Pelotas abraçou o “Mais Médicos”

Por Anderson Silveira, Marcelo Rota e Thiago Lopes

 São agora 22 médicos do programa do Ministério da Saúde que pretendem auxiliar o deficiente atendimento à família nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) no município. Buscamos conhecer um pouco esses profissionais e seus locais de trabalho.

Logo que a Presidente da República anunciou o programa, em meio ao conturbado momento de protestos em todo o País, bradaram vozes criticando o Mais Médicos e outras louvando. Começou ali uma grande polêmica em torno do programa, que só veio a acalmar depois de instalados os médicos nos postos de saúde ao redor do país. Quando estes médicos chegaram do exterior nos aeroportos do Brasil, principalmente aqueles que vieram de Cuba, não tiveram uma recepção calorosa. Foram vaiados por seus colegas brasileiros de profissão, que criticavam o programa, e também por outras pessoas indignadas com sua vinda que se reuniram nos locais para protestar.

A despeito de toda essa crítica, e também de ser um programa do Partido dos Trabalhadores ao qual o PSDB faz oposição, o prefeito Eduardo Leite abraçou o Mais Médicos e, segundo ele próprio nos informou, está satisfeito com os resultados. A polêmica, pelo menos na cidade, arrefeceu. As principais razões são os elogios ao atendimento prestado por esses médicos e a presença de mais profissionais nos postos de saúde para atender aos bairros carentes.

De acordo com o Dr. Adelkis, cubano, formado desde 1996 e com experiência em países como Haiti, Equador e Venezuela, eles não vão ocupar cargos de brasileiros, mas sim acrescentar mão-de-obra nos locais onde esta for requerida. Dos 22 médicos que começaram a trabalhar em diferentes postos de saúde da cidade, um é português, cinco são brasileiros e 16 são cubanos.

Estivemos na prefeitura no dia 16/12, onde foi feita uma pequena recepção a mais sete médicos, todos cubanos. O ato solene de acolhida já havia acontecido em Porto Alegre com uma comitiva da prefeitura de Pelotas e outras autoridades do estado e do País. Naquela ocasião, conversando com eles, ficamos a par de suas trajetórias, experiências em diferentes países, formação, preparação para vir ao Brasil e dos caminhos que já haviam feito aqui no País até chegarem a Pelotas. O primeiro grupo de médicos do programa já estava atuando há cerca de um mês no nosso município. Conversamos com alguns destes profissionais nos locais de trabalho onde estão alocados e falamos também com pacientes e outros servidores desses postos de saúde.

 

Os médicos da ilha socialista

 Na recepção do dia 16, enquanto eram assediados por alguns órgãos da imprensa local, conseguimos travar uma agradável conversa com os médicos presentes. Chamam-se Alexi, Adelkis, Abdel, Andrés, Adis Georgina, Alexander e Alcides. Havia dentre eles homens, mulheres, negros, pardos e brancos. Um pouco como a paisagem humana do Brasil, muita miscigenação e sorrisos estampados nos rostos. A diferença é que essa paisagem colorida costumamos ver nas ruas, mas não nas faculdades de medicina. Mesmo não sendo este o assunto dessa matéria, essa diferença não nos conseguiu passar despercebida. Acompanhando essa comitiva de médicos que era apresentada aos pelotenses naquela segunda-feira (16), estava Lisiane Matte, supervisora da Estratégia de Saúde da Família da Secretaria Municipal de Saúde.

A conversa com esses médicos começou por música; achamos que as similaridades de nossas culturas pudesse ser um bom começo. Confessamos o quanto gostávamos e escutávamos música cubana, ao que nos disseram que a recíproca era verdadeira: “escutamos muita música brasileira em Cuba”. Disseram-nos também que se sentiam muito à vontade nas ruas do Brasil. “Caminhamos por aqui como se fossemos brasileiros, os povos são muito parecidos, a miscigenação, as aparências. Muitas vezes somos cumprimentados na rua, como se fossemos daqui, mas logo, quando travamos conversa a língua dificulta um pouco no início e depois nos entendemos”, risos.

Todos os profissionais que estavam ali presentes têm especialização em Medicina Geral Integral. Explicaram-nos que esta é diferente da especialização em clínica geral aqui do Brasil, uma vez que a Medicina Geral Integral exige residência de três anos e engloba pediatria, obstetrícia, geriatria e clínica geral, “De forma a atender de forma integral a saúde da família e com foco em medicina preventiva”, explicou-nos o Dr. Alcides. Quando perguntados sobre qual seria a principal contribuição que poderiam dar ao sistema de saúde brasileiro, foram unânimes: “trabalhar com a medicina preventiva e atender aos bairros e locais mais necessitados”. Dr. Alcides – um negro de cerca de 1,85 m de altura, porte atlético, aparência jovial e um simpático sorriso – foi taxativo ao afirmar: “um dos principais focos da revolução de 1958 foi sanar dois problemas básicos que havia em Cuba, saúde e educação. Como foi tomada a consciência de que a medicina preventiva sai mais barato para o Estado, essa ideia permeia toda a nossa formação universitária.”.

