradicionalmente direto e narrativo, aprendeu com o cinema de Hong Kong a valorizar o intervalo, o silêncio e a incompletude.
Sra. Chan (Maggie Cheung), envolta em cores suaves, representa melancolia e delicadeza de sentimento que não se concretiza
Ao tratar o amor como ausência e o tempo como memória, “In the Mood for Love” propõe uma estética da contenção que desafia as convenções do cinema tradicional. É um filme que pede um olhar atento, não de quem espera ação, mas de quem se deixa afetar pelo silêncio. Sua força está no que não mostra, nas pausas, nas paredes finas e nas palavras não ditas.
No fim, “In the Mood for Love” é um cinema que se lembra. Um cinema que não quer registrar o que acontece, mas o que permanece depois que tudo passou. Wong Kar-Wai transforma o amor em lembrança e o tempo em ferida. E é, nesse espaço entre o desejo e a perda, que nasce sua beleza: o amor que não acontece vira imagem, e o cinema se torna a própria memória do que não foi.
O diretor de cinema Diego Müller resgata a história marcante dos lanceiros negros na Guerra Farroupilha
Por Francisco Maihub
Filmagens estão fazendo reconstituição histórica de episódio controverso envolvendo racismo e a luta contra a escravidão. Nesta cena participam os atores Tiago Real, João Petrilo, Thiago Lacerda e Allan Rigs Fotos; Divulgação-GM/2 Filmes
O diretor de cinema Diego Müller está produzindo o filme “Porongos”, que visa retratar o massacre ocorrido durante a Revolução Farroupilha no Rio Grande do Sul, no qual os negros que participaram foram assassinados. A ideia do filme é retratar em uma produção cinematográfica inédita a história esquecida dos lanceiros negros. Ainda em andamento, as gravações vêm ocorrendo em localidades como Minas do Camaquã (Caçapava do Sul) e Bagé.
O Massacre dos Porongos foi um dos mais marcantes episódios envolvendo negros escravizados da história do Brasil. Ocorreu durante a Revolução Farroupilha (1835-1845), liderada pela elite gaúcha que estava insatisfeita com a política fiscal do governo imperial com os impostos sobre o charque (carne produzida no Estado). A produção local estava sendo desfavorecida frente à concorrência externa, especialmente do Uruguai.
A Revolução ficou também conhecida como “Guerra dos Farrapos”, pois as roupas usadas dos combatentes eram esfarrapadas, revelando tanto a violência do episódio como um tratamento inicialmente depreciativo dos soldados. Mas não era uma revolução popular, e sim, das elites gaúchas insatisfeitas com o governo imperial. Durante essa guerra, houve a participação dos lanceiros negros, homens escravizados que foram recrutados para lutar na guerra sob promessas de liberdade após o fim do conflito, o que acabou não acontecendo
Muitos negros viam na Guerra dos Farrapos a oportunidade de fugir da escravidão e o sonho de liberdade. Estima-se que os negros que participaram da guerra eram um terço das tropas, aproximadamente 500 homens.
Apesar de serem essenciais na guerra, os lanceiros negros, que eram guerreiros recrutados para ajudar nas batalhas, viraram um obstáculo nas negociações de paz com o governo imperial. Os farroupilhas não tinham como cumprir a promessa de libertação dos homens mantidos como escravos e o império exigia a devolução dos escravos aos seus proprietários.
Samira Carvalho (no papel de Mahín) e Emilio Farias (Adão Caetano) participam das filmagens em várias cidades
A Revolução Farroupilha não cumpriu a promessa de libertação dos negros, pois a escravidão sustentava a economia e o governo imperial. Os negros que lutaram na Revolução foram desarmados, ficando em desvantagem na guerra contra o governo imperial. Uma versão, envolvendo questões complexas e controversas, é que o general David Canabarro mandou desarmar os negros secretamente. Ao mesmo tempo, negociava com o representante do império, Barão de Caxias (mais tarde elevado a Duque de Caxias), e deliberadamente teria facilitado o massacre. Canabarro teria tramado com o Barão de Caxias a data e o local do ataque aos lanceiros negros.
Os homens negros foram desarmados na véspera da guerra e o resultado foi uma chacina, o Massacre dos Porongos, que ocorreu na madrugada de 14 de novembro de 1844. Apesar da Guerra dos Farrapos ser comemorada como parte da formação da identidade da cultura gaúcha, pouco é lembrado do massacre, do lado racista e da traição da Revolução.
Estima-se que aproximadamente 80 a 100 soldados negros foram mortos no confronto e os sobreviventes afrodescendentes foram capturados e devolvidos a sua condição de escravizados ou enviados para o Rio de Janeiro para permanecer como escravos até que a Lei Áurea viesse a libertá-los.
O Massacre dos Porongos é visto, hoje em dia, como um ato de covardia e racismo, um capítulo vergonhoso da história gaúcha e brasileira. Leva a questionar os ideais de liberdade da Revolução Farroupilha e a verdadeira imagem de seus líderes.
O Massacre, hoje em dia, é objeto de debates nas pautas do movimento negro, como parte do apagamento histórico da população negra no Brasil, sendo uma marca por reconhecimento e necessidade de reparação histórica.
Produção e elenco
Dirigido por Diego Müller e produzido por Pablo Müller, a equipe criativa do longa conta com Vanessa Rodrigues (direção de arte), Joanna Ramos (direção de fotografia), Thaíse Machado (consultora artística) e a atriz Tatiana Tibúrcio está à frente da preparação de elenco. Juntos, eles darão vida à história de Adão Caetano, um lanceiro negro cuja luta por liberdade e dignidade confronta as contradições dos líderes republicanos do Rio Grande do Sul.
Embora inspirado em fatos e personagens reais, o longa adota uma abordagem ficcional. O elenco dá vida a essa trama épica com nomes de peso: Emílio Farias interpreta Adão Caetano, Samira Carvalho vive Mahín, Thiago Lacerda assume o papel de Bento Gonçalves. Destacam-se, ainda, Tatiana Tibúrcio, Álvaro RosaCosta, Rafa Sieg, Jorge Guerreiro, Loma, Werner Schünneman, Nelson Diniz, Cássio do Nascimento, Roberto Birindelli, Tiago Real, Appolônio Cipriano, Marcos Verza, Kaya Rodrigues, Nicolas Vargas, Marcello Crawshaw, José Henrique Ligabue, Adriano Baségio, Marcos Contreras e Luis Franke, entre outros talentos do cinema, teatro e televisão.
Com mais de 20 anos no audiovisual, Diego Müller construiu uma carreira sólida como diretor, roteirista e produtor. Entre seus trabalhos no cinema, destacam-se “Cortejo Negro” (2008), prêmio de Melhor Direção no Festival de Gramado, “A Invasão do Alegrete” (2009), que conquistou os Kikitos de Melhor Roteiro em curta-metragem nacional e Melhor Ator, para Miguel Ramos, no 37º Festival de Cinema de Gramado. Em 2022, Diego lançou o documentário em longa-metragem “Bandoneando – A busca pelos bandoneonistas negros da Campanha Gaúcha”, exibido em festivais nacionais e internacionais. Em 2024, codirigiu “Infinimundo”, vencedor do Kikito de Melhor Filme Júri Popular no 53º Festival de Gramado.
Samira Carvalho e Emílio Farias com a preparadora de elenco e atriz Tatiana Tibúrcio (ao centro)
O site arte no Sul conversou com o diretor Diego Müller, que trouxe mais detalhes sobre a produção:
Arte no Sul: Você está produzindo um filme sobre o Massacre dos Porongos durante a Revolução Farroupilha, que recrutou os negros para servirem na guerra?
Diego Müller: Isso, eles foram incorporados às forças farroupilhas com a promessa de serem libertos ao final da guerra. E esta promessa, que acabou não acontecendo, foi um dos entraves para se encerrasse o conflito. Então, em 14 de novembro de 1844, eles foram reunidos no cerro dos Porongos, em Pinheiro Machado, foram desarmados e, à noite, o acampamento foi invadido. Em sua grande maioria, eles foram massacrados.
Arte no Sul: Qual é a importância de abordar esse tema em forma de produção cinematográfica, retratando um passado pouco lembrado no imaginário popular dos gaúchos?
Diego Müller:É a relevância de fazer a reparação histórica, e trazer ao debate este tema que foi invisibilizado ao longo dos tempos. Além disso, a gente humaniza esses personagens históricos, trazendo à luz suas verdadeiras faces, e não aquela falsamente construída numa ideia de torná-los simplesmente heróis.
Arte no Sul: De onde veio essa ideia de produzir um filme com essa temática tão polêmica?
Diego Müller: A partir da minha ideia de construir um personagem gaúcho histórico real, com a inclusão [mais efetiva] do negro nesta miscigenação, o que no meu entendimento, não havia sido feito ainda. Aí, a participação dos negros na Guerra dos Farrapos e o Massacre dos Porongos surgiram naturalmente nas pesquisas.
Arte no Sul: A Revolução Farroupilha, apesar de ter sido uma guerra perdida, é comemorada na tradição gaúcha. Seu passado é muito romantizado pelos gaúchos, que criam uma imagem de um passado heroico. Como você acha que o filme, retratando esse lado do passado pouco conhecido, vai impactar culturalmente?
Diego Müller:Acho que, de certa forma, a Revolução Farroupilha continuará a ser comemorada, pois teve seus méritos. O que o filme vai trazer é que erros aconteceram e que não podem ser ignorados, além de que sempre sejam lembrados. Existiram guerreiros muito importantes como os lanceiros e os infantes negros, que precisam ter seu lugar referenciado na história.
Arte no Sul: Você também disse em algumas entrevistas que o filme vai retratar os líderes militares Bento Gonçalves e Antonio Sousa Neto. Como o filme vai retratar essas figuras importantes da história do Rio Grande do Sul?
