Afonso, o Seu Conhecido

Por Estevan Garcia

Imagem: Divulgação

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Afonso tem quarenta e poucos anos. É um homem comum, desses que faz a barba todo dia e se veste com camiseta e calça jeans. Quando tinha 13 anos, foi apelidado de Afonsinho, pela sua estatura baixa, e assim é conhecido até hoje. Trabalha há 18 anos em uma empresa grande de produção de celulose, ali na ida pra Canguçu.

Todos os dias ele acorda às 6h30, prepara seu chimarrão, espera o ônibus e dá bom dia para motorista. Sempre senta no primeiro assento do veículo, logo atrás do condutor. Afonso diz que é melhor, porque se o ônibus bater, ele morre mais rápido, não fica agonizando no hospital. No caminho para o trabalho, ele já conhece todo mundo que vai passando na rua. “Como vai Seu Narigudo?”, “Bom dia dona Meio Metro!”. E assim ele vai cumprimentandomentalmente todos seus conhecidos, os quais ele vê todo santo dia, enquanto o ônibus faz seu trajeto. Às vezes, a dona Meio Metro não está no caminho para o trabalho, então Afonsinho conclui: “Deve estar doente. Também, ontem estava aquele frio e ela ia usando só aquela blusinha”.

Às 18h, Afonso bate cartão na saída da empresa. Nem tem a oportunidade de acompanhar a emocionante volta para casa de seus íntimos, dona Meio Metro e Seu Narigudo. Ele volta cochilando, depois de um dia exaustivo de trabalho. Chega em casa, faz um chimarrão e assiste “Alto Astral”, novela a qual ele não perde um capítulo. Antes, ele acompanhava “Babilônia” também. Mas viu uma cena de duas senhoras se beijando – segundo ele, uma pouca vergonha- e resolveu começar a dormir mais cedo. Afonsinho não janta, só toma café à noite. Diz que jantar faz mal pra saúde. E assim se passam os dias do nosso herói, um atrás do outro, como se fosse um livro construído só com xerox da primeira página.

Uns meses atrás Afonso conheceu Martin, jovem de 22 anos, novo estagiário da empresa de celulose. O moço tem tatuagens por todo o braço e a barba maior do que o cabelo de Afonsinho. Fala sobre socialismo, filmes, livros, planeja viagens e mudar o mundo. As ideias e a vida do garoto encantam Afonso. O fazem pensar sobre a vida, sobre o que é e o que poderia ser. Martin saiu da vaga de estágio semana passada. Disse que ia fazer um mochilão pela América Latina com mais dois amigos. Em cima da mesa de Afonsinho o jovem deixou um presente, um bloquinho com algumas anotações e um CD.

Afonso pediu demissão ontem. Disse que já tinha gastado muito tempo da sua vida na empresa, que agora ia para uma nova jornada. Hoje ele não viu dona Meio Metro e Seu Narigudo, não deu bom dia para motorista nem sentou no primeiro banco do ônibus. Afonso pegou seu carro velho, tirou todo seu dinheiro do banco, fez as malas e foi viajar.

No porta luvas, Afonso levou o bloquinho que ganhara de presente. Nele dizia “Só existem dois dias no ano que nada pode ser feito, um se chama ontem, e o outro se chama amanhã. Portanto, hoje é o dia certo para amar, acreditar, fazer e principalmente viver- Dalai Lama”. No som do carro, Afonso colocou o CD de sua mais nova banda preferida. E assim pegou a estrada, ouvindo Rolling Stones.

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