Exposição revela trabalho da UFPel na restauração de obras danificadas e convida à reflexão sobre memória e democracia
Por Priscila Fagundes

Mostra com fotos do trabalho de restauração encerra nesta sexta com visitação das 8h às 17h Foto: Prefeitura de Pelotas
A exposição “8 de Janeiro – Restauração e Democracia”, finaliza no hall da Prefeitura de Pelotas nesta sexta-feira, dia 27 de junho, com visitação gratuita. No entanto, a mostra que se despede da cidade vai além de imagens e registros: é o testemunho de um trabalho que transformou dor em memória, destruição em reconstrução.
A mostra reuniu registros fotográficos do processo de restauração de 20 obras de arte vandalizadas durante a invasão às sedes dos Três Poderes. O trabalho foi feito por uma equipe da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), composta por estudantes, técnicos e professores do curso de Conservação e Restauração de Bens Culturais Móveis. Foram meses de dedicação intensa dentro do Palácio da Alvorada, onde a universidade montou um laboratório para dar conta do desafio.
“Ver tudo aquilo destruído foi um choque. Naquele mesmo domingo, começamos a conversar: ‘precisamos fazer algo’”, lembra a professora Andréa Bachettini, coordenadora do projeto. “Depois de alguns meses, o Iphan nos chamou. E foi ali que a UFPel entrou, com todo o peso que uma universidade pública carrega: ciência, cultura e resistência”.

Agora restaurada a obra “Vênus Apocalíptica Fragmentando-se” (1983), de Marta Minujín voltou a ser vista em Brasília Foto: João Risi/Palácio do Planalto/Flickr
As obras restauradas são assinadas por nomes célebres das artes visuais brasileiras como Di Cavalcanti, Frans Krajcberg, Bruno Giorgi e Clóvis Graciano. Muitas delas chegaram em pedaços para serem reconstituídas. Uma ânfora do século XIX, por exemplo, estava quebrada em mais de 180 fragmentos. A escultura “Vênus Apocalíptica Fragmentando-se”, de Marta Minujín, foi lançada do terceiro andar do Palácio como se fosse um projétil. “Foi um trabalho extremamente delicado. Cada obra tinha sua dor, sua história de violência. A gente precisava tratar aquilo com técnica, mas também com muito respeito”, explica Bachettini.

Quebrada em muitas partes, a ânfora Idria correu o risco de ser perdida como parte do patrimônio nacional Foto: Mariana Alves/Iphan

Trabalho cuidadoso de restauração permitiu que peça italiana fosse recuperada Foto: João Risi/Palácio do Planalto/Flickr
Nem todas as peças voltam como eram. Algumas, propositalmente, foram mantidas com marcas da destruição — como o quadro Bandeira do Brasil, de Jorge Eduardo, que foi pisoteado e está exposto assim, exatamente como foi encontrado. “A decisão foi deixar visível o que aconteceu, para que nunca se esqueça. É um documento histórico agora”, aponta o professor Roberto Heiden, que também participou do projeto.
A curadoria da exposição é assinada por Heiden, Renan Espírito Santo e Lauer Santos. As imagens que compõem a mostra são de Karen Caldas (professora e coordenadora-adjunta do projeto), do fotógrafo Nauro Júnior e de Mariana Alves, do Iphan.
A reitora da UFPel, Ursula Silva, falou sobre o papel da arte e do patrimônio nesse momento. “Essa restauração foi também um ato de resistência. A entrega das obras restauradas foi a entrega da esperança. É sobre a democracia, mas também sobre afeto”, disse ela, emocionada.
O projeto gerou ainda um livro, “Restauração: Democracia, Preservação e Memória” , organizado por Andréa Bachettini e Karen Caldas, com edição da Satolep Press. A publicação reúne textos, imagens e reflexões sobre o processo vivido pela equipe. E não parou por aí: um documentário, com o título 8 de Janeiro: Memória, Restauração e Democracia, também foi produzido e exibido em Pelotas durante o mês de junho.

Exposição celebra importância do patrimônio cultural e público, além de evidenciar a relevância do trabalho de restauração Foto: Prefeitura de Pelotas
Mas talvez um dos aspectos mais tocantes de toda essa experiência tenha sido o trabalho com educação patrimonial. Atividades com crianças e adolescentes do Distrito Federal buscaram mostrar que aquele patrimônio destruído também pertence a elas. Uma das oficinas convidou estudantes a restaurar réplicas da ânfora “Idria”, como se estivessem no lugar dos restauradores. “A gente se surpreendeu com o resultado”, contou Antonio Ramos, estudante da UFPel que participou da ação. “Teve um menino que pintou o céu de Brasília cheio de fumaça, por causa das queimadas que estavam acontecendo. Eles entenderam a proposta de um jeito muito profundo.”
Para quem ainda não viu a exposição, a oportunidade vai até esta sexta-feira, no saguão da Prefeitura. Ao sair de lá, talvez fique a sensação de que restaurar não é apenas colar pedaços — é costurar histórias, preservar o que somos, e lembrar do que nunca mais pode acontecer.
Veja a lista de obras restauradas:
“Galhos e Sombras” (1970), de Frans Krajcberg – escultura em madeira pintada;
“O Flautista” (1961), de Bruno Giorgi – escultura em bronze e base em granito;
“Matriz e grade no 1° plano” (1976), de Ivan Marquetti – óleo sobre tela;
“Mulatas à mesa” (1962), de Emiliano Di Cavalcanti – pintura em óleo sobre tela;
“Retrato do Duque de Caxias” (década de 1930), de Oswaldo Teixeira – óleo sobre tela;
“Rosas e Brancos Suspensos” (1970), de José Paulo Moreira da Fonseca – óleo sobre tela;
“Casarios”, de Dario Mecatti – óleo sobre tela;
“Sem título”, de Dario Mecatti – óleo sobre tela;
“Idria”, autoria não identificada – cerâmica (Majólica Italiana);
“Cena de Café” (1978), de Clóvis Graciano – óleo sobre tela;
“Paisagem do Rio” (atribuído), de Armando Viana – óleo sobre tela;
“Vênus Apocalíptica Fragmentando-se” (1983), de Marta Minujín – escultura em bronze;
“Cotstwold Town” (1958), John Piper – óleo sobre tela;
“Borboletas e Pássaros” (atribuído) (1965), de Grauben do Monte Lima – óleo sobre tela;
“Bird (Pássaro)” (1955), de Martin Bradley – guache sobre papel;
a 20. “Músico 01 – 05” (atribuído) (1963), de Glênio Bianchetti – óleo sobre madeira.
Assista o documentário “8 de Janeiro: Memória, Restauração e Democracia”:
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