Diego Müller:De uma forma mais humana, sem esquecer suas virtudes, mas também apresentando estas figuras em suas épocas, e como eles, dentre desse contexto, tiveram que tomar decisões às vezes contraditórias em relação às próprias lutas que defendiam (principalmente o Bento).
Arte no Sul: Em quais cidades do Rio Grande do Sul o filme está sendo gravado?
Diego Müller: As cidades foram Bagé, Caçapava do Sul (Minas do Camaquã) e Aceguá. As próximas ainda não foram decididas.
Arte no Sul: O Brasil é conhecido por ter sido um dos últimos países a abolir a escravidão e, mesmo após o fim da escravidão, a população negra ainda enfrenta os efeitos do período escravocrata, como racismo e desigualdade social. Como o filme pode contribuir para o aumento da conscientização negra no estado do Rio Grande do Sul?
Diego Müller: Acho que vai trazer um debate positivo sobre este apagamento histórico, e como isso pode ser visto ainda hoje, como aquela realidade pode ser presenciada nos dias de hoje.
Arte no Sul: Que mensagem você espera que o filme traga aos gaúchos e aos demais brasileiros que forem assistir o filme?
Diego Müller: Que eles conheçam uma outra história da Guerra dos Farrapos, mais real e inclusiva. Espero que contribua para que sejamos conhecidos em [nossa] diversidade de forma mais realista, e que a contribuição do povo negro tenha seu lugar [reconhecido] na formação do Estado. Que essa história nos faça refletir sobre o passado e nos eduque enquanto sociedade!
Arte no Sul: Como está o andamento da produção do filme?
Diego Müller: Filmamos 80% do filme. Devemos filmar os 20% restantes dentro de duas semanas. A expectativa é que o filme fique pronto no final de 2026.
Quarto filme da franquia traz o provável fim dos trabalhos do casal Ed e Lorraine Warren
Por Daniel Santos
A família Smurl é atormentada com a maldição do espelho Fotos: Divulgação
“Invocação do Mal” é uma das maiores franquias cinematográficas de terror na história do cinema e conta com uma grande legião de fãs por todo o planeta, desde o lançamento do primeiro filme em 2013. Desde então, tem marcado uma geração de apaixonados pelo gênero e continua criando admiradores. O ano de 2025 ficou marcado pelo lançamento da quarta obra da saga principal, “Invocação do Mal 4: O Último Ritual” (“The Conjuring: Last Rites”), que, para muitos, será o final do ciclo do casal Ed e Lorraine Warren, provavelmente o encerramento dos trabalhos dessa dupla de detetives paranormais.
Lançado no dia 4 de setembro nos cinemas brasileiros, o filme é o décimo da franquia com a inclusão de spin-offs, estabelecendo conexões com as produções anteriores da trilogia “Annabelle” (2014), “Annabelle 2: A Criação do Mal” (2017) e “Annabelle 3: de Volta para Casa” (2019). Tem vínculos também com “A Maldição da Chorona” (2019); “A Freira” (2018) e “A Freira 2” (2023).
“Invocação do Mal 4: O Último Ritual” é dirigido por Michael Chaves, que havia comandado a direção da obra anterior da saga, “Invocação do Mal 3: A Ordem do Demônio” (2021), e outros dois filmes da franquia: “A Freira 2” (2023) e “A Maldição da Chorona” (2019). Já o roteiro ficou nas mãos de David Leslie Johnson que estava presente nos dois capítulos anteriores da saga, em “A Órfã” (2009) e “A Orfã 2” (2022).
Enredo
A história contada neste capítulo se passa em 1986, mas começa com uma cena de 18 anos antes apresentando o casal de investigadores Ed Warren (Patrick Wilson) e Lorraine Warren (Vera Farmiga) no nascimento de sua filha Judy Warren. Nesse momento, é inserindo um objeto maligno ao contexto, um espelho que esconde uma entidade demoníaca que interfere no nascimento do bebê natimorto. Milagrosamente, a criança volta à vida após se conectar espiritualmente com sua mãe, assim, ela passou sua infância tendo pressentimentos ruins e vendo assombrações.
Há um salto temporal e é introduzida na história a família Smurl, com seus oito integrantes (um casal, quatro filhas e dois avós) que vivem em uma cidade tranquila da Pensilvânia. Eles passam seus dias em meio à calmaria da rotina, até que coisas estranhas começam a acontecer na residência.
Tudo tem início quando os avós presenteiam uma das netas, que acabou de ser crismada na Igreja, com um espelho antigo, o mesmo da cena inicial. Temerosos com as situações assustadoras, eles entram em contato com a Igreja que busca a ajuda do casal Warren. Mas eles negam o pedido, pois estão em pausa na carreira e querem aproveitar o seu tempo com Judy (Mia Tomlinson) que vive o início da fase adulta.
Depois de uma série de incidentes, Judy vem desenvolvendo suas habilidades psíquicas e se conecta aos Smurl de forma espiritual e, então, vai até a casa da família para ajudá-los. Lorraine, Ed e o namorado da Judy, Tony Spera (Ben Hardy) também vão até a casa dos Smurl e são praticamente obrigados a ajudar no caso.
O clímax ocorre quando o demônio do espelho possui Judy, desencadeando um ritual final, no qual os Warrens e a filha enfrentam a entidade para que ela se liberte dela. No final, o casal encerra sua trajetória de investigadores, Judy assume maior protagonismo. E uma cena pós-créditos revela imagens reais de Ed, Lorraine e do tal espelho, objeto que é o elo com “histórias reais” que inspiraram a franquia.
As atuações de Patrick Wilson (Ed Warren) e de Vera Farmiga (Lorraine Warren) são pontos fortes do filme
Muita emoção e pouco terror
O filme encerra a jornada dos Warren de forma melancólica e sem brilho, em uma obra que decepcionou a maioria dos fãs da franquia. Os pontos mais destacados no roteiro são os da despedida do casal e não os de terror. A história sofre com a falta de conexão entre os investigadores e a família atormentada, e busca uma forma de emocionar o espectador na relação de Judy com os pais e o namorado.
A maior parte dos feedbacks do público e da crítica indicam que fatores emocionais foram priorizados, assim deixando a obra sem a personalidade que o gênero exige. Então, nos raros momentos nos quais o filme tenta assustar, ele fracassa por conta da direção, que, na comparação com os capítulos iniciais da saga, deixou a desejar. O diretor Chaves já havia sofrido críticas em trabalhos anteriores dentro da franquia e, nesta oportunidade, não consegue mostrar algo novo, assim dependendo de ideias não originais e que não promovem a admiração dos espectadores.
Os elementos mais positivos do longa são as atuações de Vera Farmiga (Lorraine Warren) e Patrick Wilson (Ed Warren), que trabalham muito bem juntos, fazendo com que o público tenha muita admiração pelo casal que protagoniza o filme. Para fãs da franquia e do gênero terror, o filme pode ser chato, mas, para os leigos no gênero, a obra pode ser bem aproveitada, tendo um bom impacto em termos de emoções.
Ficha Técnica
Título: “Invocação do Mal 4: O Último Ritual”
Título original: “The Conjuring: Last Rites”
Duração: 2h 15min
Gênero: Terror
Direção: Michael Chaves
Roteiro: David Leslie Johnson-McGoldrick, Richard Naing
Elenco: Vera Farmiga, Patrick Wilson, Mia Tomlinson
Em cartaz nas salas do cinema traz um recorte criativo sobre o período da ditadura militar
Por Gabriel Ribeiro da Silva
O ator Wagner Moura e a atriz Tânia Maria são dois destaques do elenco diferenciado Fotos: Divulgação
“O Agente Secreto”, filme dirigido por Kléber Mendonça Filho e protagonizado por Wagner Moura, despontou como um dos principais títulos a representar o Brasil na temporada de premiações, sendo inclusive selecionado como nosso representante no Oscar. A trama se passa durante o período ditatorial, com um recorte regional, poucas vezes visto. Mas o que esperar do longa?
Na cena de abertura do filme, vemos várias imagens que referenciam o audiovisual brasileiro, como uma foto dos Trapalhões, Maria Bethânia e a novela “A Escrava Isaura”, que apontam para a cultura brasileira e seus símbolos. Logo em seguida, somos introduzidos a Marcelo, o personagem de Vagner Moura, conduzindo um icônico fusca amarelo em direção a um posto de gasolina. Ali já temos o primeiro choque do filme, e fator crucial para ditar o tom. Há um corpo abandonado no pátio, coberto apenas com um pedaço de papelão, há dias, largado ao sol. Um incômodo, mas normal e institucionalizado, pois, na sequência, dois militares chegam ao posto, não ligam para o cadáver, apenas para o ilustre veículo de Marcelo. O ser humano não é visto, é tratado como um objeto abandonado.
A cidade do Recife é o cenário principal de toda a trama. E, aqui, é importante destacar o trabalho sensacional de reconstituição daquele contexto nos anos 1970. Não é somente a reconstrução de alguns prédios, mas o cenário como um todo. A estética é vibrante, as roupas, acessórios e, até mesmo, os carros são partes fundamentais nessa composição, carregam com eles as cores e traços clássicos desse período, além dos aspectos regionais do Nordeste. A capital pernambucana torna-se personagem do enredo.
Registro das gravações, com o ator Wagner Moura sendo dirigido por Kleber Mendonça Filho
Kleber Mendonça opta por trabalhar com uma narrativa em duas linhas temporais diferentes, mas bem delimitadas. Com Marcelo, ficamos no Carnaval de 1970 durante o governo de Ernesto Geisel. Já, no tempo presente, vemos duas pesquisadoras investigando os arquivos da época e, consequentemente, as “memórias de Marcelo”. A opção de alternar as épocas, durante o filme, é uma tentativa de resgate, de contar a história daqueles que foram silenciados durante a ditadura. Porém, para alguns espectadores, isso pode gerar uma quebra na imersão narrativa. Embora por pouco tempo, saímos da bela e tensa Recife, para um cenário frio e calmo de um escritório.
