Uma breve história do Kerb de São Miguel

Por Giordanna Benkenstein Vallejos/Em Pauta

O Kerb de São Miguel, que é a festa mais tradicional de Dois Irmãos, teve origem com o veleiro Cecília. No veleiro os imigrantes alemães partiram bravamente da cidade de Hamburgo em 1827 em busca de construir uma vida melhor em terras brasileiras. 

No caminho, a caravela enfrentou uma forte tempestade. Em meio a um eminente naufrágio. Em desespero, os colonos fizeram a promessa de que se fossem salvos e se conseguissem chegar ao Brasil, o santo padroeiro do dia da chegada seria comemorado por todas as gerações de descendentes. O navio não afundou, mas eles vagaram na incerteza do oceano por três semanas até que um navio inglês os resgatou.  

Em solo inglês eles tardaram dois anos para arranjar outro navio para seguirem a viagem em direção às Américas. Foi no dia 29 de Setembro de 1829 que eles finalmente chegaram ao Brasil e foram rumo a “Baumschneiss” que mais tarde seria denominada como Dois Irmãos. Em honra a promessa feita no navio e aos ancestrais que construíram com sua fé e garra essa cidade, o Kerb de São Miguel é comemorado todos os anos no município com muita alegria, família, religião e abundância.

Uma festa anunciada pelos sinos, foguetes e pelo aroma de cucas saindo do forno: Ligia Lucia Lawisch conta sobre o Kerb de antigamente

Liria Lucia Lawisch é uma professora aposentada que dedicou sua vida à preservação da cultura alemã por meio da dança. Foto: Giordanna Benkenstein Vallejos

Liria Lucia Lawisch, ou tia Liria, como é popularmente conhecida, é uma professora aposentada que dedicou a sua vida à preservação da cultura alemã por meio da dança. Em entrevista, ela conta sobre como era o Kerb antigamente e como conseguiu ajudar a resgatar a dança tradicional alemã no município. 

Líria explica que antigamente no Kerb ninguém trabalhava, e que ela já sabia que a celebração se aproximava pelos foguetes e os sinos das igrejas que anunciavam a festa em homenagem a São Miguel. Os fiéis das religiões Luterana, Evangélica e Católica celebravam a data cada um em suas igrejas e depois com bandas caminhavam em direção à Sociedade Santa Cecília, onde todos se encontravam e dançavam. A dança durava até perto do meio-dia, horário de ir para casa comer o almoço com a família. “Era uma festa de toda a cidade.” Relembra Tia Liria. 

As casas ficavam cheias de visitas que vinham de todas as partes para comemorar a data. A essência do Kerb naquela época era a religião e a família, e por isso Liria conta que ela e a mãe passavam os dias anteriores ao Kerb preparando tudo, desde um espaço para os parentes amarrarem seus cavalos, até cucas e pães extras para eles levarem a aqueles que não conseguiriam visitar a família na data.

As refeições do Kerb eram um banquete para o estômago e para os olhos. Comidas como cuca, linguiça, spritzbier, rabanete, repolho, pepino, salada de batata, assado de porco, pão branco, doce de coco e doces em conserva, não podiam faltar e eram feitos todos em casa. 

Uma curiosidade contada por Liria é que comer pão branco na época era quase uma raridade. “Se usava muito milho, trigo, e a gente não tinha aqui plantado, então se misturava o trigo com farinha de milho. No Kerb a gente comia pão branco, só da farinha de trigo, era uma data especial.” 

Para Liria é importante manter as tradições e valorizar o verdadeiro significado do Kerb de São Miguel. “Esta é uma festa religiosa e de família em agradecimento a Deus pelo que os antepassados passaram para chegarem aqui e nós estarmos como estamos.“ disse ela.

A dança como cultura em movimento

Registro do II Encontra de Grupos Folclóricos Alemão e Baile do Colono guardado por tia Liria. Foto: Giordanna Benkenstein Vallejos

Antes de 1979, Dois Irmãos não tinha nada a respeito de folclore alemão com danças. Dois Irmãos é uma cidade com muitos descendentes de alemães e já existia uma forte parte cultural com corais, bandas, mas dança não. Ligia Lucia Lawisch era professora na Escola 10 de Setembro nessa época.  

Na Escola 10 de Setembro havia todos os anos um festival de danças, mas eram danças de todos os estilos. A professora Glasi fazia esse trabalho de ensinar as danças para as crianças de qualquer série da escola. Tia Liria lecionava para a segunda série e questionou que teria o festival novamente e nenhuma dança alemã junto das apresentações. Glasi disse que não sabia como ensinar esse tipo de dança, mas que se Liria quisesse ajudar ela poderia. 

Porém, a Tia Liria também não sabia como ensinar a dança e lembrou-se que residiam em Dois Irmãos pastores evangélicos que faziam um trabalho missionário que eram da Alemanha. “Eu tinha na minha sala de aula um aluno que era filho desse pastor. Comentei com a mãe da criança sobre querer aprender para poder ensinar a dança típica Alemã. Ela me disse que quando estava na Alemanha e era jovem, ela dançava em um grupo e poderia me ajudar a ensinar os alunos.” E acrescenta: “Eu tenho guardado um disco de vinil que foi o primeiro que eu usei, ela me deu de presente um disco com músicas para crianças. Foi assim que tudo começou.” Disse ela. 

Então, assim deu início a um grupo chamado “Alemãezinhos do 10”. Na festa do colono eles se apresentaram e foram aplaudidos de pé, pois os moradores estavam vendo algo que tinha uma relação com a origem deles. “Tinha mais de 100 crianças dançando. Eu fazia isso fora do meu horário de aula, era um trabalho voluntário.” Relembra Liria.  

Posteriormente também foi criado um grupo de jovens, que chegou a fazer uma turnê de shows pela Alemanha em 1996 e existiu de 1989 até os anos 2000. Liria também tinha  um grupo da terceira idade de dança típica alemã que encerrou as atividades temporariamente devido a pandemia. 

Ela também organizou o intercâmbio de artistas da Alemanha para se apresentarem em Dois Irmãos e organizava para eles ficarem em casas de família, proporcionando uma importante troca entre o município e a Alemanha. Para Tia Liria, é uma alegria poder dizer que houve um resgate da cultura dos imigrantes por meio da dança e que o trabalho feito foi reconhecido positivamente pela população.

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