O Rosa e A Azul
Saiba como professoras de uma escola em Rio Grande estão abordando as questões de gênero no dia a dia dos alunos
Por Milena Schivittez*
As professoras Lucia Helena e Rosa Paes, da Escola Municipal de Educação Infantil (EMEI) Tia Luizinha, desenvolveram um projeto para falar e lidar com as questões de gênero e igualdade com os alunos do nível II. A ideia veio da aplicação dos conceitos de um curso promovido pelo GESE (Grupo de Pesquisa Sexualidade e Escola) da Universidade Federal do Rio Grande (FURG) e foi aprovada pela diretoria da escola.
O objetivo do projeto é descontruir pré-conceitos que são criados logo na infância, como separação de cores e brinquedos para meninos e meninas. Assim, dando liberdade para que as crianças possam se vestir e brincar da forma como se sentem à vontade.
“Eu tenho um carro de brinquedo. Meu pai tem e ele me deu. Eu gosto de brincar com ele” – disse a aluna Emilly, de seis anos.
Como forma de tornar mais lúdica as ideias abordadas, foi adotado um boneco que é levado para casa por cada aluno, no final de semana. O brinquedo é acompanhado por um diário rosa, no qual o aluno descreve como foi a passagem do boneco pela sua residência. O “Ronaldo”, nome escolhido por eles, veio com a proposta de ser uma menina. Porém, ele chegou a sala de aula vestindo uma roupa azul, o que fez todos automaticamente titularem como menino.
Outros experimentos, como guardar os carrinhos em uma caixa rosa e as bonecas em uma caixa azul e contar histórias que desafiam a ideia de “coisa de menino e coisa de menina” são feitos em aula e são uma forma de mudar a concepção dos alunos a respeito das questões de gênero.
Desde o início do projeto, as professoras perceberam diferenças na fala e atitude dos alunos de antes e agora, como não se importar mais com as cores dos objetos, e preveem mais mudanças no decorrer do ano. Afirmam que trazer esses tópicos para a sala de aula pode fazer uma grande diferença no futuro deles. Essas pequenas abordagens também mudam a visão do papel da mulher e do homem na sociedade e podem ser observadas nas brincadeiras das crianças.
“Eu gosto de brincar de boneca, de trocar a roupa e arrumar” – disse o aluno Thayllor, de seis anos.
O ensino sobre gêneros se diferencia de acordo com a idade da criança. Para as professoras, a escolha do nível II foi essencial, pois é o nível mais avançado da escola, com alunos entre cinco e seis anos. A maturidade é muito importante considerando a complexidade do assunto. A integração e comprometimento dos pais também foi um item a se considerar na realização da proposta, já que a educação da igualdade de gênero ultrapassa os muros da escola. A abordagem das questões de gênero e sexualidade no ensino público ainda é muito recente. O debate começa na educação infantil com temas mais simples e vai até os anos finais que inclui discussões mais abertas sobre machismo, violência doméstica, feminicídio e questões LGBT. “As escolas estão recém tendo um despertar sobre o assunto, ainda é muito tabu” – disse a professora Rosa Paes. Porém, o falar sobre estes temas enfrenta alguns problemas. Com a retirada e alteração dos itens que abordavam as questões de gênero e sexualidade no Plano Municipal de Educação (PME) na votação deste, os professores se sentem, muitas vezes, desamparados e receosos na abordagem dos tópicos. “ A retirada dos itens nos limitou, embora ainda haja algumas leis que nos amparam para falar disso. Eu vejo que tem algum receio dos próprios colegas de falar sobre isso e de se incomodarem com as famílias. Até onde a gente pode falar e as famílias se incomodarem porque estamos tratando sobre isso ” – afirma a professora Lucia Helena.
A professora do município e ex-Coordenadora Geral do SINTERG (Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Município de Rio Grande), Suzane Barros Acosta explica que, mesmo com a retirada desses itens, não há nada no PME que proíba a abordagem do assunto nas escolas. Apenas não há obrigatoriedade no trabalho sobre essas questões e não entra no currículo das escolas, mas cada professor e professora tem liberdade para trabalhar se quiser e como quiser.
“A constituição nos garante esse debate nas escolas e eles continuam acontecendo. Nós, educadores, temos um compromisso de trabalhar as questões referentes a toda forma de violência e preconceito e continuamos sim trabalhando as questões de gênero dentro da escola” – afirma Suzane.
Devido ao projeto sobre questões de gênero, a escola Tia Luizinha recebeu o selo de “Escola Promotora da Igualdade de Gênero” pelo GESE.
*Notícia produzida para a disciplina de Produção da Notícia especial para o Em Pauta