Marcelo, mesmo que de volta em Recife, ainda não está em casa, e sendo um dos perseguidos pelo regime busca abrigo com Dona Sebastiana, interpretada pela apaixonante Tânia Maria. Ela administra uma espécie de pensionato, que concentra outros personagens que, assim como Marcelo, estão escondidos. Tânia toma pra si o protagonismo em todas as cenas em que aparece, traz leveza. É nítido que a personagem carrega consigo certas cicatrizes, mas não deixa que isso a abale. Até Marcelo parece se divertir na presença da senhora, com um olhar sempre de admiração.
Fora do pensionato, conhecemos a família de Marcelo, ou o que sobrou dela. Seu filho mora com os avós maternos, e descobrimos que sua mulher está morta. Nos silêncios, percebemos que não foi uma causa natural. Ele se emprega no centro de identificação da polícia, tendo como motivo razoável buscar os registros e a memória da sua mãe, há muito tempo falecida.
O diretor nos faz viajar por belos cenários, coisas que só quem viveu a Recife da época poderia contar. É sutil nos detalhes, faz referência ao filme “Tubarão”, mas utiliza a figura como símbolo da violência, do perigo que está à espreita. Mostra um gato de duas faces, em alusão à vida dupla do protagonista. Já de sutil, a polícia não tem nada, é fator central para a corrupção e manutenção dos privilégios, é cruel, e como o tubarão, age nas profundezas, fora da superfície.
O cine São Luiz fez parte da reconstituição da cidade de Recife nos anos 1970
O título do longa pode confundir os mais desavisados. Ao pensar no tema “Agente Secreto”, imaginamos um filme de ação e espionagem, o que não é o caso. O nome serve pra fixar a mensagem proposta pelo filme e os dilemas vividos por Marcelo, ou melhor, Armando. Esse é o verdadeiro nome do protagonista. E é, nessa dicotomia, que Wagner Moura brilha. As duas facetas do personagem começam sutis, mas à medida que nos envolvemos na narrativa, entendendo os nuances e trejeitos de cada um. Armando é um pesquisador e professor de universidade, e como um dos representados do corpo docente, tem uma postura mais confiante, sisuda, já Marcelo, é muito mais receoso, acuado, com ombros levemente caído, passa um pesar maior no olhar. Além das faces de Marcelo e Armando, o ator vai reaparecer na pele de mais um personagem, que dá um desfecho cheio de mensagens para a história.
Em o “Agente Secreto”, Kleber Mendonça possui como grande feito a capacidade de nos imergir em uma envolvente Recife nos anos 1970. E o recorte escolhido, bem segmentado, contribui muito para que o público se conecte com todos os membros desse grande emaranhado. Há os policiais sórdidos, violentos e corruptos, e, principalmente, as pessoas que escondem sua identidade para fugir da perseguição ditatorial, entendendo o que os move, mas, fundamentalmente, os seus medos. Mesmo com figuras ficcionais, a história é muito bem-sucedida ao resgatar sentimentos e memórias de um período obscuro e violento, e, ainda assim, permite momentos de alento, mesmo que breves.
O filme está em cartaz no Cineart (Pelotas), no Cineflix Shopping Pelotas e no Cinesystem do Praça Rio Grande Shopping.
Título: “O Agente Secreto” (2025)
Duração: 158 min
País:Brasil, França, Países Baixos, Alemanha
Direção:Kleber Mendonça Filho
Roteiro: Kleber Mendonça Filho
Elenco:Maria Fernanda Cândido, Alice Carvalho, Gabriel Leone, Wagner Moura
Com direção de Diego Freitas, o filme trata de temas complexos como as doenças graves e a ameaça de morte
Por Adilson Camargo Pereira
Os dois personagens protagonistas são o cachorro caramelo Amendoim e Pedro (Rafa Vitti) Fotos: Divulgação/Netflix
O filme “Caramelo”, estrelado pelo ator Rafa Vitti e um cachorro caramelo – nome dos cães sem raça no Brasil – nos mostra o poderoso laço afetivo entre os seres humanos e o “amigo de quatro patas”, nas melhores e piores horas de nossas vidas. Dirigido por Diego Freitas, a produção estreou no dia 8 de outubro pela plataforma de streaming Netflix, chegando no topo mundial de produções de língua não-inglesa mais assistidas em pouco mais de uma semana, o que demonstra um poderoso feito para o cinema nacional.
Nos primeiros segundos do filme, um filhote de caramelo é deixado dentro de uma caixa de papelão por um carro à beira de uma estrada. Logo, o cachorro foge para São Paulo, onde vive em uma feira ambulante. Anos depois, encontra Pedro (Rafa Vitti), um jovem chef de cozinha, de 27 anos. A partir daí, começa o início de uma bela história de afetividade entre o “Amendoim” e o Pedro. Mas, de repente, o chef é diagnosticado com câncer na cabeça, um glioma cerebral, que não tem cura e necessita a realização de uma cirurgia de imediato. Então, o jovem se vê desesperado, mas o Amendoim é seu grande amigo no acompanhamento dessa doença.
Enfrentamento do câncer e respeito aos animais são dois temas que convergem
Para pessoas com câncer e familiares, o filme questiona o estigma da não aceitação da doença em jovens. Demonstra o que muitas pessoas pensam quando descobrem um tumor ao fazer para si a pergunta “Por que eu, jovem?”. O personagem demora a contar para a mãe, que mora longe. Só revela depois de raspar a cabeça, em decorrência da queda dos fios de cabelo, seguida de fortes enxaquecas, que também o obrigam a deixar o serviço, num momento de grandes realizações na sua vida profissional. É nesse período que o jovem pensa sobre a morte e o destino de seu amigo fiel.
A trama também mostra a dificuldade da adoção de animais mais velhos no Brasil, especialmente os vira-latas. Antes da descoberta do câncer, Pedro pensa em deixar o cão em um abrigo por conta da sua personalidade forte – um animal muito bagunceiro e desobediente dentro de casa – mas é alertado sobre as estatísticas, o que faz repensar. Esse é um grande ponto que o filme mira para além das telas: dias antes da estreia, a Netflix, em parceria com o Instituto Caramelo, promoveu uma grande campanha de adoção online de cães no Brasil, que muitas vezes são encontrados abandonados nas ruas, feridos, que precisam de um lar. No site da instituição, encontram-se informações de cada animal e onde são encontrados. Em paralelo, a marca automobilística Chevrolet pediu a internautas enviarem fotos por Whatsapp de seus cachorros caramelo, com o objetivo de criar uma paleta de cor única para um de seus carros ir a leilão e ajudar o Instituto Caramelo.
Filme conta com momentos emocionantes ao longo de sua duração
Caramelo tem um desfecho emocionante. Felizmente, Pedro é operado, mas segue o tratamento, sempre ao lado de seu amigo. Amendoim é testemunha do casamento de Pedro e o nascimento da filha, tempo suficiente para o cão apresentar sinais de velhice, uma fase que nenhum dono de pet gosta de vivenciar. Nos últimos segundos do longa, seu dono o leva a praia, num lindo pôr do sol – essa é a hora de estar com um lenço em frente à tela, pois muitos irão aos prantos.
Enfim, o filme é um retrato para o mundo da paixão que temos pelos animais. O cachorro caramelo é uma verdadeira febre nacional e amado pelos brasileiros. Por conta dos resultados obtidos com a repercussão do filme – dublado em vários idiomas, filme favorito da semana em pelo menos 80 países, a produção brasileira de maior alcance na Netflix -, lastima-se que não tenha sido exibido em telas dos cinemas pelo Brasil, pois é digno de ares hollywoodianos. Embora tenha sido produzido com exclusividade para a Netflix, merece um Oscar!
Ficha técnica
Título:“Caramelo”
Direção: Diego Freitas
Roteiro: Diego Freitas, Carolina Castro
Elenco: Rafael Vitti, Amendoim, Arianne Botelho, Kelzy Ecard, Bruno Vinícius, Ademara, Noemia Oliveira, Carolina Ferraz, Cristina Pereira, Paola Carosella
A dupla de jovens cantores e instrumentistas Ana Luisa Nunes e Mateus Kempfer começou a fazer shows neste ano e a interagir com o contexto cultural e artístico de Pelotas, com seus pontos favoráveis e desafiadores
Por Marco Ayala
Ana Luísa Nunes e Mateus Kempfer, formam a banda“Quarto Afora” Fotos: Divulgação
A banda pelotense “Quarto Afora” é integrada pelo jovem casal Mateus Kempfer – músico de 20 anos – e por Ana Luísa Nunes, com 17 anos, artista e estudante do IFSul (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-rio-grandense). Eles decidiram fazer seu próprio duo, com o intuito de levar sua arte, individualidades e gostos musicais de dentro das suas casas para a comunidade. A dupla começou a montar seu conceito, repertório e identidade entre dezembro de 2024 e janeiro de 2025, para apresentar seu primeiro show ainda no mês de janeiro deste ano. Além da sua dedicação, o apoio de familiares e amigos tem sido fundamental. Seu empenho e coragem em enfrentar os públicos em apresentações leva a uma reflexão sobre o contexto cultural de Pelotas e a as condições locais para o desenvolvimento dos trabalhos artísticos.
