Um efeito borboleta: a indústria da moda e meio-ambiente
Por Ana Rodrigues, Fernanda Dupont e Julia Müller / Em Pauta
A indústria da moda é a segunda mais poluente do mundo, perdendo apenas para o setor do petróleo. Somente nos Estados Unidos, em 2017, ela foi estimada em aproximadamente 35 bilhões de dólares e uma das principais responsáveis por esse número foram as famosas fast-fashion. O fast-fashion é um conceito que prevê a produção, o consumo e o descarte de uma peça de roupa em um ciclo constante e muito rápido.
Na pandemia da Covid-19, o e-commerce ganhou destaque: sem precisar sair de casa, ou sequer da cama, qualquer pessoa com acesso a internet pôde comprar todo tipo de peça de roupa. Os dados do Relatório E-commerce no Brasil, desenvolvido pela Conversion, agência especializada em SEO, mostram que o comércio eletrônico brasileiro chegou a 1,49 bilhão de acessos em fevereiro de 2021. As lojas de fast fashion também alargaram os clientes: A SheIN, por exemplo, teve um salto de 522% de crescimento, comparando fevereiro de 2021 ao mesmo período do último, quando ainda pouco se falava em isolamento social no Brasil. Do outro lado do consumo estão os pequenos negócios, como os brechós, também afetados pelo momento atípico.
Fast fashion e o consumismo como impacto social
Essa modalidade de consumo surgiu na década de 1990, momento em que a mão de obra e a matéria prima se tornaram mais acessíveis. O conceito até então era novo no mundo da moda. Historicamente, as peças de roupa demoravam dias até ficarem prontas, mesmo com a invenção das máquinas de costura durante a Revolução Industrial. A partir dos anos 90, o fast-fashion virou febre e o consumo, então, só aumentou. Lojas como Zara e H&M invadiram o mercado têxtil trazendo peças acessíveis e de moda para o consumidor.
A preocupação dos consumidores se tornou em adquirir produtos atuais, sem pensar no impacto ambiental. Os números de resíduos da linha de produção têxtil são alarmantes, como explica Francisca Dantas, professora e pesquisadora da área de moda sustentável na Universidade de São Paulo (USP): “Cerca de 12 toneladas de resíduos de roupa e 36 toneladas de resíduos têxteis são descartados nas calçadas dos bairros centrais, como Brás e Bom Retiro”. O bairro Bom Retiro, localizado em São Paulo, é conhecido por ter centenas de lojas de roupas, além de pequenas fábricas e atêlie, nem sempre nas melhores condições. Já o Brás é conhecido por ser onde peças de roupas são compradas para revenda no Brasil todo.
Em São Paulo, Francisca conta que os impactos são inúmeros, ambientais e sociais: “o impacto é bastante grande, porque as ruas ficam lotadas, entopem os bueiros, as margens dos riachos ficam cheias e quando chove os materiais viram lixo bem ruins, o impacto é bem negativo até porque é um lixo que demora muito para degradar, principalmente as misturas de fibras sintéticas que levam mais de 100 anos” afirmou.
A professora também pontuou que em São Paulo as redes de fast fashion costumam descartar adequadamente os resíduos, principalmente por sua cadeia de produção contar com empresas especializadas em determinados tipos de peças. O problema é mais visível nas pequenas fábricas, onde as condições são mais precárias e o descarte inadequado.
O grande problema é a geração de resíduos que isso acarreta e algumas cidades não estão preparadas para lidar com isso. Pensando de forma local, Frantieska Schneid, professora do curso de Design de Moda do Instituto Federal Sul-rio-grandense (CAVG/IFSUL), lembra: “aqui em Pelotas não temos um banco de vestuários, que vai recolher esse lixo têxtil, principalmente os resíduos oriundos das confecções. Eles não têm valor no mercado da reciclagem, e acabam indo diretamente para o lixão”.
