Quando um grito na garganta forma um lar
Como escritoras jovens fundaram um site que se tornou refúgio para mulheres literatas
Por Maria Clara Morais Sousa/ Em Pauta
Em junho de 2021, Ana Guelere postou uma enquete em seu Instagram convidando as escritoras que a seguiam para um projeto ainda sem nome. Unidas por uma paixão pela literatura e escrita, as meninas se conheceram na plataforma de publicação de livros independentes “Wattpad”, e após a ideia inicial de Guelere, as escritoras montaram o “Literato.on” no site de publicação Medium com uma proposta de usar a poesia para falar o que suas bocas não tinham coragem de dizer.
Todo o processo de criação foi feito com cuidado e o nome foi um debate cheio de ideias com palavras em outras línguas e trocadilhos, porém quando uma delas sugeriu a palavra “literato”, foi amor à primeira vista: “Apesar de termos escolhido esse nome, foi mais como se ele tivesse nos escolhido. Literato nos remete a literatura e a tudo que podemos alcançar com ela”. Diz Camila Chagas, participante do projeto.
Atualmente o website conta com 10 meninas, porém a idealizadora do projeto menciona que ela ainda pensa em aumentar ainda mais a equipe e trabalhar com mais mulheres trazendo ainda mais diversidade para o projeto. Dessa forma, estão abertas as inscrições para ser escritora, colaboradora externa e redatora do Literato.on.
Embora nem todas sejam do mesmo lugar, elas afirmam que a diferença cultural não as afeta – apenas em expressões ou situações cotidianas. Segundo Andressa Souza, estudante de Biologia, “a sensação é de que todas viemos de um mesmo lugar, que compartilhamos uma mesma casa, pelo fato da escrita ser tão importante para todas nós”, é o que realmente importa.
Essa paixão por palavras é algo que acompanha as garotas há muito tempo. Daniela Alves, estudante de jornalismo, conta que começou a criar “as mais bobas coisas” com 8 anos e a partir dos 13 começou a escrever algo concreto, já Clara Lemuchi começou aos 9. Todas elas escreveram no Wattpad na adolescência, Ana Guelere e Daniela chegaram a ganhar prêmios da plataforma que escreviam, os chamados Wattys Awards.
Apesar de terem histórias tão parecidas, a individualidade de cada uma é sublinhada em seus textos. Trazendo suas vivências – e até suas melancolias – as poetas usam do website para criar um, como diria Carolina Feltrim, “lugar onde não temos medo de sermos nós mesmas”. E esse refúgio não se forma apenas para quem escreve, ele transpassa as telas e passa apoio para as leitoras que por identificação, se sentem menos sozinhas e mais acolhidas.
Estabelecendo “um refúgio para jovens mulheres que compartilham do mesmo amor pela escrita e pela literatura”, a Literato se formou como uma forma de dar voz e acolher mulheres numa sociedade que as nega ouvir todo dia. Raquel Leal resume a página como um ciclo de libertação, uma forma de encorajar mulheres “a romper com seus medos, limitações e imposições que lhes foram dadas” de forma a “libertarmo-nos para libertarmos”. Trazendo melancolia, dor, perda, amor, felicidade, reflexão e todas as emoções que podem ser sentidas, o site permite uma visão real e única de cada participante do projeto.
Exatamente pelo fato de expor todos os detalhes, algumas das escritoras lutam contra timidez e insegurança com sua escrita. Thaíssa Carvalho explica que – mesmo escrevendo desde os 13 anos – só começou a publicar recentemente por timidez e auto cobrança. A paulista revela que é a primeira vez que se mostra completamente dessa forma, e que o fato de “agora as pessoas podem ver um lado de mim que não gosto muito que vejam” é o “pior pesadelo de uma pessoa tímida”.
Essa expressão genuína de suas personalidades se torna ainda mais evidente em suas poesias. Daniela afirma que a poesia é “aquela parte de nós mesmos que dói, não por ser ruim, mas por ser real e tão, tão forte”. De forma análoga à fala da gaúcha, Clara Lemuchi conta que “quando escrevo elas (as palavras) abrem caminho e acolhimento para os meus sentimentos. Faz com que eu me sinta segura com tudo o que está em mim.”
Realçando ainda mais a verdadeira forma de cada uma, as literatas unem também seu amor por outras artes e suas próprias formações com suas palavras. Ana Lícia Morais diz que seu estudo de psicologia fez ela entender mais os comportamentos, as atitudes e os sentimentos, e afirma que isso se refletiu nos seus contos e poemas. Andressa também fala que seu conhecimento de biologia realiza referência a natureza tão orgânica que ela nem repara.
Artes visuais, música e cinema também são outros interesses das garotas. Ana Guelere também participa do projeto “Hello Band”, cujo objetivo é dar destaque a artistas musicais desconhecidos de minorias sociais e usa essas bagagens como referência em sua forma de escrever. Ana Karoline, amante de artes visuais, relata que “as artes visuais me influenciam para que eu escreva aquilo que eu estou sentindo, e é uma das coisas mais libertadoras que eu tenho”. Já Tiffany Uchôa Jarjour acredita que “os filmes para mim são uma forma visual da literatura” e é por isso que eles os encantam tanto. Nas palavras de Thaíssa Carvalho “todos os tipos de Arte estão interligadas” e é isso que as motivam “uma interligada à outra.”
Como uma forma de gritar o que está na garganta, Guelere define poesia como “uma sensação humana, ainda que incomum. Para os realistas extremos, ver graça na vida ao ponto de perceber poesia pode ser impossível. Apenas sei que existe. Sei que nossas mentes e corações trabalham duro e merecem ser compreendidos. Se sentimos, não há erro algum.”.