Segundo o casal, o projeto da banda une o útil ao agradável, uma vez que é a junção de um amor com duas carreiras artísticas e apreços culturais similares. Assim, além de trabalharem, divertem-se com o que fazem. Tratam o duo como algo que acrescenta em suas vidas pessoais e que fortalece seu relacionamento.
“Eu comecei um projeto, em 2020, na pandemia, montando um estúdio na minha casa, no meu quarto. […] Eu sempre fui muito inspirado pelos Beatles e pelo Paul McCartney, eles faziam esse tipo de coisa; e eu resolvi fazer um estúdio, então, no meu quarto. […] Fomos conversando para achar um nome para essa dupla acústica que a gente queria fazer juntos, com músicas que gostamos, e vimos que teríamos que sair quarto afora… E essa é a literal história [do nome]! Parece até mentira quando a gente conta […]! Quando eu escutei ‘quarto afora’ […] eu falei ‘Bah! É muito esse nome!’”
Mateus Kempfer
“E já fazia um tempão que a gente estava tentando achar um nome. Tem uma banda que a gente se inspirava muito no início que é ‘The Couch Band’ [‘A Banda do Sofá] [..] e eles tocam em palcos com vários sofás. Eles se sentam em sofás durante os shows. A gente achava muito incrível isso e queria encontrar uma vibe mais confortável, mais despojada… e daí veio esse nome!”
“Eu tive o privilégio de acompanhar toda a maturação desse projeto, […] apesar de eles serem muito jovens, eu acho que o comprometimento e a responsabilidade que eles tomam com o Quarto Afora é realmente de uma banda profissional, o que é algo bem diferente dos outros projetos que eles fizeram antes. […] Eles são um exemplo de uma juventude muito comprometida e apaixonada pelo que faz e pelo que eles estão compondo, né? […] Não tem nenhum desleixo e não tem nenhuma preguiça dentro do esforço que eles fazem [na preparação do] repertório para cada show. […] São jovens cheios de energia para transpor nos shows deles. […] É uma banda que tem muito a agregar no sentido cultural de Pelotas, […] a tornar visível muitos outros grupos jovens […]. Eles trazem um exemplo de muita dedicação, esforço, comprometimento, com muita vontade de se destacar […]!”
Lara Gomes Tavares (estudante de ensino médio fã da banda)
Influência dos estudos musicais
Mateus e Ana Luísa, antes do Quarto Afora, faziam parte da escola musical O Batuta, sede de ensaios da antiga banda deles – Soul’s Road – e de outros projetos que participavam. Ambos saíram juntos da instituição por conta da ideia de criar o próprio conjunto.
O casal já se apresentava junto anteriormente, além de suas trajetórias individuais. Mateus lembra que, após seu último show com a Soul’s Road (março de 2024), saiu da O Batuta e ingressou no curso de Bacharelado em Música Popular na Universidade Federal de Pelotas (UFPel), no qual ficou por seis meses. Depois de uma viagem de duas semanas a Nova York – com o objetivo de estudar inglês e música – precisou trancar a faculdade para dar mais atenção aos seus projetos musicais. Mateus ainda menciona a possibilidade de retornar à UFPel, uma vez que ele quer trabalhar profissionalmente com música ao longo da vida.
Ana Luísa, antes mesmo de entrar na O Batuta, participou de outras escolas de música. Dentro da instituição – a qual ingressou antes de Mateus – já participava de outras bandas, antes da Soul’s Road. Após o encerramento das atividades desse grupo, e diferentemente de Mateus, Ana Luísa seguiu na O Batuta, até que também precisou se afastar por causa da rotina exigente do curso de Edificações do IFSul.
Foi depois de ambos saírem da O Batuta que surgiu a ideia da Quarto Afora, sendo que o casal já era convidado para se apresentar antes da criação oficial da dupla com a identidade que é conhecida hoje em dia.
“Eu acho que essa coisa de fazer o que tu amas com quem tu amas é muito mais fácil! Fazer o que tu gostas, o que tu sabes, com quem tu estás sempre junto! […] A gente já era chamado para tocar em aniversários de conhecidos, por exemplo. […] por que não ter um nome, uma identidade, e ter um repertório montado?”
Ana Luísa Nunes
A partir da estreia em janeiro deste ano a dupla tem sidoconvidada para novas apresentações
Presença na região
A primeira performance aberta ao público como Quarto Afora foi no Stúdio Anchieta, no dia 31 de janeiro. Segundo Mateus, a demanda das apresentações abertas, inicialmente, era bem menor. Com o tempo, ocorreram outros shows e o crescimento da procura pela dupla em Pelotas – em lugares e eventos importantes para o município, como a 31ª Feira Nacional do Doce (Fenadoce) – além de uma presença fora da cidade (em Cruz Alta, no Rio Grande do Sul). Hoje em dia, o duo tem contatos mais frequentes com bares e lojas, além de se manter presente em eventos privados.
“Nosso show é montado para agradar a todo o tipo de gente […]. É um show muito ‘família’! Quando acabamos uma apresentação, chega um senhor dizendo que a gente reviveu toda a vida dele com as músicas, ou, então, vem uma criança que quer tocar no nosso pé de bateria!”
Ana Luísa Nunes
Embora a banda produza um repertório capaz de agradar distintos tipos de pessoas, eles não se apropriam de todo ou qualquer gênero musical em seu repertório e fazem questão de mostrar o seu gosto musical. Essa manifestação é uma imposição da própria identidade, sem apelar para culturas padronizadas da atualidade ou se deixar levar por produtos, lugares e eventos que são mais consumidos e frequentados pela sociedade. Essa imposição poderia deixar de lado as essências de Mateus e Ana Luísa. O jovem afirma que o trabalho perderia sentido ao tocarem algo que não vai de encontro com seus gostos.
“Acredito que o Quarto Afora tem uma contribuição grande no que se refere à qualidade, repertório e gênero musical para nossa cidade. Eles trazem um som diferente daquele mais consumido atualmente, com a predominância do pagode, sertanejo e funk. A música deles traz referências do folk, rock suave, bossa nova, jazz e MPB. Eles trazem o melhor da música nacional e internacional, com uma pegada jovem, moderna e inteligente.”
Liziane Kempfer, mãe de Mateus
Portfólio da banda: vídeo que mescla as variações de seu repertório
“A gente consegue se expressar dentro das vontades das pessoas. [.,.] Tem uns eventos aos quais vamos e acabamos sendo só ‘música de fundo’, e gostamos disso! Eu acho interessante a experiência de estar ali só como uma coisa secundária; e tu não tens que ficar se preocupando tanto com uma performance, nos divertimos mais até! […] Quando a gente está com toda a atenção em cima, nos satisfazemos de uma outra maneira. […] Ficamos felizes quando tocamos uma música dos Beatles, ou outra que a gente gosta muito. E, daí, as pessoas recebem bem, aplaudem, cantam junto, ou alguém invade o palco e começa a cantar […] ou quer tirar uma foto com a gente.”
Mateus e Ana Luísa, em resposta conjunta
Sob esse cenário, os resultados de seus trabalhos agradam a ambos. De acordo com Mateus, o crescimento da visibilidade do Quarto Afora da forma que ocorre hoje era inesperado. O padrão musical em Pelotas era considerado algo muito distante do que o que se poderia alcançar (em alguns quesitos, como contatos, equipamentos e ferramentas). Entretanto, com o tempo, passou a ser possível.
O retorno do público quanto ao repertório é positivo. Mesmo que a dupla pense que não faça nada que seja “revolucionário”, o casal se entusiasma muito e é bem acolhido pelo que faz.
“Pelotas já tinha uma comunidade musical feita. É uma cidade que já tem suas bandas favoritas, bares que têm suas bandas; não esperávamos conseguir se inserir nessa comunidade tão facilmente. Não era só conseguir o nosso público, mas também ter as pessoas [desse círculo] como nosso público.”
Ana Luísa Nunes
“A gente é mais jovem. Isso interfere muito! As pessoas que já tocam nesses lugares estão com o nome consolidado […]. E chegam as novas gerações […]. O pessoal fala da ‘nova geração dos músicos’ e pensamos ‘nossa’! A gente não carrega todo esse peso nas costas!’.”
Mateus Kempfer
Registro do show do Quarto Afora no Stúdio Anchieta, em 31 de janeiro de 2025
A cena cultural pelotense
O cenário cultural em Pelotas atravessa paradoxos. A história da cidade – principalmente no século XX – é marcada por uma cultura rica, autêntica e forte. Esse quesito é manifestado na qualidade, variedade e representatividade da tradição doceira (principal marca do município), da música, do teatro, das artes visuais, da dança, do esporte, entre outros. Há um reconhecimento de que o povo pelotense costuma ter uma “vocação natural” e “sensibilidade estética” para uma diversidade de manifestações artísticas.
A valorização e o investimento estrutural, no entanto, não são devidamente proporcionais à produção cultural local. A resposta governamental às manifestações pode ser considerada insuficiente, seja pelo comportamento e pela visibilidade na sociedade, seja pela carência de políticas públicas e leis de incentivo e inovação.
Há uma evolução no quesito artístico ao longo do tempo. Entretanto, falta disponibilização de espaço, subsídios e “holofotes”. Logo, essa evolução é lenta e não acompanha o processo de produções. Muitos artistas não têm recursos suficientes para sobreviver apenas trabalhando com cultura – dessa maneira, viver somente de arte pode ser encarado como um privilégio.
