Um filme sobre ligações
“O Telefone Preto”, filme lançado em julho no Brasil, com um mês de atraso em relação aos EUA, traz uma história que em um primeiro momento parece perdida, mas que há um propósito por trás.
Por Jaime Lucas Mattos
Apostando no suspense com umas pitadas de horror, “O Telefone Preto” conta a história fictícia dos desaparecimentos de jovens em um subúrbio de Denver, no Colorado, situação a qual é tratada como obra de um sequestrador. O número de vítimas dos sequestros vai aumentando até atingir o protagonista, Finney Shaw (Mason Thames).
Antes do sequestro, o filme constrói muito bem a ligação entre os personagens da trama, incluindo a dos jovens sequestrados com o protagonista. Neste momento, conhecemos a família de Finney, que é elemento importante para o desenrolar da trama. Gwen Shaw (Madeleine McGraw) é a irmã mais nova, que tem uma espécie de poder sobrenatural que a faz ter visões durante os sonhos; e Terrence Shaw (Jeremy Davies) é o pai de ambos, que perdeu a esposa anos antes e acaba sendo um homem alcoólatra, superprotetor e violento.
No segundo ato conhecemos outro importante personagem para a história: The Grabber, ou O Sequestrador (Ethan Hawke), no bom e velho português. Como o nome já sugere, ele é a figura que sequestra os jovens e os põe em seu cativeiro. Neste lugar, existe um telefone preto, que dá título à produção, o qual está com a fiação cortada, no entanto, ele toca algumas vezes e se torna uma ponte de comunicação entre o protagonista e os meninos sequestrados antes dele, através das ligações.
Ao espectador que está há meses ansioso pelo filme, deixo um alerta: diminua as expectativas. Por se tratar de um filme que está nos circuitos de festivais desde o ano passado, seu marketing já vem sendo trabalhado há muito tempo e, sinceramente, o marketing comercial da Universal Pictures vende uma ideia que não necessariamente se solidifica na tela. “O Telefone Preto” é vendido como um filme de terror, no entanto, está pendendo muito mais para o suspense; além disso, o material de divulgação da obra entrega muito mais do que deveria.
Mas, apesar do marketing problemático, a imersão ao filme é positiva. A princípio parece ser um filme lento – sentimento que nasce da expectativa de ver um filme com um terror eletrizante –, mas tudo o que é preparado no primeiro ato do filme calha a ser útil posteriormente na história, o que nos mostra que o enredo foi pensado para haver essas conexões.
Os momentos mais assustadores do filme são alguns – poucos – jumpscares e uma cena no primeiro ato em que Gwen apanha de seu pai; ele covardemente a agride por uma situação que não justifica nem 1% de seu ato. Esta cena, vale ressaltar, talvez seja a que mais dá medo, porque, contrastando com as outras, é a que mais se vê presente no dia a dia e pode acontecer na casa a poucos metros de nós. O filme traça uma ligação, um paralelo, entre o sequestro e a relação abusiva cotidiana, em que a figura abusiva, ao mesmo tempo que é má, se apresenta como boa.
Apesar de ter uma boa construção e ter um bom suspense, quando o filme mexe com o terror e o sobrenatural, nem sempre funciona muito bem. A parte sobrenatural é interessante e é o que move a trama, no entanto, é mal explicada, o que pode gerar uma sensação de que o filme é preguiçoso. O terror é bem aplicado em alguns momentos e mal aplicado em outros; há cenas em que objetos se movem sem finalidade alguma.
Um dos destaques na produção é o campo espacial. O diretor Scott Derrickson (também diretor de “A Entidade” (2012) e “Doutor Estranho” (2016)) soube usar muito bem tanto a ambientação do primeiro ato, um subúrbio de Denver, quanto o cativeiro, que parece um lugar quase infinito, quando na verdade é apenas um porão comum.
Outro destaque vai para as máscaras do Sequestrador, que mudam de acordo com o humor do personagem. Ethan Hawke, aliás, faz um excelente trabalho aqui. A transmissão dos pensamentos e atitudes do personagem teve de ser feita por Hawke através de gestos e olhares, além da voz, já que a máscara quase sempre cobre o seu rosto por inteiro.
Madeleine McGraw, a jovem atriz de – atualmente – 13 anos de idade, deu um show de performance no filme também. Ela rouba a cena sempre que aparece, com a sua entrega à personagem. Seu desempenho é tão bom que ofusca o de Mason Thames sempre que ambos estão juntos em cena. Apesar disso, a química e ligação de irmandade dos seus personagens é bonita de ver na tela.
Vale mencionar que alguns elementos de “O Telefone Preto” lembram um pouco elementos de filmes baseados em obras literárias de Stephen King. Essa conexão se dá pois o filme é baseado em um conto escrito por Joe Hill, filho do célebre escritor de horror.
Por fim, não recomendo muito o filme para quem está procurando um terror ou uma história 100% explicadinha nos mínimos detalhes. “O Telefone Preto” é ótimo para quem gosta de um bom suspense, com certa construção de tensão, e também para quem gosta de um bom desenvolvimento de personagens, a partir do qual a trama se desenrola e se molda de diversas conexões.