Algumas lojas, como a C&A e a Riachuelo possuem algumas políticas internas para aproveitar peças de coleções passadas, mas isso não é o suficiente. Frantieska aponta: “O ideal seria que toda empresa que produz uma peça seja responsável pelo seu descarte. Ou seja, se hoje comprei uma blusa na Riachuelo e daqui a dois anos quero descartá-la, a rede deveria ter um local para recebê-la. Se ela produziu a peça, é responsável por esse lixo. Só que essa prática não acontece”.
Quem produz minhas roupas?
O Fashion Revolution é um movimento global, que nasceu em 2014, em Londres. Foi criado em homenagem às famílias das vítimas do acidente em Bangladesh, no complexo de confecções terceirizadas Rana Plaza. Em 2015, o evento chegou ao Brasil, com o Fashion Revolution Day e o Fashion Revolution Week, durante toda a semana do dia 24 de abril.
Frantieska também é coordenadora das últimas edições do evento Fashion Revolution em Pelotas. Em 2017, entrou em contato com a representante do movimento, Fernanda Simon, para participar. A primeira edição em terras pelotenses foi em 2017, no Parque Tecnológico. Em 2018, aconteceu na Secult (Secretaria de Cultura de Pelotas). No ano seguinte, já contava com a parceria da UFPel (Universidade Federal de Pelotas). Por causa da pandemia, os eventos de 2020 e 2021 foram digitais, mas não deixaram de acontecer.
Sobre a realidade de Pelotas e as discussões sobre o consumo sustentável, Frantieska conta: “Eu acho que temos muito ainda a caminhar. Geralmente, as discussões de moda e sustentabilidade ainda ficam muito restritas ao meio acadêmico de moda. E a ideia do movimento é levar essa discussão e principalmente o questionamento ‘Quem faz as minhas roupas?’ pro grande público”.
O volume alarmante de lixo gerado pelas redes de fast-fashion é, de fato, causado pela quantidade de peças produzidas e consumidas. Mas essa realidade também está relacionada às condições muito precárias de trabalho: “às vezes, nós criticamos os produtos vindos da Índia e China, mas aqui no Brasil também existe muito trabalho análogo à escravidão, principalmente nas regiões do Brás e Bom Retiro, em São Paulo. Lá, tem trabalhadores da indústria têxtil, os terceirizados, confeccionando peças em situação extremamente preocupante. O Ministério Público do estado tem fiscalizado e tentado minimizar esses impactos de alguma forma, mas ainda existem muitas facções clandestinas”.
Uma solução que pode ajudar a reduzir o consumo excessivo é apostar na consultoria de imagem. A professora lembra que, se as pessoas investissem em profissionais para entender como tornar as peças mais versáteis, estariam investindo em algo muito melhor do que comprar uma roupa nova para cada ocasião ou apenas para seguir uma tendência.
Os brechós também podem ajudar quando falamos em consumo sustentável. Bruna Rossler é fundadora do Gato Mia, um brechó em Pelotas que atua desde 2014: “Noto que cada vez mais clientes estão migrando para o consumo em brechós. Antes era muito seletivo o público que comprava, mais estudantes e jovens. Atualmente o nosso público é super amplo, com maioria feminina, das mais variadas classes econômicas. Isso é sinal que o brechó não é mais como antes. Não é visto como uma opção apenas para quem não tem condições financeiras, e sim para quer se vestir bem com roupas de qualidade”.
A SheIN virou moda
Importar na SheIN se tornou a mais nova febre para quem consome fast-fashion. Mas o que leva os consumidores brasileiros a fazer uma compra internacional, passar pelo risco de ser taxado e ainda demorar mais tempo para receber as suas compras? Ana Maria de Freitas tem 26 anos, e é professora. Para ela, comprar na SheIN apresenta benefícios bem importantes, como a variedade de tamanhos e estilos de roupas, os descontos, o sistema de pontos e os produtos que seguem tendências internacionais. O fato de contar com uma seção inteira voltada para os tamanhos plus size também chama a atenção dos consumidores: “Normalmente, roupas para mulheres gordas são feias, muito conservadoras ou destinadas ao público mais velho, além de serem extremamente caras. Na SheIN, consigo comprar uma blusinha 3G por 20 reais, o que é impossível no Brasil ou em qualquer e-commerce”.