Essa situação pode ser demonstrada em alguns acontecimentos. Um deles é a interrupção das atividades do vitorioso e histórico Teatro dos Gatos Pelados – do Colégio Municipal Pelotense – por 20 anos (existe desde 1905 e paralisou entre 2001 até a retomada de suas atividades em 2021). Outro exemplo é o acidente de trânsito que culminou na morte de integrantes do projeto de remo “Remar Para o Futuro”, que poderia ser evitado se houvesse uma preocupação do sistema público no deslocamento seguro da equipe para o campeonato no Rio de Janeiro. Outra perda grande do município é a desistência da Seleção Brasileira de Hip Hop Unite – grupo de danças urbanas da categoria Mega Group Adulto – de disputar o campeonato mundial por falta de recursos financeiros e apoio público para a viagem até a República Tcheca. Muitos outros grupos e cidadãos também são afetados negativamente para prosseguir na cultura (na arte, no esporte, etc.):
“Infelizmente, como pelotense, não tenho como negar. Aqui a gente tem uma cultura de ‘como tá, tá bom’; e isso me fez ser meio acomodada e medrosa também. Então, pensar em trocar minha vida por uma exposição pública na internet dava muito medo! Mas como eu ia saber se eu não tentasse? […] Evoluir dói, mas vale a pena!”
Bruna Sedrez, influenciadora digital de Pelotas(relato em vídeo comemorativo de um ano de produções de conteúdos digitais, em 10 de Junho de 2025)
“Meu grupo de dança iniciou ano passado e eu abri o estúdio esse ano. […] Eu vejo que a dança é, sim, uma parte forte da cultura pelotense, mas que acaba, às vezes, ficando em nichos, né? […] Eu que acabei de fazer um espetáculo, por exemplo: eu que corri atrás de tudo, né? O espetáculo foi completamente bancado pelo valor dos ingressos e também recebeu apoio de algumas empresas para que ele acontecesse […]. Acho que a gente se insere nesse local de empreendedores, de pessoas que tem que correr e batalhar pelo ‘seu próprio’, sabe?”
Isadora Marten Brião (bailarina, coreógrafa e proprietária do Studio de Dança Isadora Marten)
“Tudo faz parte de uma engrenagem. A sociedade não valoriza a arte. Logo em seguida, os nossos governantes também não. O comércio também não tem possibilidade de oferecer uma estrutura melhor pra quem está fazendo entretenimento, para quem está fazendo esse tipo de coisa. […] A estrutura não é preparada para receber novos músicos, e sim, só os músicos que já têm uma carreira consolidada.”
Mateus Kempfer
Sob esse cenário, há fatores estimulantes, mas há contextos limitantes para uma ascensão bem-sucedida de todos os que se envolvem profissionalmente com cultura em Pelotas.
“Com certeza, uma coisa que tem que destacar é que, se eles [Teatro dos Gatos Pelados] tivessem mais apoio e ajuda, estariam muito mais adiantados e alcançariam muito mais pessoas. Muitos não conhecem, não sabem que podem participar, não sabem onde assistir! O trabalho de divulgação do jornalista dentro da cultura é fundamental para que o público entenda e conheça o que está acontecendo. São as oportunidades que se tem e que se está perdendo por não poder participar ou contemplar essas obras, esse esforço […]. Por exemplo, um jogo de futebol é fácil de todos saberem […]. Mas sabe quando uma peça de teatro está em cartaz? […] Então, sem dúvida, assessoria e os canais de imprensa são fundamentais e colocam mais um holofote em cima desses talentos que querem brilhar!”
Carolina Mattos(ex-assessora de imprensa do Teatro dos Gatos Pelados)
“Sempre que eles [Ana e Mateus] vêm aqui, o trabalho deles é muito bom! Muito profissional e muito interessante! […] O nome daqui é Utopia Casa Bar. Assim como uma casa, aqui se abre pra novos intérpretes! […] A importância é ter um espaço para que artistas se apresentem! Um espaço de coração aberto! […] A casa está aberta pra isso!”
Guillermo Ceballos(proprietário do Utopia Casa Bar)
“Nós vimos recentemente uma banda lá [no ‘Del Patio’: estabelecimento de eventos culturais e sociais], chamada ‘Funk You’. Foi uma das melhores bandas que a gente viu de Jazz Fusion; […]. O pessoal veio de Porto Alegre e foram umas 40 pessoas ver o show. A gente fica muito feliz de existirem esses lugares que tinham que ser mais valorizados. As pessoas, por algum motivo, não vão assistir […]. Na verdade, Pelotas tem shows de extrema qualidade! A coisa não é ‘qualquer’! […] Tem uma qualidade muito interessante, de Pelotas especificamente, em que o músico dificilmente toca o que o público quer. Isso é muito bom; porque o que eu observo é que as pessoas tocam o que elas gostam! […] Aqui tem banda de Jazz, de Soul, ritmos que as pessoas não costumam escutar tanto. Claro que temos bandas de samba, choros, que também são ótimos; e eu tenho certeza que eles estão tocando o que amam também! Mas aqui tem gostos mais diferentes da ‘curva’, não se tem medo de botar a cara a tapa e fazer os projetos! É diferente de outras cidades menores [do interior do Estado].”
Mateus Kempfer
As dificuldades do contexto cultural pelotense têm sido enfrentadas pela banda Quarto Afora com bons resultados. O duo sente que a repercussão de seu trabalho é muito positiva e acima da média, mesmo sabendo que a música deveria ser mais contemplada em Pelotas. Ambos se sentem privilegiados porque conseguiram investir para ter seus próprios equipamentos e instrumentos, tinham conexões com outras pessoas que poderiam promover a dupla, além de contar com alto auxílio familiar e de amigos. Sob esse cenário, o casal considera que, infelizmente, não são todos que têm esse apoio e essas ferramentas para conseguir investir na música com rentabilidade, e que essas pessoas demandam mais tempo e dedicação para obter sucesso.
Além da base de investimento, o próprio processo justifica o bom reconhecimento do Quarto Afora. Existe muito estudo, em muitos sentidos – saber como se manter no complexo meio artístico pelotense; evolução musical e em técnicas da área; o uso do meio digital, no qual a população se encontra em maior “peso”; além da modernização e ampliação de alcance de suas produções culturais – para que a banda cresça e amplie a acessibilidade de sua arte.
Registro de show do Quarto Afora na 31ª Feira Nacional do Doce (Fenadoce)
“Em Pelotas, a gente tem muitos exemplos de músicos maravilhosos […]. A maioria dessas pessoas […] são mais velhas e ‘instaladas’ no contexto artístico de Pelotas; já que não há muita oportunidade de novos nomes, né? E isso em várias cidades sem ser as capitais! Eu acho que não há muita perspectiva de crescimento em Pelotas […] e por isso há poucos jovens e novos grupos que se instalam […]. Tem muita gente que conhecemos que canta, mas nunca é considerado: ‘a carreira dele é ser músico!’, sabe? A gente geralmente dá uma subestimada nesse sentido dentre os artistas de Pelotas. […] O Quarto Afora quebra um pouco com esse panorama, porque traz a perspectiva de dois jovens – que seriam ‘jogados de lado’, considerados não aptos a serem realmente profissionais – que estão sendo contratados para shows bem profissionais e estão sendo reconhecidos pelo meio profissional que eles estão conquistando”
Lara Gomes Tavares
Quarto Afora tocando música “I’ve got a feeling” – da banda The Beatles – no Stúdio Anchieta
Iniciativa que é influência e motivação
A banda Quarto Afora é um exemplo de uma rica peça para preencher algo que falta no quebra-cabeça da cultura em Pelotas; modificando-a e saindo de um padrão repetitivo. Segundo Ana Luísa, a dupla contribui para as produções artísticas pelotenses fazendo o que eles realmente querem, evidenciando que dá para os cidadãos viverem com o que gostam e, simultaneamente, estar no mercado da região.
De acordo com Mateus, mesmo que cumprir as metas demore mais com um repertório “incomum”, a satisfação – à longo prazo – se torna mais prazerosa do que investir em algo que não vá de acordo de sua personalidade. O Quarto Afora considerou a possibilidade de usar outros repertórios para evitar de ter seu trabalho oprimido, mas optou pelo melhor para ambos, que é seguir seus reais desejos.
Esse fator contagia a comunidade. A quebra desse padrão fica evidente pelos relatos de admiradores de seus trabalhos.
“[Em Cruz Alta] teve um músico que me contou que ele gostaria de fazer justamente o que a gente está fazendo, que é música no estilo de Beatles, de rock. […] Ele nos disse que se prostituía nos shows; tocava uma coisa que ele não estava a fim, mas que sabia que ia dar dinheiro. […] Ele se inspirou muito na gente! Já estava há anos tocando; e vendo que alguém começou diferente!”
Ana Luísa e Mateus, em resposta conjunta
“Eu acho que isso tem muito a ver com o esforço do Mateus e da Aninha […] e de eles realmente terem muita paixão envolvida […].É uma banda que tem muito a agregar no sentido cultural de Pelotas, […] a tornar visível muitos outros grupos jovens que geralmente são invisibilizados por causa dessa cultura tão estagnada de Pelotas – de reconhecer sempre os mesmos músicos […] e acabar deixando de lado essa juventude que está por vir tão forte! […] Isso me incentiva a ser alguém maior e incentiva qualquer um que presta o mínimo de atenção neles! […] Espero que eles sejam um estímulo para que a estrutura de Pelotas se expanda e esteja mais preparada!”
Lara Gomes Tavares
Na noite de 31 de outubro, durante show do Quarto Afora no Utopia Casa Bar, ouvintes comentaram sobre a apresentação. O público – que contava com familiares de Ana Luísa e de Mateus, pessoas que acompanham a dupla há mais tempo, outros que os conheceram pela própria divulgação pelas redes sociais, e ainda aqueles que os viram pela primeira vez no Utopia. Elogiaram o trabalho da dupla, lhes deram importância e legitimidade, além de deixar mensagens motivacionais como um feedback da apresentação no bar:
“É maravilhoso o que eles conseguem fazer: renascer uma música que, tanto tempo, ficou parada! É magnífico mesmo! […] Eu, que acompanho eles – e como músico também – posso dizer que é nota 10! Muita qualidade de música!”
