Prefeita admite rever uso de banhados: “O custo de não levar isto em consideração é muito mais alto”

Prefeita de Pelotas, Paula Mascarenhas, na sala de situação – Fotos Ascom/ Em Pauta

Carlos Dominguez / Em Pauta

Em Pauta – Qual o maior desafio da administração pública da cidade em relação a prevenção de emergências climáticas?

Paula Mascarenhas – É um desafio enorme. A gente não sabe a dimensão de que esta tragédia climática que se abateu pelo Rio Grande do Sul vai chegar em Pelotas. Nós sabemos que vai chegar aqui, que vai passar por aqui, as águas do Guaíba só tem um caminho para cegar ao e isto vai nos impactar. O que gente não sabe é com que dimensão e se com a mesma força que outras regiões viveram, ou se com menos força. A gente não tem como precisar a hora nem o dia que vai ter 0 momento mais crítico. A gente está ouvindo a ciência, os profissionais e pesquisadores da UFPE que tem contato com outros pesquisadores. Mas a ciência também não tem respostas exatas para tudo isso. E isto pode ser o maior desafio. Mas também a gente tem o privilégio de saber que vai chegar com uma certa antecedência, o que outros municípios não tiveram. A gente tem podido se preparar e evitar os maiores danos e qualificar nosso sistema de contenção de cheias.

Em Pauta – A participação da população foi decisiva para a rápida resposta a situação de risco?

Paula Mascarenhas – Acredito sim. Acho que a população teve consciência, se uniu e atendeu os apelos para evacuação de área, até porque vem acompanhando este desastre em outras regiões, o que assusta. A gente teve uma compreensão em geral, claro que tivemos exceções, mas sociedade se uniu em um grande onda de solidariedade, como milhares de voluntários ajudando. A gente só tem de agradecer por uma mobilização tão forte.

A gente só tem de agradecer por uma mobilização tão forte.

Em Pauta – As ocorrências no RS não são um evento fortuito. Inúmeros cientistas já avisam, desde a década de 1970, dos efeitos da destruição ambiental em todo o planeta. A senhora acredita que a sociedade deva modificar radicalmente a ocupação do espaço urbano e natural para diminuir os riscos?

Paula Mascarenhas – Certamente a gente há pelos menos 50 anos discutimos está questão da sustentabilidade, do desrespeito da humanidade em relação a natureza e do quanto deveria mudar. Há muito tempo se houve isso, mas o que a gente vê e se percebe é que os países fazem muito pouco. São conferências internacionais, acordos que muitas vezes são desrespeitados e, a impressão que passa, é que sempre se posterga uma mudança cultural profunda. Parece que vai ficar a ameaça da natureza para as próximas gerações. Seria uma irresponsabilidade a gente entregar o mundo pior do que a gente recebeu para as próximas gerações. Mas não vai ser para as próximas gerações. A natureza está se rebelando agora. O que a gente está vivendo é a resposta desta relação de incompatibilidade do dito desenvolvimento econômico e tecnológico com a natureza e o meio ambiente. Então eu acho que devemos fazer uma reflexão profunda. Não é que por que isto aconteceu no Rio Grande do Sul que signifique que aqui nós agimos mal. Na verdade isto que aconteceu aqui poderia acontecer em qualquer lugar do planeta e, aliás, vem acontecendo. A gente vê terremotos, cheias, secas e todos os tidos de eventos climáticos devastadores por todo o planeta, nas mais diversas regiões Agora foi aqui! Isto nos foca mais. A gente percebe que é preciso uma resposta agora, urgente, que se mude esta relação. E isto exige uma mudança cultural extremamente profunda. É algo realmente preocupante pois até agora não se conseguiu fazer isto e as situações graves e extremas estão ai, sendo vividas em enfrentadas. O que a gente pode e dar as respostas na nossa província. Olhar para o nosso lado e tentar fazer o melhor possível no que nos cabe. Então nos cabe olhar para o desenvolvimento urbano na cidade da expansão imobiliária. A gente sabe o quanto a indústria da construção civil é qualificada. A gente tem de sentar com a iniciativa privada, com especialistas, urbanistas e rever isto. E rever nossos plano, nosso plano de resiliência e saber dos investimentos que vão ter de ser feitos para nos proteger. Temos de mudar culturalmente e colocar o conceito de sustentabilidade na nossa vida diária, prática. E nos proteger melhor.