Além do preço baixo, a facilidade de comprar on-line é atrativa para quem usa os tamanhos plus, aqueles acima do número 44. A Amanda Konzgen, estudante de 23 anos, já passou por situações de estresse em busca de peças das tendências atuais.
“Eu vou ali, abro o site ou aplicativo, escolho a roupa, o tamanho, vejo as medidas, comparo com as minhas e compro. Chega na porta da minha casa, eu passo álcool e é isso, comprei. Não passo por estresse, não vou me sentir humilhada ou me sentir mal, me olhando no espelho e me odiando, porque isso acontece muitas vezes nas lojas físicas. Isso é um desrespeito comigo, um desrespeito com quem precisa. Eu sou uma gorda menor e já acho dificuldade de encontrar roupas, penso em quem mais precisa, em quem usa 56, quem usa 54. Como que faz?”, contou.
Estudante de Gestão Ambiental no CAVG/IFSul, a Amanda compreende o impacto ambiental do consumo na SheIN e tenta balancear o que vale mais. “Logo na minha segunda compra eu vi que o material das roupas não é bom. A qualidade é bem inferior, não é como a gente encontra às vezes numa loja de empreendedor. Mas querendo ou não é ali que consigo encontrar roupa para o meu tamanho, formato, na cor e no estilo que eu queira. Então eu meio que fico nesse impasse”.
Ainda, a loja internacional possui um sistema de pontuações que dá descontos aos consumidores, engajando ainda mais o público jovem. Para acumular pontos na plataforma, é preciso fazer um check-in diário no aplicativo, e participar de lives e jogos disponibilizados pela loja. A cada compra e avaliação de produto, os clientes ganham ainda mais pontos, que podem ser convertidos em descontos em dólares. Com mais desconto, a vontade de comprar fica maior e é ainda mais fácil ficar preso no ciclo vicioso do consumismo.
O impacto ambiental é grande
Com a popularização do fast fashion nos últimos 30 anos, o aumento nos resíduos têxteis e o uso desenfreado dos recursos naturais apresentam um panorama negativo para o futuro. Quando se fala no impacto ambiental da indústria da moda se fala muito mais que apenas na extração de matérias-primas, mas também no consumo de energia, água, emissão de carbono e principalmente, o descarte dos resíduos.
Em São Paulo, uma iniciativa do grupo de pesquisa Moda na Cadeia Têxtil e suas Questões Ambientais da Universidade de São Paulo (USP), desenvolveu um residômetro para registrar a estimativa de lixo produzido por esta indústria. Francisca Dantas conta que o residômetro foi criado considerando semanalmente o volume de resíduos recolhidos no bairro Bom Retiro, em São Paulo. “Esse residômetro foi criado em 2017 quando o núcleo de pesquisa em sustentabilidade de moda fez a pesquisa nos caminhões que iam para o aterro sanitário e fizeram uma estimativa” explica a professora.
Durante a pandemia diminuiu o volume de lixo recolhido em aproximadamente 40%, mas os números ainda são expressivos. “Em maio agora recebemos a informação que hoje os caminhões estão coletando aproximadamente 35 toneladas de resíduo têxtil e 20 toneladas de roupas somente nas duas regiões da zona norte de São Paulo e dos bairros do Bom Retiro e Brás”.
