Os sonhos podem se tornar realidade
Em uma adaptação quase perfeita, Sandman traz o melhor de seu material original e descobre novas formas de introduzir e encantar com os seus brilhantes personagens e histórias
Por Felipe Boettge /Em Pauta
Após um ritual que buscava prender a Morte para alcançar a imortalidade, o Sonho, uma entidade que representa a ligação dessa força da natureza com a humanidade, acaba preso por engano em seu lugar. Durante o século que esteve desaparecido, Morfeus precisa recuperar o seu poder e reconquistar o seu reino. O Sonhar, o mundo dos sonhos, onde tudo que é de melhor e pior que nos acompanha durante o descanso reside sob seu domínio e estava a solta sem seu governante durante todo esse tempo.
É a partir disso que a série exclusiva da Netflix aceita a difícil tarefa de adaptar os dois primeiros arcos da história em quadrinhos escrita por Neil Gaiman (Coraline, Deuses Americanos e Good Omens) e lançada pela Vertigo, selo da DC Comics, em 1988. Dessa forma, a primeira temporada já foi inteiramente lançada e contém 10 episódios que acompanham a introdução a esses personagens e o incrível mundo criado por Gaiman.
Sendo assim, a primeira temporada e em especial, os primeiros cinco episódios, são uma grande estruturação do que será a grande história dali pra frente. Mas não deixe que isso te desanime, apesar do ritmo cadenciado e um enfoque filosófico grande em meio aos grandes momentos, a busca do Sonho para recuperar seus poderes e os itens onde estão armazenados conduz o espectador por uma aventura por dentro desse universo de forma magistral. Permitindo que a cada episódio, entendamos mais sobre quem é o Sandman, o que parece faltar nele e os personagens que o acompanharão dali para frente nessa história que está só começando.
“É uma adaptação que permite nos envolver nesse mundo sem grandes dificuldades, sendo uma excelente porta de entrada para os quadrinhos de Neil Gaiman e possui diálogos excelentemente construídos, filosóficos e profundos ao ponto de me fazer refletir a cada ato dos personagens” — Felipe Matheus, fã há cinco anos da HQ e leitor assíduo do autor.
Dessa maneira, a série escolhe estruturar os seus personagens com parcimônia, caminhando a cada episódio com a consciência de que aquela é a sua principal história no momento, mas sem esquecer que fará parte do todo. Isso é perceptível no protagonista, o Sonho, Morfeus ou Sandman, como preferir. Está em uma procura incessante pelos pedaços que faltam de si mesmo, o que talvez não seja o suficiente para que ele se sinta no controle novamente. Essa foi a principal reflexão que a série traz, a jornada em busca de propósito, um ser perpétuo que precisa lidar com um mundo que saiu de seu domínio, com outros seres que saíram deixaram de seguir suas ordens e desejos.
E a série chega ao ápice desse momento para Morfeus no sexto episódio, onde ele e a Morte se encontram para que as conexões entre o sonho e a morte finalmente se tornem palpáveis e o acompanhamos uma jornada pelo fim de várias vidas, pelo propósito de outro perpétuo. É nesse momento que a série atinge o seu ponto mais alto e finaliza a estrada que permitirá a mudança que os últimos episódios e o segundo arco propõem para a série e para o Sonho.
Entretanto, essa segunda parte da temporada traz uma mudança de ritmo e estilo. A série minimiza sua grandiosidade, tanto em temas quanto em cenários, apoiando-se muito mais no nosso mundo e em suas pessoas. Para isso, o enfoque passa para um grupo de personagens liderados por Rose Walker (Vanessa Samunyai), ligada por uma força maior do que entende ao Sonhar e que nos guiará até o pesadelo fugitivo, um dos últimos servos de Morfeus ainda solto pelo mundo. É nesse momento que a série parece perder tamanho e demora um pouco mais do que o necessário para envolver quem assiste naquela história de quatro episódios. Essa repentina mudança pode atrapalhar a experiência de algumas pessoas. Mesmo assim, a história quando se concretiza permite que os grandes momentos ofusquem esses pequenos percalços que nos desconectam momentaneamente com a grande aventura.
Portanto, é apostando na força de poderosos diálogos e em um conceito muito bem estruturado de fantasia que Sandman se coloca como um sucesso dentro da Netflix e certamente agrega uma boa quantidade de novos fãs para a sua enorme fanbase. Desde sua estreia, em 5 de Agosto, o seriado se mantém entre os produtos mais assistidos do streaming de acordo com a sua própria lista. Sendo assim, apoiada em excelentes e criativas saídas para os confrontos, grandes personagens e uma primorosa caracterização e uso dos efeitos especiais que Sandman é como um sonho bom, acabando a tempo de nos deixar querendo mais.