O imaginário social e a mídia

Por: Maiara Marinho

A mídia tradicional quer construir no imaginário social a figura de fascista naqueles que combatem seu monopólio

A problemática da comunicação na sociedade contemporânea abrange uma diversidade de discussões, tais como a questão de monopólios e oligopólios, a sua democratização, a historicidade da comunicação no contexto político, social e cultural no Brasil, assim como seus mecanismos discursivos para legitimação de uma ideologia disfarçada de liberdade de imprensa imparcial. Defendo a colocação do jornalista e sociólogo Muniz Sodré, o qual defende a abertura para uma ciência da comunicação em que iniciemos o estudo numa perspectiva epistemológica do conceito e passemos a questões, como integração de outras áreas sociais e econômicas, e a reflexão dos dispositivos tecnológicos em extrema confluência com as relações sociais que sofrem alterações através da midiatização. Retomo essa discussão por consequência dos últimos acontecimentos políticos e a posição do jornal Folha de S.Paulo frente a eles.

Na última quarta-feira (31), a ex-presidente Dilma Rousseff foi destituída do seu cargo no processo de Impeachment articulado pelo Congresso Nacional e iniciado pelo deputado federal Eduardo Cunha (PMDB), investigado por corrupção na Lava-Jato. Ao final do processo, uma série de protestos foram realizados na mesma noite. Na cidade de São Paulo, um grupo de manifestantes jogou cavaletes na porta da Folha. Esse acontecimento modificou um pouco a abordagem midiática sobre atos contra a mídia e, em um governo conservador, pode modificar também o imaginário social e dificultar a resistência aos monopólios midiáticos e as significações que os mesmos constroem e legitimam através do seu lugar de privilégio em uma sociedade desigual.

No início do processo de Impeachment, diversas manifestações com palavras de ordem como “Fora Rede Globo” e “A verdade é dura, a Rede Globo apoiou a Ditadura” foram noticiadas pela Folha, que apenas relatava o descontentamento social com a empresa de comunicação mais poderosa do país. No entanto, assim como o grito “Não vai ter Copa” era apenas uma simbologia para dizer, no fim das contas, que a especulação imobiliária crescia e despejava muitas famílias de suas casas e que todo investimento do evento jamais voltaria para a população, o grito “Fora Rede Globo” simboliza o descontentamento da concentração de poder midiático nas mãos de um pequeno grupo de famílias com a mesma finalidade política e econômica na qual se encontra, inclusive, a Folha de S.Paulo. Mas o discurso mudou – e fortemente – quando essa empresa foi repudiada diretamente. Em um primeiro momento a manchete apenas dizia que manifestantes haviam jogado cavaletes na entrada do jornal, mas alguns minutos depois o tom foi alterado e palavras como “vândalos” e “violência” fizeram parte do discurso sobre o ato. Na sexta-feira (01), uma nota da Associação Nacional de Jornalistas foi exposta no site do jornal, repudiando atos direcionados a veículos de comunicação (tradicionais). Associação esta que tem como presidente e vice donos da Rede Globo, da Folha e do grupo RBS. Foi então que, na manhã de sexta-feira (02), o editorial da Folha sugeria que aqueles e aquelas que manifestam seu descontentamento com a mídia tradicional brasileira são fascistas. Com uma foto totalmente fora do contexto do ato contra o jornal, a imagem retrata um policial em frente a chamas, com o título “Fascistas à solta”, seguido do subtítulo “Está na hora de autoridades agirem para submeter os vândalos ao rigor da lei”.

A atual conjuntura – com um governo conservador – legitima o fascismo. O fascismo dos jornais hegemônicos que, como diziam os pesquisadores Maxwell McCombs e Donald Shaw em 1970, definem sobre o que a população deve pensar. Empresas que apoiaram e financiaram a Ditadura Civil-Militar e, hoje, apoiam a articulação do Congresso Nacional para colocar no poder, pela terceira vez, um governo não eleito por vias diretas. E é por isso que se defende uma ciência do comum. Uma comunicação que seja fruto e resulte em vínculos afetivos com a população. O fim de monopólios e oligopólios nada mais é do que a exigência do cumprimento da Constituição. Segundo o artigo quinto, do capítulo Da Comunicação Social, “os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio”. Mas em um país onde investigados por corrupção julgam uma presidente por decretos assinados conjuntamente com o vice que veio a tomar posse do cargo, não se pode esperar que as elites e os donos do poder tenham bom senso e cumpram a lei. Para conter a classe indignada, a estratégia passa a ser então construir no imaginário social a figura de fascistas naqueles que, na verdade, desejam combater o fascismo. Os tempos são sombrios, mas a mídia já sabe muito bem como lidar com isso. Aprendeu em 1964.

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