A necessidade do tratamento correto para os resíduos e o reposicionamento das empresas se torna cada vez mais necessária, como explica Pablo Mendes, professor de Tecnologia em Gestão Ambiental do IFSul: “o solo é um ecossistema complexo e quando a gente coloca resíduos neste solo alteramos a capacidade do mesmo de se manter vivo. O que é sobra, os pedaços, retalhos devem ser reaproveitados. E aí sim depois a gente pensa no resto, por exemplo o tratamento para isso, se é possível de tornar esse material biodegradável.”
O professor usou o exemplo das sacolas plásticas, que levam aproximadamente 400 anos para se decompor, mas que a tecnologia já conseguiu desenvolver um método para tornar as sacolas biodegradáveis. Os materiais das novas sacolas são geralmente polímeros sintéticos que se desfazem conforme as condições de luz e temperatura: “não é do meu conhecimento que exista algum tipo de aditivo que se coloque para tornar os tecidos biodegradáveis ou coisa assim. Se não existe pode ser inventado, até porque a biotecnologia e a nanotecnologia já inventaram para sacolas plásticas, né? Poderia ser inventado também para tecidos.” Enquanto a tecnologia não é viável para tornar os resíduos têxteis biodegradáveis, é necessário uma conscientização sobre o consumo e os brechós têm ganhado cada vez mais espaço no mercado da moda.
Roupas de segunda mão são a primeira porta para o consumo sustentável
A cada mês, as revistas de moda ditam uma novidade e modificam as vitrines das grandes lojas dos segmentos fashion. Se em janeiro a moda é praia, em fevereiro já virou carnaval. Março é a vez do rosa e do vermelho, é mês da mulher e renovar o guarda-roupa é uma boa pedida para as marcas. Em abril e maio começamos a ver a mudança de estações: os manequins tiram as regatas e vestem os casacos. Sem falar em junho, que vem logo depois, e as bandeiras LGBTQIA+ viram camisas e calças – e o pride vira mercadoria. Em todo o restante do ano, a lógica é uma só: comprar, mudar o look e seguir as tendências do momento.
Há um nicho de mercado que vai na contra-mão dessa lógica e ainda engancha na necessidade de um consumo sustentável. Os brechós venderam 14.28% a mais de 2018 para 2019. Os dados são da pesquisa da GlobalData, que indicou um mercado frutífero para quem vende roupas de segunda mão: nos próximos cinco anos, as lojas estilo brechó tem potencial para passar as vendas das tradicionais, atingindo US$ 64 bilhões até 2024.
No Brasil, o mercado para os brechós também é otimista. O Relatório de Inteligência do Sebrae de 2019 do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) apontou que 10,8 mil micro e pequenas empresas comercializavam produtos usados em 2013. Isso demonstra que o consumo de peças de segunda mão não é mais um estigma social, antes visto como algo pejorativo. Ao contrário, adeptos disso de todas partes do mundo mostram que é possível desviar de uma lógica de consumo de venda e compra de tendências.
Quebrando essa corrente de massificação da moda, em 2014 a jornalista Aline Ebert, 38, investiu na mudança de Porto Alegre para Pelotas e alugou um espaço para transformar em brechó físico. De lá da Gonçalves Chaves, 322, quase esquina com a Três de Maio, uma nova fase começou: o Nina Garimpa. O nome veio do apelido da Aline, e também é o nome da enteada, Nina, de 13 anos – e é o motivo pelo qual a empreendedora e o esposo mudaram-se para Pelotas.
Antes das vendas físicas, o on-line foi o maior aliado de uma vida baseada no ideal da diminuição de resíduos. “A ideia do garimpo existe desde o ano de 2003. Comecei online, vendi com várias plataformas na internet. Não tinham muitos naquela época, ainda mais os que trabalhavam com vintage, então vendi muito pro Brasil, por envios. Tive outros nomes de loja também, ‘Moda de Brechó’, ‘Armazém Nina Flores’ e por último o ‘Nina Garimpa’. Ainda antes do e-commerce sequer ter nome, Nina já tinha intimidade com moda. Quando criança, gostava de acompanhar com o olhar atento às produções da mãe, que trabalhava no setor calçadista, além de brincar com os brincos, colares e acessórios da tia, montando looks ousados em frente ao espelho.
