Garotas só querem… carros na pista!
Um panorama sobre as mulheres que fazem o automobilismo acontecer no Brasil
Prontos para a largada, karts se posicionam para mais uma largada nas pistas de corridas de velocidade Foto Sara Lopes
Sara Lopes da Silva/ especial Em Pauta
Os primeiros registros da história das corridas automobilísticas associam o início do esporte a períodos anteriores à virada do século 20, em uma competição na França, organizada pela revista Le Petit Journal, ou seja, praticamente siamês a criação do primeiro automóvel, em 1886. No entanto, embora os circuitos iniciais, criados unicamente para o automobilismo, datam de 1903 (Milwaukee Mile, Estados Unidos), 1907 (Brookslands, Inglaterra) e 1909 (Indianapolis Motor Speedway, Estados Unidos), a cronologia feminina nas pistas estabeleceu-se em 1897, na cidade de Paris, quando oito mulheres correram entre si em triciclos motorizados no evento conhecido como “Campeonato das Cadeiras Motorizadas”. A tradição de pilotar um carro em altas velocidades transpôs décadas, ultrapassou continentes e marcou inúmeras gerações.
Incontáveis mulheres são citadas na história como responsáveis por grandes descobertas: no campo da química, física, biologia, medicina e demais áreas responsáveis pela vida humana na terra — e também fora dela —, infelizmente, poucas são lembradas pelo que fazem com objetos praticamente intermitentes quanto os carros, presentes no cotidiano de cada indivíduo. A tendência de apagar a história dessas mulheres, concedendo suas descobertas aos homens, ainda existe e faz-se presente nas mais diversas formas de mídia, no entanto, observa-se uma mudança gradual no que diz respeito à ocupação e permanência nos ambientes tidos como masculinos, os autódromos.
Hoje em dia há o constante bombardeamento de notícias e projetos que possuem o objetivo de inserir mulheres no mercado de trabalho sem qualquer tipo de discriminação, com isso em mente, conhecer as responsáveis por empresas, canais de televisão, equipes automobilísticas e demais profissões é fundamental para que, em todo e qualquer lugar do mundo, seja possível criar uma rede de apoio e inspiração para jovens meninas que sonham em fazer a diferença.
Para Rachel Loh, Engenheira de Competição na Stock Car — a maior categoria em solo brasileiro —, o interesse pelo automobilismo surgiu ainda na faculdade de Engenharia Mecânica, quando se relacionou com o projeto de extensão Mini-Baja SAE, que visava as corridas em protótipos criados pelos alunos. Foi convidada por seus amigos a ingressar no projeto como piloto de testes para que pudessem eliminar vinte quilos do conjunto carro-piloto sem alterações e, na época, foi a primeira mulher no Brasil a fazer parte de um projeto estudantil tanto
como participante de uma equipe quanto como piloto e, mais tarde, como capitã.
A paixão pelas competições surgiu de forma instantânea, e Rachel passou a declarar que havia encontrado a profissão que gostaria de exercer até o fim de seus dias. Como de praxe em uma sociedade esculpida para os homens, a ideia não foi levada a sério por ninguém de seu cotidiano, que acreditavam tratar-se de uma fase. No entanto, um dos fundadores do projeto Baja era um profissional
conceituado dentro do meio automobilístico brasileiro e indicou Loh para uma vaga dentro da Stock Car, como Engenheira de Dados. A equipe aceitou-a instantaneamente e, novamente, mais um recorde foi quebrado: Rachel tornou-se a primeira mulher engenheira dentro da categoria. Embora ainda seja a única, tem trabalhado para modificar essa realidade orientando, ensinando e utilizando de suas redes sociais como uma forma de ser encontrada não somente por mulheres, mas também homens que tenham o objetivo de fazer do automobilismo o seu lar.
