Mamonas Assassinas, o mito na telona

Até quando uma homenagem é bem-vinda? Filme chegou mal recepcionado pela crítica e pelos fãs da banda; será que ainda vale a pena explorar esse mito?

Por Tobias Bernardo / Em Pauta.

Mamonas Assassinas, uma banda conhecida por ter a sua meteórica trajetória pouquíssimo explorada pela mídia brasileira, ganhou um longa metragem para completar a cartilha de territórios inexplorados pela banda mais fugaz do país. Mamonas Assassinas – O Filme, lançado dia 28 de dezembro de 2023 nos cinemas, foi o filme brasileiro com maior estreia desde a pandemia. Dirigido por Edson Spinello com roteiro de Carlos Lombardi, o longa de 95 minutos consegue decepcionar mesmo quem não estava esperando absolutamente nada. A história reconta os primeiros (e últimos) 5 anos da banda que balançou os palcos e televisões brasileiras na década de 90.

Pôster do filme. /Imagem: Reprodução/Divulgação

O filme não perde tempo e logo já começa com uma estranhíssima escolha narrativa. Abre com um monólogo em off do vocalista Dinho (Ruy Brissac) que fala, no estilo defunto autor, sobre os 28 anos da sua própria morte. Tentando exaltar, enquanto fala sobre a ausência de internet da época, uma história que dispensava apresentações. Bom, isso até os produtores do filme endossarem um roteiro sem nexo, que confunde quem já tinha familiaridade com a banda, seja pelas dezenas de reportagens das redes de TV ou por uma festa de quinze anos.

Não satisfeitos com a abertura, a cena seguinte a essa faz questão de descartar qualquer chance que o filme tinha de ser coerente e começa seu padrão exaustivamente repetitivo e confuso de edição. Múltiplos cortes desnecessários, cortes incoerentes que teleportam os personagens de um lado para o outro na cena, cortes abruptos que te deixam legitimamente perdido compõem a turbulência chamada de filme.

A escolha da montagem também não agrada e nos joga de situação em situação sem o menor parâmetro do porquê e cria uma sensação eufórica que não soa nada intencional. Pode parecer que a ideia é sintonizar a energia da banda com o ritmo do filme, mas existe uma diferença gritante entre um filme acelerado, bem cadenciado e uma arritmia cardíaca decorrente da incapacidade de manter a câmera estática por mais de 3 segundos. Mamonas Assassinas – O Filme se encaixa nessa segunda opção.

Caos nos palcos e nas telas. /Foto: Reprodução/Divulgação

O filme usa muito mal a 1h30min de duração, não conseguindo recriar qualquer cenário coerente. A obra passa muitos desses preciosos minutos tentando lutar contra a inevitável passagem de tempo, se sobrecarregando de múltiplas histórias que dificilmente introduzem personagens enquanto raramente desenvolvem a trama. Ficamos vendo uma sequência de esquetes disformes incapazes de funcionar sozinhas, desconexas umas das outras. Parece que o roteiro de uma série foi condensado da pior forma possível em um único filme.

Dinho (Ruy Brissac), Júlio (Robson Lima), Bento (Alberto Hinoto), Sérgio (Rhener Freitas) e Samuel (Adriano Tunes) interpretam bem a energia da banda no palco, contudo a atuação sofre com os diálogos ruins e os atores acabam relegados, no melhor dos casos, ao melhor cover dos Mamonas Assassinas que você poderia assistir no cinema. Outro problema do filme são as personagens femininas rasas, com pouquíssimas motivações. Se os homens da obra já sofrem para ter objetivos, as mulheres nem sequer parecem ter qualquer sentimento. Ficam como retratos sexistas, estepes descartados ao menor sinal de inconveniência e facilmente substituíveis pelos protagonistas.

Elenco do filme Mamonas Assassinas – O Filme. / Foto: Reprodução/Divulgação

A banda hit durou curtos oito meses nos anos 90 e, mesmo na época, já teve a sua imagem mitológica exaurida pela grande mídia televisiva. Guy Debord, escritor e cineasta francês, já na década de 60 nos alertava sobre a espetacularização da sociedade. Assim como o filme faz questão de ressaltar no seu prólogo, quando os Mamonas surgiram ainda não havia redes sociais e internet como temos hoje. Sem esses recursos o sucesso da banda nas mídias tradicionais foi avassalador, eles quebraram recordes de audiência e tempo de tela nos programas de entretenimento mais importantes da época. Tiveram suas imagens usadas excessivamente em vida, mas o que marcou, ao menos a minha geração que nasceu nos anos 2000, foram suas mortes.

Quando alguma pessoa famosa morre, logo o espetáculo começa. Reportagens absurdas sobre supostas premonições e comentários que usam a tragédia de escada para autopromoção ocupam todos os veículos de comunicação. E com a banda mais marcante da década, mais um agravante serviu aos interesses do consumo da imagem, a morte no “auge”. Morrendo como estrelas que ainda brilhavam muito para se apagarem, o ciclo de exploração não perdeu os Mamonas, mas ganhou mais um mito para capitalizar. Desde então foram feitas incontáveis produções que esmiúçam a vida dos integrantes. De reportagens sérias, as peças de teatro, até absurdos como a vez em que o quadro “Os Paranormais” do apresentador Celso Portiolli levou pessoas “sensitivas” para descobrir de quem era a casa de um famoso cantor que morreu prematuramente (nesse caso o vocalista Dinho). A sociedade do espetáculo rumina toda gota de sentimento do caso e a processa em imagem.

Eu não os vi em vida, conheci suas mortes para então ver a arte que fizeram. E esse filme, que deveria ser uma homenagem às suas carreiras, foi mais uma vez um memento dos seus cadáveres.

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