Um dia comum
Por Marcelo Nascente
Não entenderás. Mesmo assim continuarás procurando uma resposta.
E então virão dos céus as três pragas: a azia, a gastrite e a úlcera. (Cínicos, II, 23)
Hoje vai ser um dia comum. Você vai acordar e vai estar frio, mas vai ter esperança de que, durante a tarde, aqueça um pouco.
Vai sentar no ônibus e pensar naquela conta a pagar; ou se vai dar tempo de cumprir isso ou aquilo que precisa ser feito. Depois vai lembrar do que já devia ter feito e não conseguiu. O solavanco vai te trazer de volta à realidade.
Vai olhar o relógio várias vezes.
Se espremer conta outro passageiro, para alguém descer.
Vai fazer conta de cabeça que, se não demorar na fila da loja, pode ser que dê tempo de almoçar. Mas, enfim… um jeito se dará. É quarta e já dá pra pensar no descanso merecido de lavar roupa e tentar ler aqueles três textos que eram pra semana passada. Força!
Você vai falar com pessoas simpáticas e outras nem tanto. Vai ouvir algum jingle irritante e, em algum momento do dia, vai lembrar de alguém que já morreu.
Vai abrir e fechar portas o dia inteiro, sem nem perceber que faz isso. E vai esfregar as mãos e pensar que quer logo que chegue o verão.
Enquanto isso, alguém vai nascer e outros tantos vão ser mortos. Vai ser escrita uma nova frase de um importante livro e uma “letra” de funk. Óbvio que a segunda vai ser mais lucrativa, mas isso não vem ao caso.
O noticiário da tevê vai escorrer. Uma bandeja pro sangue outra pras mentiras. Coisas absurdas acontecerão e mesmo assim, só uma ou duas delas vão chamar a atenção. Não há tempo.
Você dará alguns sorrisos e falará sobre algum assunto desinteressante.
Verá alguém sendo mal-educado e alguém sendo gentil. Vai anotar o nome de algum livro que pretende ler assim que sobrar um tempo. Vai esperar o fim de semana.
Hoje você vai ver uma criança bonita, dizendo coisas de criança e algum louco vagando pelas ruas, o que já não é mais novidade.
Hoje o seu humor vai oscilar – o que não significa que você é bipolar, só que está vivo.
Talvez você consiga passar sem maiores problemas pelo dia de hoje – eu torço para que sim – e possa, quem sabe, lembrar de ver a lua…