“I Saw the Devil” não é para qualquer um

Filme coloca em questão violência que perpassa uma série de produções cinematográficas     

Por Marco Gavião    

“Ang-ma-reul bo-at-da (악마를 보았다)”, ou em inglês, “I Saw the Devil”, é um filme que particularmente causa divisões. Numa discussão gerada em torno da produção em um grupo de amigos, as opiniões vão desde a avaliação como ótimo ao terrível. A obra, dirigida por Jee-woon Kim, e lançada na Coreia do Sul em 2010, conta a história de Soo-hyun (interpretado por Byung-hun Lee), agente secreto do Serviço de Inteligência Nacional da Coreia do Sul (NIS), que após ter sua noiva assassinada por Kyung-chul (interpretado por Min-sik Choi), um assassino serial, decide partir em uma jornada de vingança.

O fascínio das audiências pela violência no cinema não é algo incomum, começando pelas versões estilizadas, como nas obras de Quentin Tarantino (“Pulp Fiction” e “Bastardos Inglórios”). E segue em uma alternativa mais crua e expositiva, como a que foi popularizada no âmbito do terror pelo subgênero “torture porn”, de filmes como “Jogos Mortais” (James Wan, 2004) e “O Albergue” (Eli Roth, 2004). Geralmente, junto da violência, vem a justificativa para aplicá-la através da simpatia pelo personagem que a provoca. Mesmo com as suas atitudes, o personagem principal não se torna o vilão. E a vingança é o melhor subterfúgio para tal estilo de filme, pois mostra um protagonista inicialmente bondoso e pacífico, partindo numa espiral de violência com o objetivo de fazer justiça com as próprias mãos perante aqueles que fizeram mal a seus entes queridos. Este estilo de narrativa ganhou popularidade tanto nos Estados Unidos, destacando a franquia “Desejo de Matar”, protagonizada por Charles Bronson; quanto em outros países, como a Coreia do Sul.

A Coreia do Sul já tinha uma história anterior com o gênero. Nos anos 2000, no momento que o cinema local ganhou grande notoriedade para o público ocidental, teve algumas das obras que lideraram o movimento em filmes focados na temática da retaliação, como a “Trilogia da Vingança”, de Chan-wook Park (“Mr. Vingança”, “Oldboy” e “Lady Vingança”). E, na mesma toada, ou como um comentário sobre tal temática, foi lançado “I Saw the Devil”.

                Soo-hyun (interpretado por Byung-hun Lee) parte para jornada de vingança depois da morte de sua noiva            Foto: Divulgação

Tendo o entendimento deste contexto, é possível compreender melhor questões que podem ser consideradas falhas do filme, como o tom repetitivo, a violência gráfica, e questões referentes à suspensão de descrença (por exemplo, um personagem a certa altura sofre um sério ferimento, e, ao longo da obra, isso deixa de ser uma questão). O filme é um comentário acerca do gênero na Coreia do Sul, ou, até mesmo, uma sátira. Pode-se enxergar tais questões como propositais, e parte do objetivo a ser alcançado pelo diretor Jee-woon Kim.

Não há contexto prévio, porém, que seja capaz de justificar a maneira como o filme trata suas personagens femininas, e a maneira pela qual a violência física e psicológica lhes é perpetuada ao longo da obra. Beira o fetichismo, e parece não exercer nenhum significado dentro da obra além de causar choque no espectador. Questões semelhantes puderam ser vistas no recentemente lançado “Blonde” (Andrew Dominik, 2022), em que o sofrimento e a exploração do corpo de Marilyn Monroe são expostos da forma mais degradante possível pelo diretor.

O filme tem qualidades, que passam majoritariamente no aspecto técnico. A fotografia sabe muito bem explorar a beleza de alguns de seus cenários, a montagem consegue driblar bem a longa duração do filme, oferecendo um ritmo satisfatório para a perseguição que sustenta o filme, e os efeitos práticos dão verossimilhança à violência mostrada na tela.

Como o título dessa resenha anuncia, não é um filme para todo mundo. Mas não se pode de deixar de comentar a obra, justamente porque outros olhares podem oferecer outras perspectivas acerca do que o filme apresenta. Há possivelmente outras qualidades que talvez possam ser enxergadas.

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