Prefeita em vistoria as áreas de risco

Em Pauta –  Dentro das necessidades da província já há um pensamento de rever a expansão da cidade em direção ao canal São Gonçalo e a praia do Laranjal. Empreendimentos imobiliária se direção leste. Isto pode ser uma meta a ser pensada em 2025, para discussão com o poder legislativo.

Paula Mascarenhas – Eu acho que sim. A gente não pode fugir deste debate e efetivamente a cidade tem se expandido para vários lados. Mas temos muitas áreas de ocupação irregular, Nosso governo tem trabalhado na área de regularização fundiária. E algumas regiões não tem como ser regularizadas porque não efetivamente estão em área de risco. Inclusive fizemos o loteamento estrada do engenho, que entregamos em janeiro. Nós retiramos as pessoas que estavam do outro lado do dique, na beira do canal, para o lado protegido. Mas são muitas as ocupações irregulares de áreas de risco. E também a questão da expansão imobiliária que tem ido para muitos lados, mas é verdade que tem ido muito para o lado o do laranjal. E a o longo da Avenida Ferreira Viana. E lá pelas tantas começa a ficar fora do dique, e a partir dai tem áreas fora do dique que são de amortecimento do canal, áreas de banhado, que servem para isso. Para amortecer o impacto de cheias. E isso aconteceu. Quem passou ali pelos últimos dias viu um área alagada que justamente é para isto que serve. Mas, tem construções que são impactadas. E isso sim a gente precisa rever. Coibir. Acho que os próprios empreendedores vão se dar conta e perceber que precisamos rever estas questões. Acho que é uma grande discussão que tem de ser feita junto com a Câmara de Vereadores, analisar o Plano Diretor. A gente não quer que a cidade pare de crescer. Precisar desenvolver a cidade, gerar renda e emprego, mas isso tudo tem de vir acompanhado deste conceito de sustentabilidade. De respeito ao meio ambiente. Temos de buscar esta harmonia, mas é possível. É mais difícil, as vezes mais custosa, mas é absolutamente necessária. O custo de não levar isto em consideração é muito mais alto.

Pergunta – Justamente Pelotas é uma cidade que tem muitas zonas de ocupação, com famílias de baixa renda, em situação de vulnerabilidade, que são as primeiras pessoas que te de se deslocar para os abrigos pois estão nas áreas de inundação, não somente neste episódio. Como a população que realmente perdeu muita coisa vai ser assistida, em conjunto com o governo federal e estadual.

Este episódio está nos servindo para mostrar muita coisa

Paula Mascarenhas – Este episódio está nos servindo para mostrar muita coisa. Desvelar coisas que as vezes ficam escondidas. Parece que a natureza veio sacolejar, a natureza veio acordar a humanidade para algumas questões. Este impacto social nos faz ter de repensar muita coisa. As questões de infraestrutura – preparar a cidade para isto. As questões econômicas, que envolve questões urbanísticas e de como teremos uma economia sustentável, pois precisamos gerar emprego. Pelotas é uma cidade pobre. E é fundamental pensar no eixo social. A gente vai ter de voltar para casa com estas pessoas. Não é simplesmente abrir a porta do abrigo e dizer: “agora podem voltar”. Mesmo aquelas que não perderam tudo. Não só as pessoas que tiveram suas casas invadidas pela água, como do Pontal da Barra, do Valverde, da Z3. Mesmo aquelas pessoas que saíram de áreas como Navegantes e Balsa, onde as águas não chegaram e espero que não cheguem. A gente tem de voltar com elas. Acho que se percebeu o quanto a assistência social precisa dar uma virada de chave. Não é só entregar cestas básicas e dar atendimentos nos CRAS. É efetivamente viver com estas pessoas. Buscar caminhos e oportunidades. Levar educação, esporte, cultura formação profissional. Precisamos um programa permanente que considere isto. Este eixo social como prioridade absoluta. Temos algo parecido com o projeto Moradia Digna. Não basta entregar uma casa, mas fazer todo o acompanhamento da família antes, durante e depois. Tem muitas mudanças culturais.

Escute diariamente o boletim Em Pauta Especial Emergências Climáticas pela Federal FM, às 17hs

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