A Objetividade Fragilizada (parte 1)
Jornalismo literário e Novo Jornalismo
por Vinicius Colares
O jornalismo historicamente tem uma ligação muito forte com a comunicação oral. É impossível estudar a história do primeiro sem pensar os seus primórdios, ligados diretamente a segunda. Uma das mais marcantes características do jornalismo literário, por exemplo, faz relação direta com esse híbrido entre oralidade e a prática jornalística. É a maior atenção aos detalhes – que muitas vezes passa despercebida na prática do jornalismo diário – um dos princípios atuantes do gênero.
Com a obrigação de aprofundar-se ao máximo em sua narrativa, o jornalista literário preza por uma apuração das informações mais detalhadas e, de certa forma, “humanizadas”.
O que o gênero buscou desde o princípio são narrativas que façam com que o leitor (ouvinte ou telespectador) entenda melhor a relação entre um fato noticioso e tudo que o cerca. Alguns dos primeiros escritores que são referência por usar técnicas literárias no texto jornalístico para alcançar uma narrativa mais sofisticada datam do fim do século XVII até o século XIX.
Uma maioria desses escritores não trabalhava com o jornalismo, mas encontrou na imprensa a força e o espaço que não existia no comércio livreiro. Charles Dickens, Victor Hugo, Honoré de Balzac, Fiódor Dostoiévski e Machado de Assis. Essa lista capaz de deixar qualquer crítico literário de joelhos, relaciona alguns dos literatos que usaram o jornal como meio de difundir ideias e contar novas histórias.
A França e o Realismo
Felipe Pena, professor da PUC/RJ, traz o folhetim como um dos principais instrumentos usados por alguns desses autores durante esse período. Com uma origem na França – ainda com o nome de feuilleton – essas publicações não se referiam aos romances que eram publicados em jornais, inicialmente. Como o número de vendas aumentava bruscamente com a publicação de narrativas literárias em periódicos, o folhetim também acabou adaptando-se e trazendo romances e contos.
A história do jornalismo literário também mostra que foi na transição entre o Romantismo e o Realismo, no século XIX, que o gênero teve o seu auge produtivo. Uma maior busca pela realidade fez com que a intelligentsia francesa, a priori, buscasse o afastamento de obras que idealizavam heróis românticos e relatavam apenas a estagnada vida burguesa, completamente utópica para uma maioria das classes média e baixa – que contava com uma fatia grande de analfabetos em relação aos detentores de um maior capital. Com a intenção de fugir dessa superficialidade, artistas – e em nosso foco de interesse, escritores – buscaram no cotidiano um retrato mais fiel de uma sociedade em que estavam inseridos e que sofria com mudanças políticas e sociais aparentes.
A inserção de características, antes apenas literárias, no jornalismo desse período ficou visível. A partir dessa época surgiram algumas obras ficcionais que podem ser consideradas frutos de um trabalho de jornalismo literário. “Eugênia Grandet” (1833) de Honoré de Balzac, “Nicholas Nickleby” (1838-1839) de Charles Dickens e “Madame Bovary” (1857) de Gustave Flaubert, são alguns exemplos.
O retorno da objetividade
Na virada dos séculos XIX e XX, porém, a quantidade de escritores de ficção dentro dos jornais foi diminuindo gradativamente. Principalmente com o advento da Primeira e, posteriormente, Segunda Guerra Mundial a atenção da população voltou-se para as novidades e os fait divers (fatos diversos). Felipe Pena lembra que o espaço dos autores literários que vinham trabalhando dentro dos jornais vai diminuindo até a literatura se tornar quase exclusivamente um suplemento.
– Os escritores não só estão submetidos a regras básicas do discurso jornalístico (clareza, concisão e objetividade), como têm na venda seu objetivo primordial – escreveu o autor do livro “Jornalismo Literário”.
Durante parte desse período a busca pelo grande furo de notícia e a preocupação com o factual ocuparam as redações do mundo inteiro. A força do jornalismo norte-americano espalhou-se definitivamente e fez com que o lead virasse parte do manual de grande parte dos jornais diários. O uso desse modelo baseado nas seis perguntas básicas (quem?, o quê? ,onde?, quando?, como? e por quê?) chegou com força no Brasil, por exemplo, nos anos 1950 e se mantém forte até hoje.
Ainda assim, algumas alternativas são possíveis para o jornalista que não quer ficar preso às amarras da objetividade. Perfis e romances-reportagem, por exemplo, estão sendo produzidos em menor quantidade. Mas estão sendo produzidos. Esses gêneros jornalísticos que ainda procuram uma maior valorização estética e fogem à perenidade têm relação direta com um movimento que surgiu na década de 1960: o Novo Jornalismo. Esse vai ser o foco da segunda parte desse artigo*.
*Será publicado na próxima terça-feira, dia 14.