Projeto Mulheres de Atenas aborda história de moradoras da Balsa
Por: Clara Celina e Lunara Duarte
Na tentativa de promover diálogo e levar reflexão à universidade, estudantes do curso de jornalismo desenvolveram o projeto Mulheres de Atenas, sob orientação do professor Carlos André Dominguez.
Embora a Balsa fique muito próxima do campus Anglo da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) – local que, anteriormente, enquanto frigorífico, muito empregou os moradores do bairro –, o diálogo entre a comunidade e o ambiente acadêmico ainda é restrito. Para além das limitações que cercam a periferia, tendo em vista que vivemos em uma sociedade patriarcal, a realidade das mulheres que a habitam se mostra ainda mais densa.
Pensando na possibilidade de lhes dar voz, foram realizadas entrevistas em profundidade com senhoras moradoras do bairro, as quais foram posteriormente expostas no Campus Anglo e organizadas em folhetos espalhados por alguns pontos da cidade – bibliotecas de acesso público, outros campus universitários e câmera de vereadores.
“Os depoimentos de vida da maioria das mulheres periféricas podem bem ser caracterizados como versões distintas da mesma história. A opressão estrutural que permeia a vida de mulheres marginalizadas faz com que suas vivências entrecruzem-se de maneira irrefutável, sem que seja possível analisá-las individualmente. A mãe, a esposa e a filha são identidades que se sobressaem na medida em que a humanidade desvanece.
Ao ouvir seus relatos pungentes entramos em contato não com um passado longínquo, com dificuldades de gerações pregressas, mas com uma sociedade na qual a desigualdade é a matriz comum a todos os problemas. Não há como não se sensibilizar diante das histórias a seguir que apesar de serem repletas de adversidades, foram contadas com a descontração e o até bom humor de quem leva a vida com esperança.
Paulo Freire preconizava que o indivíduo primeiro aprende a fazer uma leitura do mundo e só depois pode aprender a ler. A potência da alfabetização consiste na capacidade de contarmos a nossa própria história, sermos sujeitos da nossa própria narrativa. Porque é através da linguagem que a dominação acontece. Quando temos nossas vozes sobrepostas por discursos opressivos a consequência é a naturalização da violência sofrida.
O projeto Mulheres de Atenas tem como referência a música do cantor e compositor brasileiro Chico Buarque de Hollanda. A Grécia, tida como berço da civilização ocidental, excluía as mulheres da vida pública e debates filosóficos. Os depoimentos, embora não intencionalmente, apenas endossam esta exclusão simbólica e concreta que ainda persiste.
O intuito deste projeto é retirar da obscuridade a narrativa de mulheres idosas moradoras do bairro Balsa porque registrar é imortalizar. Trazer à tona estes relatos do cotidiano significa criar uma ponte entre a academia e a periferia. Na sua formação o bairro adjacente ao campus Anglo era rodeado por banhados.
Muitos moradores da Balsa trabalharam no Frigorífico Anglo que encerrou em 1990. Este bairro exemplifica o paradoxo de ter uma universidade perto daquelas mulheres que ali trabalharam antes da instalação do campus e cujo direito ao estudo foi negado. Elas mudaram-se para a Balsa em busca de uma vida digna e a maioria ainda não possui a escritura de suas casas. É a vez delas falarem por si.