Para Maria Clara Castro, Cecília Epifânio, Isamara Fernandes, Ana Luiza Ferraz e Nathalia de Vivo, o automobilismo não significa unicamente estar dentro dos carros, mas fazer o diálogo entre eles e os fãs de forma real, mostrando o que o esporte realmente significa. Atuando em diferentes áreas da comunicação, são portadoras de histórias admiráveis: Maria, estudante de Jornalismo na Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), escreve a respeito das Fórmulas 2, 3 e 4 para alguns veículos de mídia, no Brasil e fora dele. Sua história com o esporte começou através de suas memórias, quando, ainda criança, ouvia o Renault R-25 do espanhol Fernando Alonso rugir nas pistas através da televisão e, devido a coloração azul do carro, associava-o às praias perto de casa. Embora assista as principais categorias, sente que as de base são sua maior fonte de inspiração, pois vê-se da mesma forma que esses meninos e meninas, dando início a seu legado.Cecília, também estudante de Jornalismo na Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO), atua como fotógrafa de algumas categorias em Goiânia. Sua história com os carros aconteceu quando sequer caminhava: seu pai a levou em uma corrida de Fórmula Truck, atual Copa Truck, e alguns anos depois passou a assistir o apogeu das categorias a motor, a Fórmula 1. Embora ainda fosse muito jovem, lembrava de acordar com o barulho dos clássicos motores V10 e V8 na sala de casa, nos domingos em família.
Isamara, Jornalista e Social Media no Motorsport.com, sempre conheceu o automobilismo, mas de forma restrita somente à categoria principal. Com a pandemia, e a volta das corridas no meio de 2020, passou a interessar-se mais pelo esporte e, além do futebol, viu ali uma válvula de escape para o período sombrio que abateu o mundo. No entanto, sentia que as corridas não eram suficientes e, visando aumentar seu conhecimento, assistiu a Drive To Survive — série da Netflix que acompanha a temporada dos pilotos de Fórmula 1, desde 2018 — de forma incansável. Foi naquele momento que entendeu o que gostaria de fazer em sua vida profissional.
Ana, atualmente estagiária em uma empresa de comunicação que possui como cliente uma equipe da Stock Car, a Blau Motorsport, tem uma história com o automobilismo diretamente ligada a seu emocional. Embora tenha crescido acompanhando as corridas em casa, distanciou-se do esporte na fase adulta, no entanto, em 2018 seu pai descobriu um câncer e, por precisar afastar-se do trabalho para cuidar de sua saúde, passou a acompanhar Drive To Survive com a filha. Após seu falecimento, Ferraz viu no esporte uma forma de manter suas memórias
afetivas salvas e, dessa forma, comunicar-se tanto com o esporte quanto com mulheres que estejam iniciando sua jornada nas pistas, como si mesma.
Nathalia, hoje editora do site F1Mania e criadora de conteúdo para seu canal nas redes sociais, a vida nas pistas começou quando ainda era estagiária na área, há praticamente onze anos atrás. Não acompanhava nenhuma categoria do automobilismo, embora seu pai — fervorosamente fã do esporte — acampava em Interlagos para assistir à Fórmula 1. Porém, ao iniciar sua trajetória profissional na
pista que o pai tanto amava, em 2012, passou a entender o motivo pelo qual os carros eram tão populares no Brasil. Atualmente é a maior entusiasta do automobilismo na família, assistindo às mais diversas categorias. Bia Martins escolheu ligar-se diretamente à velocidade. Além de conduzir, é também preparadora física de pilotos no Kart, Fórmulas, Turismo e Rally. Vinda de uma família composta por avô, pai e irmãos pilotos, não via sua vida de outra forma além das pistas. Embora tenha começado a competir somente em 2018, já corria desde os nove anos, nunca por pressão familiar, sempre por iniciativa própria. Dentro do atual cenário, é a única mulher preparadora física no automobilismo brasileiro.
Assim como Bia, Bruna Frazão também atua nas mais diversas categorias, dentre elas a Fórmula 1 onde, no ano passado, participou do programa FIA Girls On Track, caracterizado pelo objetivo de trazer um número cada vez maior de mulheres para as pistas. Presentemente, Bruna é publicitária especializada em Marketing Esportivo, trabalhando dentro do automobilismo nacional há quase quinze anos. É
também sócia da agência Forte, atuando no ramo de Comunicação e Marketing, especializada no mercado automotivo, com foco na criação de ações e eventos que visem incluir mulheres dentro do ramo. Tal como Rachel Loh e Bia Figueiredo, faz parte da CFA, Comissão Feminina de Automobilismo, dentro da Comissão Brasileira, aspirando o aumento feminino nas competições.
