– Reportagem de Paulo Renato Ienczak –
O Centro Cultural Marrabenta inspira-se na música e dança de Moçambique –
O Centro Cultural Marrabenta surgiu a partir da vivência de um dos seus fundadores, Vinicius Britto Moraes, que passou um período de cinco meses em Moçambique. No seu retorno para o Brasil foi logo tratando de reunir pessoas envolvidas com o movimento negro e produção cultural negra, para assim viabilizar a criação de um coletivo, um centro cultural, em contato direto com o país que ele havia conhecido e pelo qual havia se encantado. A comunicação foi facilitada pelo fato de Moçambique ter também o português como linguagem oficial, por ser tratar de uma ex-colônia de Portugal, assim como o Brasil. Marrabenta é um gênero musical e um estilo de dança muito tradicional em Moçambique.
No dia 21 de março, foi inaugurado o espaço cultural, exatamente na esquina das ruas Coronel Alberto Rosa com Três de Maio, na zona central de Pelotas, mas já quase no Porto. Entre coordenadores, colaboradores e realizadores são quase 20 pessoas trabalhando para que o espaço funcione. A maioria divide seu tempo com outras atividades profissionais, estudantis e familiares. A verdade é que a experiência de se trabalhar em conjunto por uma causa em comum exige uma relação de confiança, e então o grupo de trabalho acaba também se tornando a segunda família daqueles que ali convivem.
Marielda Barcelos Medeiros, 50 anos, professora, coordenadora do coletivo Marrabenta e militante do movimento negro desde os 14 anos, leva sua filha para muitas das atividades desenvolvidas no local. Marielda possibilita, assim, que sua filha tenha a mesma vivência que ela, envolvida desde cedo com os movimentos sociais negros. Entre as diversas parcerias com outros coletivos e movimentos, o Marrabenta cede o seu espaço e dá suporte para eventos de diversas causas. O foco de suas atividades semanais se mantém na produção e discussão da cultura negra. “O espaço se propõe a trabalhar pra essa cultura que é tão desvalorizada, e que às vezes chega pra gente de maneira distorcida, então o compromisso do espaço é estar mesmo trabalhando com essa questão da cultura negra”, ressalta a coordenadora.
Nas terças-feiras, ocorre a Terça do Improviso, evento em parceria com o movimento Hip Hop local. Promove improvisação de rimas, poesias, debates e o encontro dos diversos poetas e admiradores da palavra improvisada, e da poesia livre. Ocorre em algumas quartas feiras à noite também a Rap Session, promovido pelo Dasmina, um coletivo composto por mulheres, visando a promoção da cultura, o debate do feminismo e o combate do machismo dentro do movimento Hip Hop. Também nas quartas-feiras ocorre o Black Cine, um clube de cinema com a temática exclusiva do cinema negro, que aborda temas como a experiência do negro na sociedade, sua história e cultura, bem como o cinema produzido no continente africano.
Todas as quintas-feiras no Marrabenta ocorrem os encontros do Grupo de estudos de Filosofia Africana, buscando o conhecimento e aprofundamento do pensamento do continente negro no contexto global.
Nas sextas, para começar bem o final de semana, sempre tem muita música com o Marrablues, sendo o Blues um dos pilares da música negra estadunidense, e símbolo da resistência negra no mundo.
Além das atividades periódicas no Marrabenta, existem muitas outras atividades paralelas. Há também a promoção de eventos nos bairros- o MarraVila- visando atingir a população periférica e a comunidade negra de Pelotas, que na sua maioria vive afastada do centro e da zona das universidades. Em Pelotas, muitos que vêm de fora nunca chegam a (re)conhecer a sua comunidade negra, que carece de iniciativas culturais.
A violência em Pelotas está presente tanto no Centro quanto nos outros bairros, de diferentes formas. A cultura é uma maneira de discutir essa realidade social em que o problema da criminalidade está diretamente ligado à desigualdade social e ao racismo. Todos nós sonhamos com um mundo melhor, com menos desigualdade e violência, e com mais música, mais consciência, mais cultura. Por essa causa também luta e resiste o Marrabenta, que dois meses depois de sua inauguração já contabiliza dois arrombamentos, que dificultam ainda mais o equilíbrio das contas e o pagamento do aluguel do espaço. No entanto, já conta também com dezenas de encontros, apresentações, rodas de conversa e eventos bem-sucedidos, além de muitos corações tocados e mentes modificadas.
Que esses dois meses se tornem dois anos, duas décadas, e que esse lindo trabalho acabe marcando a história do movimento negro em Pelotas. E que o futuro seja mais ameno.
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COMENTÁRIOS
Excelente texto, ótimo de ler.
Marina Fonseca Silveira
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