Francisco Igansi (primo de Ana Luísa e professor de piano)
“Eu gostei muito do que eu vi hoje! Eu pretendo continuar acompanhando o trabalho deles. Desejo muito sucesso e ressaltar que as vozes deles são muito bonitas!”
Gustavo Maciel Zurschimittem (estudante de Ciências Biológicas)
“Saliento que o trabalho deles é um trabalho muito bom! Que tragam isso para mais lugares e mais pessoas conhecerem! Que eles tenham muito sucesso na carreira e possam se desenvolver como cantores. Estão no caminho certo!”
Guilherme Rodrigues de Moraes(estudante de Enfermagem)
“Eu conheci a banda faz poucos dias pelo Instagram e gostei bastante do trabalho deles! Apareceu um vídeo ‘do nada’ pra mim […] e eu achei as vozes deles muito bonitas. […] Quando eu vi que viriam para cá, chamei meus amigos [Gustavo e Guilherme] para virem! […] Desejo uma boa sorte na sua jornada e quero vê-los mais vezes!”
Juliane da Cunha Luçardo(arquiteta)
Registro do show do Quarto Afora no Utopia Casa Bar, em 31 de outubro de 2025
E o futuro da Quarto Afora?
Ana Luísa – mesmo que se dedique profissionalmente à banda – considera a música majoritariamente como um passatempo, quer se dedicar para o curso de Edificações e ingressar uma faculdade de Arquitetura. Enquanto isso, Mateus tem o sonho de viver a música como profissão. Ainda assim, considerando esses fatores, ambos têm uma paixão muito forte pela Quarto Afora e desejam seguir essa jornada juntos.
Nesse sentido, considera-se o prosseguimento do projeto a longo prazo. A banda é o ponto de encontro principal de Mateus e Ana, que unem o hobbie ao profissional, o útil ao agradável, o amor e a arte. Por meio do conjunto, o casal se satisfaz de diversas maneiras, e a cultura pelotense é muito bem representada.
“Tenho muito orgulho da trajetória que estão seguindo. Eles são muito corajosos no que diz respeito a buscarem um espaço cultural em que a música é mais refinada e, portanto, tem um público menor e mais exigente. O talento deles, que vem desde a infância, é lindo, e nos faz ter a certeza de que vale muito a pena apoiar sonhos quando estes são acompanhados de profissionalismo, dedicação e dom!”
Liziane Kempfer
“São inspirações, pessoas que eu realmente admiro do fundo do meu coração e que eu tenho completa confiança de que têm um futuro brilhante; e que eu sou só uma espectadora de estar ali e poder acompanhar desde o princípio!”
Lara Gomes Tavares
“Eu vou no bloco dessa mocidade
Que não tá na saudade
E constrói a manhã desejada
Eu acredito é na rapaziada
Que segue em frente
E segura o rojão
Como é que não?
Eu ponho fé é na fé da moçada”
Trecho da música “E Vamos À Luta”, do cantor e compositor Luiz Gonzaga do Nascimento Júnior (Gonzaguinha)
Nova versão do personagem da DC Comics ganha relevância em um contexto em que predomina o cinismo
Por Sofia Mazza Machado
Super-homem interpretado por David Corenswet passa a ter uma forma diferente de se relacionar com todos ao seu redor Fotos: Divulgação
Há algo profundamente humano em ver o homem mais poderoso do mundo salvar um esquilo. James Gunn sabe disso e constrói, em “Superman” (2025), um herói que não precisa de músculos gigantes ou semblante intimidador para provar sua força. O novo Clark Kent, interpretado com ternura e carisma por David Corenswet, é antes de tudo um homem “bom”. E é justamente essa bondade, essa coragem de ser gentil em um mundo que romantiza o cinismo, que torna o filme tão especial.
Desde o início, o espectador percebe que o superman de Gunn é diferente. Ele começa apanhando feio nos primeiros segundos de tela, o que nos faz entender que ele não está acima da humanidade, mas é gente como a gente. O roteiro o apresenta como alguém que erra, teme, ama – e que, apesar de poder levantar montanhas, prefere ouvir antes de agir. O super-homem que chorava sozinho no espaço, em versões anteriores, agora encontra força nos laços humanos: nos conselhos dos pais, no afeto de Lois Lane (Rachel Brosnahan) e no desejo genuíno de proteger sem dominar.
Nova caracterização da personagem traz um ser humano que deixa com que seus sentimentos venham à tona
James Gunn entrega uma história de super-herói que não tem vergonha de ser luminosa. Em tempos em que os homens e a mídia parecem obcecados por anti-heróis e pela estética do sofrimento masculino, “Superman” escolhe o caminho oposto: o dos sentimentos. E faz isso sem ingenuidade, mas com convicção. O diretor entende que acreditar na bondade das pessoas talvez seja o ato mais subversivo que resta. Como o próprio Clark diz em um dos momentos mais simbólicos do filme: “Talvez esse seja o verdadeiro punk rock.”
A diferença entre este “Superman” e o de Zack Snyder em “O Homem de Aço” (2013) (vivido por Henry Cavill) é também uma diferença de mundo. O herói de Snyder via a humanidade como um fardo; o de Gunn a vê como um presente. Se antes o “Homem de Aço” era retratado como uma divindade incompreendida, agora ele é um homem que se permite sentir. E essa mudança muda tudo. O que antes era poder bruto, agora é vulnerabilidade. O que antes era distância, agora é empatia. E esse é o maior poder que qualquer herói pode ter.
A relação com Lois Lane reflete essa nova sensibilidade. Lois é retratada não como coadjuvante, mas como uma protagonista, perspicaz e independente, cuja força nasce da inteligência e não da aparência. Ela questiona, desafia e inspira Clark e ele, em vez de reagir com ego ou autoridade, responde com amor e escuta. O filme brinca com os preconceitos para enganar. como quando a personagem Eve (Sara Sampaio), retratada como fútil e deslumbrada, revela todo o plano do inimigo com as selfies que fez ao longo do filme vistas anteriormente pelo espectador com superficialidade. A presença feminina na obra é viva e plural: não serve de adorno, mas de contraponto e de impulso. Em meio a um gênero ainda preso a estereótipos, “Superman” (2025) acerta ao dar às mulheres o mesmo espaço de complexidade e heroísmo.
O enfrentamento das suas próprias fraquezas passa a ser um ingrediente importante desta versão de super-homem
Essa delicadeza de abordagem se estende à maneira como Gunn revisita a masculinidade. O super-homem interpretado por Corenswet não é o macho invencível das narrativas clássicas. É um ser humano que acolhe, que hesita, que sente medo. Ele entende que a força não está em nunca cair, mas em escolher levantar com compaixão. Há algo revolucionário em um herói que, podendo esmagar o mundo, opta por segurá-lo com cuidado como quem carrega uma criança nos braços. É uma imagem simples, mas poderosa: o homem de aço, agora feito de carne, de afeto e de fé na humanidade.
Visualmente, o filme abraça o fantástico com a mesma naturalidade com que celebra o humano. Entre batalhas cósmicas e discussões sobre responsabilidade, há espaço para silêncios, para olhares e pequenas gentilezas. Com uma trilha sonora viciante e visuais fantásticos, Gunn equilibra espetáculo e emoção com leveza, lembrando que o que nos faz lembrar do super-homem não são seus raios laser, mas a bondade nos seus olhos humanos.
Mais do que um recomeço para o Universo DC, “Superman” (2025) é uma declaração de princípios. Um espetáculo que termina com o desejo de sermos pessoas melhores e um lembrete de que ser bom ainda importa. Em um mundo que glorifica a indiferença, o novo homem de aço escolhe a ternura como resistência. E talvez seja isso que faz dele o verdadeiro super-herói: a capacidade de continuar acreditando – e de nos fazer acreditar – que o amor ainda é a maior força que existe.
Ficha Técnica
Título:Superman (Original)
Ano de produção:2025
Direção e roteiro:James Gunn
Duração:129 minutos
Classificação: Não recomendado para menores de 14 anos
Produtores: Andrew Lary, Anthony Tittanegro, Chantal Nong Vo, Galen Vaisman, James Gunn, Lars P. Winther, Nikolas Korda, Pete Chiappetta e Peter Safran
Elenco: David Corenswet (Clark Kent / Superman), Nicholas Hoult (Lex Luthor), Rachel Brosnahan (Lois Lane), Alan Tudyk (Gary), Angela Sarafyan (Lara), Anthony Carrigan (Metamorfo), Beck Bennett (Steve Lombard), Bonnie Discepolo (Senhorita Jessop), Bradley Cooper (Jor-El), Sara Sampaio (Eve Teschmacher)
Fundado em 1983, seu objetivo é preservar a memória dos imigrantes pomeranos através das manifestações artísticas
Por Najara Leal e Raissa Iepsen
Com mais de 40 anos de existência, o grupo conta hoje com cerca de 200 dançarinos Fotos: Rafael Grigoletti
Sonnenschein significa “raio de sol” em alemão. E é exatamente isso que o grupo representa para São Lourenço do Sul: luz, calor e vida cultural. Há mais de quatro décadas, o Grupo de Danças Folclóricas Alemãs Sonnenschein segue sendo um dos maiores símbolos da preservação cultural no município. Em 2025, completou 42 anos de atividade, mantendo viva a herança deixada pelos imigrantes alemães que ajudaram a construir a história da cidade, e se consolidando entre os principais grupos de folclore germânico do Brasil.