Os carros sempre fizeram parte de sua vida, seja no formato de corridas ou no Antigomobilismo — o ato de colecionar automóveis antigos —. Filha de Paulo “Louco”, atual presidente da Comissão de Veículos Históricos, inclusive dentro da Federação Internacional de Automobilismo, sempre teve o incentivo do pai para acompanhar o meio. Assistiu, desde pequena, corridas e participou ativamente do meio junto com sua família. Bruna soube desde o começo de sua vida que gostaria de trabalhar nas pistas, dessa forma, optou por trabalhar com o Marketing para que pudesse não somente fazer parte do mundo que amava, mas também influenciar e pavimentar o caminho para que outras mulheres possam ocupar lugares ao seu lado.
Para Patricia Alencar, mecânica de automóveis desde os quinze anos, o som dos motores ecoa em si tal como as batidas de seu coração. Os carros sempre fizeram parte de sua vida, visto que desde antes de estar fora da barriga da mãe já era levada a campeonatos paulistas, onde o pai atuava como mecânico. Quando completou quatro anos, Patricia viu os pais darem início ao seu próprio negócio na área mecânica e, de forma natural, passou a auxiliar nas tarefas a seu alcance. Conforme o passar dos anos, sua curiosidade cresceu e, embora não possuísse idade suficiente para ingressar em um curso na área automobilística, passou a aprender com o pai, que viu a filha, já com quinze anos, fazer desde trocas de óleos a tarefas mais complexas, avançando de auxiliar à mecânica.
Fascinada pelas características que fazem um simples carro se tornar um objeto de competição dentro das pistas, iniciou sua jornada dentro da Fórmula 1600, uma categoria de base do campeonato paulista, onde em poucas etapas passou a atuar como mecânica. No final do ano de 2022 teve a oportunidade de ingressar na Porsche Cup, além de ter atuado como freelancer na etapa de Endurance em Interlagos. Tornou-se a primeira mulher mecânica oficial da Porsche Cup Brasil, sendo referência dentro do meio.
Erika Prado, Engenheira Mecânica e Engenheira de Dados na Cavaleiro Sports Formula 4, considera sua história com o automobilismo pouco ‘romântica’. Sempre gostou de assistir as corridas da categoria Indy, mesmo quando sequer entendia o funcionamento das etapas, além de acompanhar os boletins das especiais do Rally dos Sertões, na época sendo transmitidos pelo canal aberto de televisão SBT. Embora sempre houvesse gostado de carros, assim como o pai, que acompanhava os automóveis antigos, descobriu a vontade de trabalhar na área de
uma forma inusitada: após uma briga no ano de 2012, seu namorado presenteou-a com um ingresso para uma corrida da Indycar, onde sua história profissional teve início.
O número de mulheres que atuam dentro das pistas, em equipes ou mesmo na mídia, cresce significativamente a cada ano e é motivo de comemoração. O caminho a ser trilhado exige de cada uma não somente dedicação, mas praticamente cem vezes mais autocontrole, profissionalismo e força de vontade do que o exibido por qualquer homem atuando nesse meio.
As mulheres citadas aqui são apenas uma pequena parcela dos números em profundo crescimento que o Brasil vem produzido nas pistas do automobilismo, assim como em outras infinidades de esportes. A representação que cada uma exerce torna-se impossível de medir a partir do momento que suas vozes são colocadas no mundo. As redes sociais estão aqui para isso, assim como os projetos feitos por equipes, Federações e até mesmo pelas próprias entrevistadas. O objetivo de cada uma delas, ao mesmo tempo em que ocupam lugares cada vez
maiores, é ajudar mulheres sem promover qualquer tipo de competição entre si, afinal de contas, há espaço para todas.