Tranças: além da estética uma forma de sobrevivência

Como as tranças de origem afro entrelaçam o passado e presente sendo um meio de resistência para as mulheres negras

Maria Rita Rolim

As tranças de cultura africana, carregam uma bagagem ancestral muito forte, já foram utilizadas como ferramenta de sobrevivência durante o período da escravidão, e hoje em dia ainda continuam trazendo o significado de sobrevivência, mas como forma econômia para muitas pessoas negras. Esse tipo de penteado, além dos significados que carregam consigo, para as mulheres negras são forma de proteção e aceitação diante o impacto direto com o racismo estrutural presente na sociedade, interferindo na sua autoestima, segurança e identidade.

As tranças acabam tento um papel muito importante na resistência negra contra a escravidão. Muitas vezes o cabelo era trançado como um mapa com caminhos para os quilombos, assim como sementes para serem plantadas eram tranças junto do cabelo para serem levadas aos quilombos. Dessa forma, a trança acaba tendo um papel importante tanto para a resistência e sobrevivência das nossas negritudes, quanto da nossa gente.”afirma Joyce Silva Cardoso, 25 anos, formada em História Bacharel.

Com a chegada dos africanos de forma forçada ao Brasil eles trazem consigo tradições e costumes de suas terras, o historiador Marcelo Studinski relata que: “Os africanos estão, trazem tradição dos seus territórios das localidades em África, seja no atual Benim, do atual Nigéria, do atual Angola, Moçambique ou Guiné- Bissau que são de onde vieram e partiram essas etnias, que foram transmigrados”. Os costumes foram sendo passados de geração em geração, as tranças em sua terra de origem tinha diversos significados como: posição social, status, etnia e crença. De diversas localidades da África, hoje são herança de uma cultura que resistiu para sobreviver.

Infográfico utilizando dados históricos: produção Maria Rita Rolim /Em Pauta

 

Hoje em dia, fazer tranças além de transmitir o conhecimento ancestral também é uma forma de renda para muitas pessoas negras, os trancistas como são chamadas quem trabalha especificamente fazendo tranças, é uma profissão que vem crescendo cada dia mais. Para Daniele de Souza, jovem de 18 anos que trabalha a dois anos com penteados afro, sua admiração ao olhar sua tia trançando despertou sua vontade de aprender e logo depois viu a oportunidade de trabalho: “Minha tia faz tranças então ela me ensinou muita coisa, ela fazia em mim e nas minhas primas e eu comecei a ter interesse em aprender e eu aprendi a “trança básica” digamos assim com ela. Eu vi que eu tinha talento para fazer isso, e aí eu comecei a ver isso como uma forma de trabalho e de ganhar dinheiro, trabalhar de fato com isso e isso aconteceu por volta de 2019, e foi no finzinho mais ou menos do ano que eu comecei a aprender outras técnicas de tranças.”

Foto:Daniele de Souza/ Divulgação @dani_afrobrainds

A linha tênue entre o entrelaçar das tranças do cabelo e o sentimento como autocuidado e a reconstrução da autoestima de pessoas racializadas é uma das principais missões de um trancista, que junto com seu trabalho carrega a essência de um passado de muita coragem.“Eu amo trabalhar com tranças pois junto com o penteado trazemos um grande aprendizado e também nos reportamos para um passado não muito distante onde as tranças eram utilizadas pelos nossos antepassados de diversas formas. Hoje muitos usam tranças pela estética mas antigamente a trança era literalmente um meio de fuga da escravidão, pois ao trancar os cabelo uns dos outros os negros e negras traçavam caminhos para a liberdade.” relata Mari Helena Santos, 28 anos, trancista do espaço Los Santos Hair.

Foto:Divulgação Mari Helena Santos

Thauany Vergara, de 23 anos, proprietária do Dandara Tranças e Dreads não imaginava se tornar trancista até ter a necessidade de traçar seu próprio cabelo durante o processo de transição capilar, que é um dos motivadores da muitas mulheres e pessoas pretas recorrerem as tranças afro. A transição ocorre quando se deixa de passar química para alisar o cabelo como: progressivas, botox e relaxamentos. “Eu tenho cabelo natural a mais de 8 anos e na época não era muito aceito, não era tanta gente que tinha um cabelo crespo, então quando eu decidi entrar na transição capilar eu nem lembrava qual era o jeito do meu cabelo, se ele era crespo ou se era cacheado, eu só tinha foto minha muito pequena, eu alisar o cabelo desde muito cedo quando me deparei com cabelo crespo tipo 4C seu já me apavorei” relata. O processo de transição capilar afeta muito a autoestima das mulheres negras, pois, o cabelo fica sem forma definida por conta da falta da química e as tranças entram como suporte neste momento.

Foto: Thauny Vergara/ Divulgação @dandara_trancasedreads

O imagético das composições da cultura afro estão sempre mudando em relação ao olhar da sociedade, movimentos como Black Power e agora recentemente Black Lives Matter trazem a necessidade de olhar para as pessoas negras e as consequências que o racismo na sociedade provoca. A historiadora Joyce explica que “No que tange questões relacionada as negritudes, historicamente o sujeito negro é colocado na sociedade como o outro, mas outro no sentido de não pertencimento, assim, suas características e questões que envolvem a complexidade da existência também. Nesse sentido, tanto as tranças, quanto outras formas de usar o cabelo, são associadas a sentidos negativos”.

Com essas mudanças do olhar e a própria apropriação da cultura pelas pessoas negras em suas comunidades, gerando tendências e movimento no mercado, temos o surgimento da apropriação cultural, que no conceito da antropologia e se refere ao momento em que alguns elementos específicos de uma determinada cultura são adotados por pessoas ou um grupo cultural diferente. Para Thauany não importa qual penteado, pode ser uma trança nagô, uma box braids ou um dread, ela tenta sempre levar consciência do significado as tranças possuem para a cultura afro “minhas clientes elas vão estar levando para fora um ato, que elas valorizem isso, eu tento conversar quando é em relação a pessoas brancas, mas agora, quer fazer faz mas a pessoa tem que entender que não é muito mais que estética”.

Nos dias de hoje, devido à pandemia de Covid-19, que já levou mais de 500 mil vítimas. Para a execução de atividades econômicas em geral, é necessário os devidos cuidados com a higiene e para não haver contaminação, para muitas pessoas continuarem trabalhando, principalmente para a população que não tem direito a quarentena. Daniele relata sua preocupação: “Atualmente trançar é meu único meio de renda, porém, como vocês devem saber o meio da beleza ele de certa forma sofreu um pouco com a função da pandemia, por que as pessoas não se arrumam para ficar em casa por exemplo, então o meu número de clientes diminuiu em função disso, que é super entendível por que é um valor para colocar as tranças e as vezes é um valor que a pessoa não tem, mas no momento é meu único meio de trabalho.”

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