            Em Cuba, o curso de medicina tem seis anos, assim como a maioria dos cursos no Brasil, e depois de formados os médicos fazem dois anos de serviço social. Os médicos que vieram para o programa Mais Médicos têm em média 15 anos de formação com experiência em diversos países, principalmente Haiti, Equador, Venezuela e países da África. Os que vieram para Pelotas contaram que tiveram um mês de preparação em Cuba com aulas de português, cultura brasileira e também sobre particularidades do nosso sistema de medicina. Ficarão três anos trabalhando no Brasil, podendo renovar este contrato por mais tempo. Nas férias, a maioria pretende voltar à Cuba para visitar suas famílias. Chegaram primeiro em Manaus e depois foram para Vitória no Espírito Santo, onde ficaram 15 dias em preparação. Desejamos boas-vindas e nos despedimos com conversas amigáveis.

O trabalho de Mais Médicos nas UBS de Pelotas

 Os postos de saúde que foram beneficiados com um incremento no atendimento, até o presente momento, são o Posto de Saúde Leocádia (Areal), o Posto de Saúde Cohab Fragata, o Posto de Saúde Cohab Pestano, o Posto de Saúde Sítio Floresta, o Posto de Saúde Virgílio Costa (Fragata), o Posto de Saúde Cohab Guabiroba e o Posto de Saúde Colônia Maciel.

Das UBS que visitamos, destacaremos o Posto de Saúde Leocádia no bairro Areal. Um dos motivos é que com a presença de mais uma médica, a Dra. Noelvis, a unidade conseguiu ampliar o horário de atendimento, o que gerou bastante satisfação nos moradores dos arredores que antes tinham que se deslocar até o bairro Dunas. Outro motivo é a simpatia e a disposição da Dra. Noelvis em conversar conosco.

Enquanto me encaminhava ao Posto Leocádia, íamos perguntando aos moradores da região o caminho para chegar àquela UBS. Na verdade já o sabíamos, mas acabou sendo uma boa estratégia para conhecermos um pouco dos moradores e prováveis pacientes. Nas humildes casas da região, fomos muito bem recebidos. “No início muita gente ficava desconfiada, mas logo ouvíamos muitos elogios à Dra. Noelvis. Ontem mesmo levei meu filho de dois anos lá e fomos muito bem atendidos. Agora toda a família vai ser paciente da doutora”, contou-nos a mãe de família Rosane, moradora e usuária do Posto Leocádia.

Quando chegamos, finalmente ao Posto, conversamos com Rita, agente administrativa, e com a enfermeira Nara. Solicitamos uma entrevista com a Dra. Noelvis. Elas saíram para falar com ela, voltando me disseram: “sobre o que seria a entrevista? A doutora nos afirmou que odeia imprensa”, risos. Buscando quebrar o gelo, afirmamos que também odiávamos imprensa e resumimos o que tínhamos interesse em conversar. Prontamente Dra. Noelvis aceitou o pedido e nos encaminhamos para uma sala, acompanhados de Nara.

A Dra. Noelvis falou sobre sua trajetória, experiência profissional e sua experiência em medicina familiar em outros países. Mulata, de meia idade e bastante comunicativa. Como já sabíamos que a principal colaboração desses médicos é relativa à medicina preventiva, começamos por perguntar como ela estava trabalhando isto na prática. “Conversa, conversa e mais conversa. Busco saber sobre a alimentação, higiene, moradia e tudo o quanto conseguir. As pessoas se mostram muito dispostas a compartilhar estas coisas.”, afirmou com veemência. Tanto a Dra. Noelvis quanto a enfermeira Nara estavam muito empolgadas com a nova estratégia da UBS, que em 2014 pretende trabalhar com visitas domiciliares. “Em Cuba sempre trabalhamos com as visitas, e para medicina preventiva isto é essencial, as conversas podem ser muito importantes, mas não são suficientes.”, finalizou a médica.

Em entrevista com o prefeito Eduardo Leite, este nos expôs uma pequena análise da implantação do programa Mais Médicos, que achamos interessante transcrever na integra: “A falta de profissionais de medicina está comprovada e não é um problema só de Pelotas. É um problema nacional, e por isso o governo federal acabou implantando o programa Mais Médicos. Primeiro com médicos brasileiros e depois, conforme a demanda, com médicos de outros países. Em seguida vieram os profissionais de Cuba, neste convênio que foi firmado entre os dois países e que trouxe milhares de médicos cubanos para trabalhar aqui. É uma medida emergencial que vem sendo acatada pelas populações dos diferentes países como um programa benéfico.”. Um melhor sistema de saúde para o País, em que todos possam receber um atendimento digno e sem longas esperas, é um desejo de muitos brasileiros. Por isso, como já foi dito, no final de 2013 a polêmica quanto ao programa Mais Médicos e principalmente com os médicos cubanos arrefeceu. A experiência vai durar três anos, e nesse período poderemos fazer uma avaliação melhor.

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