O garimpo por peças raras e vintage começou antes da abertura dos brechós. Em 2002, Nina passou a trabalhar em uma grande empresa, como jornalista de moda, na qual desempenhava funções diferentes do jornalismo tradicional e focava o trabalho em pesquisar tendências de moda, entrevistando marcas e pessoas. “Nós éramos um birô de pesquisas de tendências, não trabalhávamos para o público final e sim para marcas de pequenas a grandes malharias, clientes de fast-fashion. Tínhamos muitos clientes espalhados pelo Brasil e América Latina”, relembrou. Com essa imersão que durou 12 anos consecutivos de experiência no mundo da moda, o sentimento de exaustão frente a infinitude de produção fashion começou a alardear. “Eu já estava saturada com os discursos de tendência, dos lançamentos exaustivos de coleção, de moda massificada, muitas pessoas se vestindo parecido, peças sem qualidade. Todos esses questionamentos que tive no meu trabalho como jornalista, fui trazendo para criar um serviço próprio. Para sair da CLT e empreender”.
A moda, para Aline, é uma porta que se abre para o consumo mais sustentável. Na loja, são vendidas peças de vestuário e outros produtos que incentivam os pequenos negócios da cidade e uma vida com menos lixo. Copos reutilizáveis, cosméticos comestíveis, absorventes ecológicos e por aí vai. A lista de produtos é grande, assim como a vontade de mudar o sistema de consumo exacerbado que vivemos. “Nós sempre trabalhamos com essa ideia do consumo sustentável, pensando que é bom para quem já olhou para moda nesse aspecto, mas só a moda não é mais suficiente. O Nina Garimpa se tornou não só um canal de vendas, numa loja, mas como criadora de conteúdo-ativista, de algumas bandeiras importantes para o meio ambiente como um todo, não só mais para a moda”.
São os pequenos hábitos que fazem a diferença no mundo em que vivemos, ela acredita. É preciso estar aberto para um novo momento, um novo olhar sobre o consumo, além da empatia com o próximo e com si mesmo, pensando no próprio corpo e mente. “Eu vi toda essa questão dos brechós acontecer, iniciar e chegar ao boom que é hoje. O público sempre foi aumentando um pouco mais, a consciência [ambiental] se vai despertando aos poucos em cada pessoa, no tempo de cada um. As tendências mudam. Hoje, vemos uma moda descartável a qual não temos um lado afetivo, uma identificação com uma peça que podemos usar por muito tempo e combinar com outras peças que temos. É um barato financeiro que sai caro para o meio ambiente”.
Distanciamento social VS dificuldades dos pequenos negócios
Há mais de um ano vivendo a pandemia da covid-19, novos hábitos fizeram parte do cotidiano dos brasileiros. O e-commerce, que já tinha seus muitos adeptos, ganhou força pela facilidade de compra, além de possibilitar que o isolamento social fosse mantido. Nisso, as vendas por sites, em fevereiro deste ano, aumentaram 21% em comparação a 2020. Os dados do Relatório E-commerce no Brasil, desenvolvido pela Conversion, agência especializada em SEO, mostram que o comércio eletrônico brasileiro chegou a 1,49 bilhão de acessos no mês do carnaval de 2021.
Os produtos de moda importados aumentaram exponencialmente. A SheIN, por exemplo, teve um salto de 522% de crescimento, comparando fevereiro de 2021 ao mesmo período do último, quando ainda pouco se falava em isolamento social no Brasil.
O problema é que estes alegres números para as indústrias que vivem do e-commerce respingam de forma negativa no outro lado do mercado: nos pequenos negócios. Enquanto grandes empresas tiveram mais acessos e mais lucro, as pequenas marcas, nomes locais, enfrentaram uma realidade difícil.
