K.: Relato de uma busca
Por Gabriela Schmalfuss Borges
“Tudo neste livro é invenção, mas quase tudo aconteceu.”
É assim que o jornalista Bernardo Kucinski inicia seu primeiro romance “K.”, ambientado em meio à ditadura militar no Brasil. A primeira frase, juntamente com o papel que o livro foi impresso (capa em papel cartão e folhas com o aspecto de recicláveis) e a fonte pouco comum (Tungsten), chamam a atenção e dão a impressão de que estamos prestes a ingressar em um livro incomum. E marcante. Misturando realidade e ficção, o autor retrata a história de seu próprio pai, chamado K., um judeu que emigrou para o Brasil no período da Segunda Guerra Mundial, e que no presente do livro está em busca da filha Ana Rosa e do genro Wilson Silva, desaparecidos políticos.
O caso ganhou grande repercussão na época, seja pelo fato de Ana Rosa ser professora de Química na USP, seja pela grande persistência do pai em procurar a filha e ter com isso chamado atenção para o fato.
Através de olhares diversos e de capítulos que não são interligados, o autor consegue expressar os vários ângulos de uma mesma narrativa. Alguns exemplos são capítulos com a visão do pai, do irmão, do agente do DOPS ou da amante do agente. Assim, aos poucos, o leitor consegue criar um panorama geral da situação e ter a possibilidade de elaborar sua própria opinião sobre os fatos.
É bom avisar que “K.” não é um livro sobre a ditadura militar. Ela é um plano de fundo e as informações passadas não são de todo inovadoras. Entretanto, caso alguém procure por um livro que retrate a dor em suas diversas etapas, encontrou o certo. Nele, perpassam fases como a negação, o sentimento de culpa e a expectativa da procura. Logo no início, o pai tem a absoluta certeza de que encontrará a filha viva. Aos poucos, o insucesso da procura vai extinguindo sua esperança, até que ele se transforma em um personagem que morre um pouco a cada dia que passa, enquanto corre atrás de um corpo que não mais existe para chorar.
Kucinski escreve com maestria e mesmo de forma leve, consegue causar um grande peso no seu leitor. “Lá fora as senhoras vão às compras, operários trabalham, crianças brincam, mendigos suplicam e namorados namoram”. Apesar do sofrimento e em meio à angústia que o pai de Ana carrega, a vida e a rotina seguem em ritmo inalterado.
“K.” é um livro que dói e machuca.
De tão dolorido, se torna necessário.
Ficha técnica:
Autor: KUCINSKI, BERNARDO
Idioma: PORTUGUÊS
Editora: COSAC NAIFY
Assunto: Romances
Edição: 1
Ano: 2014
Valor: R$25,40 (Livraria Cultura)