Fundado em 25 de agosto de 1983, o Sonnenschein nasceu com uma missão simples, mas muito significativa: mostrar a beleza da dança alemã durante as comemorações do centenário do município. Sob a liderança da professora Soleni Peres Heiden, seis pares de dançarinos se apresentaram no Festival Teuto e Gaúcho, e, sem imaginar, deram início a uma trajetória que se tornaria motivo de orgulho para gerações de lourencianos.
“A história do grupo surgiu com a Soleni, que era professora. Ela queria criar um grupo para uma apresentação do evento gaúcho da época, conseguiu juntar um pessoal e começaram a ensaiar. A princípio seria só para aquela apresentação, mas ela decidiu continuar, e muita gente ficou. O objetivo era valorizar mais a cultura alemã e as tradições pomeranas, já que São Lourenço tem muita influência disso. Foi assim que tudo começou”, lembra a integrante Júlia Radmann Tomm, que faz parte do grupo desde a infância.
A Südoktoberfest é sempre um momento do ano muito esperado pela cidade de São Lourenço e os participantes do grupo
De seis pares a quase duzentos dançarinos
Quarenta e dois anos depois, o grupo que começou com apenas seis pares hoje reúne quase 200 integrantes, o que o coloca como o segundo maior grupo folclórico alemão do Brasil. São crianças a partir dos três anos, jovens, adultos e idosos com mais de oitenta, divididos em diferentes categorias: Pré-Mirim, Mirim, Infantil, Infanto-Juvenil, Juvenil, Adulta, Livre e Feminina.
Mais do que um grupo de dança, o Sonnenschein se tornou um verdadeiro ponto de encontro entre gerações, em que tradição, amizade e amor pela cultura caminham juntos. Os ensaios e apresentações são apenas uma parte da rotina: o grupo também se envolve em ações sociais, educativas e comunitárias, fortalecendo vínculos e valores que vão muito além dos palcos.
“Eu participo do grupo desde que sou criança. Minha mãe dançava no começo e sempre me incentivou. Desde que eu tinha uns seis ou sete anos, eu danço, e não consigo imaginar minha vida fora do grupo. Todos os meus amigos estão lá, e é um lugar onde eu me sinto bem. Dançar é algo que me faz feliz, é uma parte muito importante de mim”, conta Júlia, emocionada.
A integrante também recorda com carinho um dos momentos mais marcantes da sua trajetória: “A apresentação mais especial foi a minha primeira na categoria adulta. Desde pequena eu sonhava em dançar entre os adultos, porque era tipo o auge, sabe? Então, quando finalmente aconteceu, foi muito especial”.
Quem também compartilha dessa paixão é Alice Clasen Hax, de 13 anos, e que há três anos está no grupo, fazendo parte atualmente da categoria Infanto-Juvenil. “Eu adoro participar do Sonnenschein porque é o momento em que eu me junto com as minhas amigas. A gente se diverte, aprende bastante, mas também cansamos muito, mas tudo vale a pena, né? Porque eu gosto disso. Eu também me inspiro nas gurias mais velhas, como a Júlia, que cresceram dançando e continuam até hoje. Quero ser como elas, seguir no grupo por muitos anos”, relata Alice.
As atividades do grupo têm sido viabilizadas principalmente pelo comprometimento comunitário dos integrantes
Um trabalho voluntário e independente
Um dos grandes diferenciais do Sonnenschein é sua autonomia. O grupo não tem vínculo com a Prefeitura. Tudo é feito por trabalho voluntário, de diretores, coordenadores e instrutores, que também são responsáveis pelos ensaios das crianças e demais categorias.
Nenhum integrante paga mensalidade. Eles contribuem apenas com uma taxa de inscrição anual, destinada à manutenção da sede e dos trajes, ajudando a cobrir despesas como luz, água e pequenos reparos. Todo o restante vem do esforço coletivo e do envolvimento das famílias, o que faz do Sonnenschein um exemplo de comprometimento comunitário.
Essa forma de funcionamento mostra como a união e o amor pela cultura podem sustentar um projeto tão grandioso por tanto tempo.
“A gente é um grupo totalmente independente, não tem apoio da Prefeitura nem de ninguém. Tudo o que a gente faz vem do nosso esforço e do envolvimento das famílias. Esse é um dos maiores desafios: manter o engajamento de todo mundo, especialmente dos mais jovens, mas também é o que torna o grupo tão especial”, diz Júlia.
No mês de outubro a população lourenciana é mobilizada para uma grande festa
Südoktoberfest: evento que move a cidade
Outro capítulo importante dessa história é a Südoktoberfest, festa organizada anualmente pelos integrantes do Sonnenschein, familiares e amigos. A “Südo”, como é carinhosamente chamada, chegou à sua 36ª edição em outubro de 2025, consolidando-se como a maior e mais tradicional celebração germânica da metade sul do Rio Grande do Sul.
Mais do que uma festa, a Südoktoberfest é um evento que movimenta São Lourenço do Sul, impulsionando o turismo e a economia local, além de celebrar tudo aquilo que a cidade tem de mais bonito: sua cultura, sua hospitalidade e sua alegria.
“Pra mim, o Sonnenschein é uma família. A gente cresce junto, compartilha histórias, desafios e momentos lindos. Tenho muito orgulho da história do grupo e do que ele representa para a nossa cidade”, completa.
Hoje o grupo integra varias gerações de forma a dar continuidade às tradições
Um legado em movimento
Entre passos, músicas e coreografias, o Sonnenschein segue dançando pela história de São Lourenço do Sul. Cada apresentação é uma forma de preservar, renovar e compartilhar a cultura que forma a identidade da cidade.
Mais do que um grupo de dança, o Sonnenschein é um legado vivo de amor, voluntariado e pertencimento, um verdadeiro Raio de Sol que há 42 anos ilumina a cultura lourenciana.
E é a pequena Alice quem traduz esse sentimento em palavras simples e cheias de significado:
“Eu acho lindo o nome do grupo, porque o Sonnenschein é mesmo um raio de sol. Quando a gente dança, parece que todo mundo brilha junto”.
Dois irmãos gêmeos retornam à sua terra natal e encontram forças que vão para além do cotidiano
Por João Lucas Rodrigues da Silva
Michael B. Jordan interpreta os gêmeos Fumaça e Fuligem em uma atuação magistral Foto: Divulgação
Dirigido por Ryan Coogler e estrelado por Michael B. Jordan, “Pecadores” é um filme que surpreende por misturar terror, drama, história, o sobrenatural e muita música de um jeito irreverente. Ambientado no sul dos Estados Unidos nos anos 1930, a obra acompanha os gêmeos Fumaça e Fuligem (ambos interpretados por Jordan), que retornam à sua cidade natal tentando abandonar um passado sangrento e criminoso. No entanto, à medida que tentam recomeçar, forças ancestrais voltam a assombrar não apenas os dois, mas toda a comunidade.
Um dos pontos altos do filme, sem dúvida, é sua atmosfera. A fotografia, os figurinos e principalmente a sua maravilhosa trilha sonora criam um clima fantástico e enérgico que nos transporta diretamente para aquela época e contexto. Michael B. Jordan entrega uma atuação poderosa, dando profundidade e contrastes às duas versões de si mesmo, algo muito desafiador segundo ele tem dito em entrevistas. Ryan Coogler, por sua vez, dirige com firmeza, equilibrando os elementos sobrenaturais com discussões sobre identidade, pecado, liberdade e herança cultural.
Além dos dois protagonistas, Miles Caton brilha em sua estreia no cinema como o personagem Pastorzinho, primo de Fumaça e Fuligem e filho de um rígido pastor, que enxerga o “blues” – paixão de seu filho – com maus olhos por supostamente ser “a música do diabo”.
Vale destacar que “Pecadores” não é um terror convencional, daqueles feitos unicamente para assustar. O ritmo é mais lento, principalmente no começo, mas isso funciona perfeitamente, visto que esse início de filme introduz muito bem os personagens e faz o espectador criar carinho por eles. Para alguns, isso pode causar estranhamento, já que esse filme é muito diferente da maioria dos terrores, afinal, ele é muito mais um drama do que um terror propriamente dito, apesar de ter elementos que criam tensão de forma magnífica.
Entre esses elementos, estão os vampiros – principal ameaça no filme -, que são usados na trama para tratar do vampirismo histórico, que é quando um povo (geralmente branco) se apropria da cultura de outro povo (geralmente preto ou indígena), assim como aconteceu com o rock, o blues e o jazz.
No entanto, é impossível falar dessa obra sem falar da trilha sonora fabulosa do compositor sueco Ludwig Göransson (famoso por seu trabalho em Oppenheimer), que é o carro-chefe de “Pecadores”. “I Lied To You” e “Last Time (I Seen The Sun)” são as canções de maior destaque no filme e são daquelas que não saem da cabeça do espectador por um bom tempo, ainda mais após assistir ao filme, sabendo em que contexto cada música é tocada.
“Pecadores” se destaca como uma obra ousada e riquíssima. É um filme que fala sobre culpa e redenção, mas principalmente sobre racismo, o poder da cultura e da memória. Pode-se afirmar com convicção que, no futuro, esta obra será tratada como um clássico do cinema, um irreverente terror musical. Sem dúvida, vale a pena assistir, especialmente para quem apreciar histórias que vão além do susto e fazem refletir depois dos créditos. A experiência se torna única e memorável graças à trilha sonora, aos cenários e ao subtexto espiritual.
