Batalha de Beats movimenta cenário rio-grandino

Por Ana Rodrigues e Juan Tasso

Lucas Borges de Souza (Luke) cria novas ideias na cultura hip-hop

Em tempos de pandemia, todo mundo teve que se adaptar a uma realidade em que a convivência social foi drasticamente limitada. Diversos setores essenciais à nossa vida foram afetados, como comércio, educação e saúde. O setor cultural também foi amplamente impactado, com museus sendo fechados, exposições canceladas e shows adiados para datas indefinidas.

A arte, que desde sempre melhora a realidade humana, nos leva a outros lugares mentalmente, mas as limitações físicas de hoje nos obrigaram a mudar a nossa forma de consumo. Para a indústria da música, esse impacto foi um pouco diferente. Há anos somos acostumados com os serviços de streaming, em que escolhemos os artistas e temos à disposição toda a discografia deles. Buscando um meio alternativo, o produtor musical Lucas Borges de Souza, 25 anos e natural de Rio Grande, levou a outro patamar a forma de consumo de música durante a pandemia. 

Ainda em setembro, o produtor, que também é conhecido como Luke, publicou no Twitter a ideia de ser streamer de beatmaking. Luke já publicava memes famosos em outras redes sociais, como no TikTok, com o seu beat de trilha sonora. Diversos memes revistos pelo produtor viralizaram nas redes. Luke também já fazia transmissões de sets como DJ ao vivo via Twitch, uma das maiores plataformas de streaming atualmente, desde o início da pandemia. Na época, o produtor disse sentir falta das sessões de estúdio e que decidiu entrar no ramo de streaming depois de pegar inspiração do produtor norte-americano Kenny Beats, que também faz transmissões ao vivo.

 

Luke decidiu entrar no ramo de streaming em setembro

Já com a decisão de virar streamer de beatmaking surgiu também a ideia de gerar outro tipo de entretenimento em suas lives. A iniciativa de uma batalha online de produção de beats surgiu pensando no ambiente de rap, que já é competitivo: “Eu acho que o ambiente do rap já é competitivo por natureza, então as batalhas sempre fizeram parte da cultura hip-hop. Com as streams crescendo nessa época de pandemia, a gente tem a atenção cada vez mais voltada pro virtual, e aí eu acho que é muito divertido gerar o entretenimento fazendo uma competição assim, ao mesmo tempo que ajuda o pessoal que assiste a live a conhecer novos produtores e ver a diversidade de identidades musicais que existem espalhadas pelo Brasil.” 

A ideia da “Batalha de Beats” saiu do papel na terceira semana de outubro, quando a primeira fase da batalha de beats começou numa quinta-feira (22). Quarenta competidores participaram, contando com mais de 200 beats enviados. Luke contou com a ajuda de uma banca avaliadora, composta por produtores de um coletivo que o produtor faz parte, o 80 Hertz.

Produtor musical Lucas Borges de Souza (Luke) renovou modo de consumir música

A escolha da banca de quais beats classificam nas rodadas “é um meio termo entre o aspecto técnico e gosto pessoal, considerando que arte é subjetiva”, disse Luke sobre o processo de avaliação. O produtor ainda quer fazer mais edições da batalha: “Pretendo fazer disso um evento bimestral ou trimestral, sempre com alguma variação da anterior.”

O resultado final da primeira edição da “Batalha de Beats” veio sete dias depois, na terceira stream da competição. O vencedor foi o artista Arthur, de 15 anos, também conhecido como Artwo. Arthur produz beats a 2 anos, mas é familiarizado com a produção de conteúdo para a internet desde 2013. Artwo tem uma página no SoundClound com mais de 630 seguidores onde publica seus beats.

O artista considera a Batalha de Beats importantíssima para a comunidade, já que os produtores de beats nunca pertenceram à cena mainstream. As streams trazem uma valorização e exposição dos artistas que muitas vezes são desvalorizados pelo cenário da produção musical, além de fortalecer os laços entre os próprios beatmakers.

“Agora a gente tá conseguindo se levantar e mostrar para as pessoas que a pessoa que fez o beat existe, não é um cara anônimo. Hoje em dia você entra no Spotify, e a maioria das músicas, se você clicar em créditos, ele não vai mostrar o cara que produziu”

Artwo disse ter se sentido honrado por participar da Batalha, e que a boa visibilidade de Luke na comunidade ajuda a expor novos beatmakers através das batalhas de beats. “Poucas pessoas me deram a exposição que ele está me dando agora”, contou.

A “Batalha de Beats” é uma iniciativa importante que ajuda produtores musicais locais e artistas novos que estão entrando no ramo a terem mais visibilidade, mas também levanta pautas importantes no meio. A atriz Lorena Zanneti, que participou do evento como apresentadora, relatou o desconforto que foi ter sido a única mulher a participar do primeiro dia:

“No primeiro momento achei desafiador, porque não tinha conversado com o pessoal da banca sem ser o Luke. Fiquei muito nervosa, mas os guris foram sensacionais. No primeiro dia que aconteceu algo meio chato: um cara aleatório no chat fez um comentário sexual sobre a minha voz. O cara não soube lidar com a voz de uma guria, tá ligado? Fiquei mais desconfortável do que já estava, mas os guris mostraram zero tolerância para esse tipo de atitude no chat e o Luke baniu o cara na hora e também apagou a mensagem dele.” 

Lorena diz ter reparado na presença quase completamente masculina e levantou a pauta de mulheres no beatmaking:  

“Durante a batalha fiquei com muita vontade de conhecer mulheres beatmakers e inclusive fiz um post no Twitter pedindo pro pessoal marcar quem conheciam, além de ter feito minha pesquisa e conversado com meus amigos. A ideia era também fazer uma roda de conversa só com mina da produção musical. Nisso, conversei com o Luke e ele super topou. Pude conhecer e entrar em contato com mulheres maravilhosas que em meio a uma cena predominantemente masculina continuam fazendo o que amam e afirmando o seu lugar nela.” 

A atriz organizou a roda de conversa “Minas na Prod”, em que mulheres da área de produção musical tiveram a oportunidade de discutir as suas vivências no meio. Quanto à oportunidade de participar da batalha, Lorena conta: “Gostei muito de participar como apresentadora da Batalha e conhecer mais gente do meio. Ouvir o pessoal me possibilitou saber mais sobre o universo da produção, desde o processo de criação ao momento que esse produto é recebido pelo ouvinte. Viver de arte no Brasil não é fácil, mas com cada um apoiando o outro, à sua maneira, as coisas ficam mais suportáveis.”

Competição divulga novos produções e diversidade musical no Brasil

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