Bruna Rössler, dona do brechó Gato Mia, precisou fechar as portas físicas e trabalhar apenas pelas vendas on-line. Com a queda nas vendas, pagar aluguel se tornou inviável. Todas as peças que antes ficavam no brechó, agora estão em casa. As entregas, que antes eram todas no balcão da loja, agora são combinadas pelo direct do Instagram. Os hábitos precisaram mudar para que um novo tipo de negócio pudesse acontecer. “O hábito dos clientes mudou muito desde o início da pandemia, antes quase ninguém comprava sem experimentar, agora isso já tá muito mais aceitável para os clientes, então vendemos 80% das peças on-line. Por enquanto estamos lidando super bem com a mudança, os clientes seguem vindo até aqui com hora marcada”, contou.
O brechó estava na rua desde 2014, quando Bruna começou a frequentar feiras e eventos de Pelotas, como o Mercado das Pulgas, que acontecia todos os sábados no Largo Edmar Fetter do Mercado Público Municipal. “Tivemos dois endereços centrais e agora estamos focando nas vendas on-line pelo Instagram. Já tivemos site e não teve tanto retorno então ficamos na rede social”.
Ainda, para além do consumo na pandemia, Bruna acredita que a consciência ambiental tem muito que evoluir em Pelotas. “Este é um tema que poderia ser muito mais debatido, mas isso é super cultural e infelizmente a cidade é um pouco atrasada para essas questões. Mas a mudança nos hábitos tá rolando e percebo muita diferença de 2014 para cá”, finalizou.
Slow living: que tal desacelerar?
O fast-fashion é um dos modos de consumo que giram as vendas de itens no mercado econômico. Uma série de movimentos tem crescido com o objetivo de apartar um pause na rotina corrida e na compra de produtos supérfluos. Na moda, o slow fashion já ganhou adeptos. É uma proposta que envolve a compra de um número menor de peças, balanceando o estilo com a qualidade dos materiais e o apoio aos pequenos produtores. Fazendo, assim, girar o conceito de “aldeia” da comunidade.
Um passo além do consumo da moda é passar a fazer parte do slow living. O movimento para que passemos a abraçar com mais tempo o que tem mais significado. Desacelerar mesmo, por assim dizer. Comer melhor e mais saudável, vestir-se melhor, comprar pouco e viver bem.
A Aline, dona do brechó Nina Garimpa, entrou no movimento no último ano, com as mudanças na vida pessoal causadas pela pandemia da covid-19. “Repensamos nosso estilo de vida e pensamos muito a respeito da bandeira sustentável: nós levamos essa bandeira, mas será que a nossa vida tem sido sustentável? Será que a forma que temos vivido corrido, às vezes sem conseguir dar uma atenção legal à nossa alimentação, sem conseguir estar num lugar que temos tranquilidade, silêncio, sol, onde conseguimos ter mais contato com a natureza. E nisto conhecemos um movimento que chama slow loving”, contou.
Apesar da idade jovial, de 36 e 38 anos, ela e o esposo adotaram o movimento e consideram que assim, fecharam um ciclo com o Nina Garimpa – que passou de um brechó físico para as vendas virtuais – e com as experiências de negócios. “Sentimos a necessidade de uma vida mais slow, com um menor custo de vida. Certas escolhas nos fazem querer pagar por elas, com dinheiro e tempo. Tempo é dinheiro. Então viver mais slow, não precisamos de tanto dinheiro, trabalhar tanto.. claro que ainda temos nossos fechamentos mensais, num momento de crise em que as pessoas estão comprando menos. Mas se tu já tens um estilo de vida mais econômico e sustentável, as coisas se equilibram mais e fazem mais sentido”.
Com o tempo livre, outros projetos entraram na rotina. Para o esposo, foi o momento de dedicar-se ao fim da faculdade de Filosofia e se dedicar à música. Já Nina, abriu os horizontes para novas descobertas.