Ficha Técnica
Título: “Pecadores” (“Sinners”, 2025)
Direção:Ryan Coogler
Roteiro:Ryan Coogler e Joe Robert Cole
Produção: Marvel Studios / Coogler Films
Elenco principal:Michael B. Jordan (Stack e Smoke Moore), Miles Caton (Sammie Moore), Danielle Deadwyler, Delroy Lindo, Ayo Edebiri, Glenn Plummer, Buddy Guy (participação especial)
Projeto de extensão da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) desafia a noção tradicional dos espaços expositivos
Por Henri Porto Dias e Lucas Duarte Maciel
Objetos do cotidiano trazem por trás de si histórias de vida e têm relevância simbólica Fotos: Acervo MCB
O Museu das Coisas Banais (MCB)foi criado em 2014 por integrantes do departamento de Museologia, Conservação e Restauro, do Instituto de Ciências Humanas da Universidade Federal de Pelotas. Funcionando exclusivamente em formato virtual, sua missão é preservar e compartilhar as memórias atreladas a objetos cotidianos — as “coisas banais” — que possuem um profundo valor afetivo e pessoal para seus doadores.
O acervo do Museu é composto por objetos biográficos enviados pela própria comunidade, geralmente através de fotografias e suas respectivas narrativas, explicando o vínculo afetivo. Nesta reportagem, você vai conhecer a história completa do museu e o porquê de a banalidade estar presente só em seu nome.
O início, bastidores e o trabalho no Museu
Ao observar outros museus pelo mundo, como o Museu da Cidade de Buenos Aires, na Argentina, Juliane Serres, professora de museologia da UFPel e coordenadora do projeto, sentiu a carência de um espaço que abrigasse apenas objetos comuns com significados sentimentais, em detrimento dos museus mais tradicionais, como os de história e ciência.
Com a ideia em mente, em reunião com outros integrantes do departamento de Museologia, Juliane inspirou-se no livro “História das Coisas Banais”, do escritor francês Daniel Roche, para denominar o projeto. Inicialmente, era apenas um projeto de extensão do curso de Museologia. Com o tempo, o museu ganhou reconhecimento e subiu ao status de museu oficial da Universidade, sempre mantendo sua finalidade de proporcionar atividades de extensão e ensino para os futuros museólogos.
O museólogo Leonardo Monteiro ingressou no museu, ainda graduando e voluntário, dentro das atividades de ensino e extensão. Ele era responsável por descrever os objetos no website. Depois de formado e exercendo a profissão, foi convidado novamente a se juntar ao projeto, na gerência do acervo. Quem também ajuda na manutenção do acervo é Nara Ávila, ingressante no museu após Juliane comentar sobre a necessidade de voluntários para confecção de um painel e ajuda em geral. Desde 2017 no MCB, Nara foi motivada pela ideia de que qualquer pessoa possa ter um objeto musealizado, independentemente de sua classe social ou do valor material para a sociedade, mas, sim, pelo valor afetivo que se torna visível nas narrativas biográficas.
Na categoria eventos há objetos como esse carneirinho que remete ao dia de nascimento de doadora com 65 anos
Destaques sobre o funcionamento do museu
O trabalho cotidiano do Museu das Coisas Banais envolve a gestão do acervo virtual, que inclui:
Coleta de Itens: Gerenciar o recebimento de fotografias e histórias que explicam o vínculo afetivo do doador com o item.
Organização e Catalogação:Categorizar os objetos e suas narrativas, às vezes utilizando uma “categorização afetiva” (por exemplo, eventos, lugares, pessoas, sentimentos e coisas), com o apoio de plataformas digitais para gestão do acervo, como o Tainacan e WordPress.
Gestão de Conteúdo Digital:Cuidar da disponibilização e organização do conteúdo no site e em redes sociais (como Instagram), que servem como ferramentas de interação e musealização.
Preservação Digital: Focar na preservação digital das informações (imagens e textos), garantindo sua integridade e o acesso futuro a elas.
Interação com o Público: Fomentar a reflexão sobre a relação entre pessoas e coisas, buscando despertar lembranças aos visitantes virtuais. O Museu recebe objetos tanto de crianças quanto de idosos, realizando já ações nas escolas e nos asilos, tanto de Pelotas quanto de fora do Rio Grande do Sul.
A plataforma Tainacan: gerenciando o afeto digital
O uso da plataforma Tainacan pelo MCB é crucial para o seu funcionamento. Desenvolvida no Brasil e de código aberto, a ferramenta museológica atua como um plugin para sites em WordPress (utilizado pelo MCB) e permite:
Gestão Flexível de Acervos: O Tainacan é ideal para a criação e gerenciamento de coleções digitais, possibilitando a configuração de metadados e filtros personalizados. Isso é essencial para o MCB, que não usa categorias museológicas tradicionais, mas sim uma “categorização afetiva” alinhada ao valor pessoal dos objetos.
Publicação e Difusão: Facilita a publicação de coleções, garantindo que as fotografias e, principalmente, as ricas narrativas enviadas pela comunidade sejam facilmente acessíveis ao público. A ferramenta, assim, auxilia a dar forma e estrutura digital à memória afetiva preservada pelo museu.
Exemplos do acervo: o banal que se torna único
A essência do Museu das Coisas Banais reside nas histórias que transformam objetos comuns em guardiões da memória. Três exemplos presentes na Galeria Afetiva ilustram essa capacidade de evocar lembranças e sentimentos profundos:
O DVD do pai:“Ele (meu pai) tinha uma banda de rock… Foi após um desses eventos, pouco tempo depois de ele ter tido alta do hospital, que fomos até a loja e compramos esse DVD do AC/DC. Isso me marcou muito… Na vez seguinte em que ele foi internado, oito meses depois, ele morreu. Foi só pensando nele, nesse objeto, que pude perceber o quanto falava a mim e ao meu pai.
DVD de grupo de rock traz a memória afetiva de uma família
“O umbigo e o cofre:“Este é o umbigo da minha primogênita… Guardei como lembrança, assim como o dos meus outros dois filhos… Também diziam que se um rato roesse o umbigo seco da criança ela se tornaria uma ladra. Está guardado há 35 anos no cofre de casa.”
Mãe guarda o umbigo de sua primeira filha nascida há 35 anos
O avô e o mar:“Meu avô, Arthur Constantino, nascido em 1898, visitou o mar pela primeira vez em 1948… Como recordação, comprou esta concha e a manteve com ele até sua morte, quando foi herdada por minha mãe.”
Homem que viu mar pela primeira vez aos 50 anos de idade guarda uma concha de recordação
A falta de visibilidade
Apesar de sua relevância em ampliar e democratizar a constituição de acervos ao focar na memória de objetos cotidianos, o Museu das Coisas Banais enfrenta o desafio da visibilidade, em comparação com instituições físicas. Nara Ávila acredita que ainda existe um preconceito e uma reclusão, em comparação com Museus da própria universidade que têm um reconhecimento mais evidente, como o Museu do Doce ou o Museu de Arte Leopoldo Gotuzzo (MALG). “Não sei dizer com certeza, se é falta de visibilidade, mas com certeza falta um tratamento igualitário aos museus físicos. Como ele existe [no] mundo cibernético se torna abstrato.”
No entanto, ela ressalta e enfoca o papel da comunidade em conferir-lhe importância. “Tornou-se importante e visível quando as pessoas acharam interessante e importante guardar suas memórias afetivas em um museu, mesmo que seja de maneira virtual,” observa.
Tanto Leonardo Monteiro como Juliane Serres acreditam que exista um déficit comunicacional interno do museu. A coordenadora comenta que estão previstas futuras mudanças e “planos de ação” a respeito. “Até por não sermos da área da comunicação, há esse problema, mas até o fim do ano vamos nos reunir para organizar mudanças e também novos projetos, ” diz.
A natureza exclusivamente virtual do MCB, ao mesmo tempo que democratiza a participação e o acesso, também o insere em um cibermundo com um modo de funcionamento próprio. Isso exige um esforço contínuo em atividades de extensão, comunicação e interação nas redes sociais para superar a falta de um “lugar físico” e garantir que o valor afetivo e biográfico de suas coleções seja amplamente reconhecido.
O futuro projeto de memória da enchente
Ainda para este ano, o MCB irá participar de um projeto sobre as enchentes de 2024, em parceria com o curso de Antropologia da UFPel, no qual irão atuar no resgate e na fotografia de objetos perdidos ou conservados da catástrofe. Tal obra se assemelha à realizada na pandemia, que trouxe objetos marcantes da era do Covid.
O real objetivo do MCB
Quem vê, ou acessa o site do Museu, pensa que é só um acervo de coisas aleatórias e comuns. Porém, os objetos são apenas fragmentos e partes do que realmente importa, a história e a memória, de acordo com Serres.
“Quando entro no Museu, como visitante, o que realmente me sensibiliza não são simplesmente os objetos, o que me sensibiliza são as conexões que o Museu traz para todas as histórias de pessoas que nunca se conheceram e que o Museu abrange.”
Como Participar: Torne seu Objeto Banal em Memória Musealizada
O Museu das Coisas Banais tem um caráter essencialmente participativo, dependendo diretamente da comunidade para crescer. Para que seu objeto, por mais comum que pareça, faça parte do acervo virtual e ajude a fomentar a reflexão sobre a memória e o afeto, o processo é simples:
Escolha seu objeto: Selecione um objeto do seu cotidiano que possua um forte valor afetivo ou pessoal.
Registre: Faça uma ou mais fotografias de boa qualidade do objeto.
Conte a história: Escreva a narrativa que explica o vínculo afetivo e pessoal entre você e o objeto.
Envie: O envio do “objeto biográfico” (foto + história) é realizado através do e-mail do Museu, que pode ser encontrado no site oficial: Museu das Coisas Banais.
Ao participar, você contribui para a missão do MCB de preservar memórias e democratizar o acesso à museologia, provando que o valor de um item reside, muitas vezes, no afeto que ele carrega.
Este site é uma produção da disciplina de Práticas Laboratoriais, do curso de Bacharelado em Jornalismo da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), sob coordenação do professor Gilmar Hermes.
A proposta é reunir informações e reportagens sobre as atividades artísticas e culturais da região Sul do Estado.