O som da estática
O que se ouve quando a música tem que parar?
Por Stéfane Costa
Em 8 de dezembro de 2020, surgem os primeiros casos de uma mutação do já conhecido coronavírus, os olhos se voltam para Wuhan, mas ninguém imagina o que está por vir, ainda há sons e risos na rua, e a música está em todos os cantos. Chega o 11 de março de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) decreta a pandemia do novo coronavírus, a calamidade se aproximava. O Brasil, ainda com poucos casos, reverberava com a energia do carnaval recente, o país da alegria não calculava o tamanho do silêncio vindouro.
Nas próximas linhas você irá conhecer quatro histórias de pessoas que compõem o cenário cultural e musical do município de Camaquã, no interior do Rio Grande do Sul.
Todas essas pessoas, assim como outros milhões que fazem parte de um dos setores mais afetados pela pandemia, viram seus planos serem afetados logo no início de 2020. Mas como será que cada um se reinventou?
Quem faz acontecer
Como um produtor de eventos se reinventou para superar a crise financeira
Renato trabalha originalmente com sonorização em festas de 15 anos e casamentos, mas assim como muitos, com a chegada da pandemia da covid-19, teve que se reinventar para garantir o sustento, após perder mais de 80% da agenda para 2020. Os poucos eventos que foram remarcados para 2021 também não foram possíveis, devido à longa duração da pandemia.
“No início achávamos que era algo rápido, que logo logo iria passar, porém com o decorrer dos dias foi notável que estaríamos passando por um momento delicado, então resolvemos sair da rotina, reinventar era preciso”, conta Renato.
O produtor de eventos passou a vender carvão para churrasco, e obteve um bom retorno inicial, até que as vendas começassem a cair. Após isto, Renato e a família iniciaram a confecção de artesanatos, faziam cofres e fuscas de gesso, a renda voltou novamente a ser favorável, mas ainda não era o suficiente para mantê-los. A família se viu obrigada a reduzir seus gastos, cortando desperdícios e vivendo do básico.
A amenização da crise econômica veio com o benefício da Lei Aldir Blanc, criada no ano passado para ajudar profissionais do setor cultural durante a pandemia da Covid-19.
“Quando chegamos ao limite, tive um estalo, lembrei que quando adolescentes trabalhei muito com cortes de grama, na época ajudava meu pai no sustento da casa […] então parti para corte de gramas e roçagem realmente parece que Deus assinou embaixo, foi uma acertada nossa agenda totalmente lotada”.
Sobre a retomada dos eventos, Renato conta que já tem agenda para 2022, uma esperança depois de tantos percalços. Tanto ele, como sua esposa, se dedicam ao fazer o que gostam.
“Quem procura pelo nosso atendimento sempre quer um atendimento de qualidade e pontualidade, ou seja, um atendimento diferenciado, é exatamente isso que faço para com todos”.
Quem se faz ouvir
Como uma banda de rock lida com a distância dos palcos
Aqueles que levam o som até o coração do público sentem a falta do calor da platéia. É o que conta Rodrigo, vocalista e guitarrista da banda Doctor Dog, formada há mais de 20 anos.
Quando os protocolos de segurança sanitária começaram a entrar em vigor, todos os shows de 2020 da banda foram cancelados.
Ainda no início de março, os músicos fizeram uma última apresentação, mas possuíam agenda até outubro de 2020, que precisou ser cancelada.
Para manter o contato com o público, o grupo focou nas redes sociais, principalmente o Facebook, onde possuem uma fanpage com um bom número de seguidores. Era através da página que atualizavam seus fãs sobre as novidades da banda, os planos e a realização de lives.
“Claro que não é a mesma coisa que estar ali presente com o público né, mas ajudou bastantes, na divulgação de alguns trabalhos que a gente foi fazendo durante a pandemia né, porque também não podíamos nem nos reunir pra ensaiar, então a gente teve que se reinventar online.”
A banda se reinventou com o trabalho online, já que antes da pandemia não eram tão adeptos ao uso intenso das redes. Fizeram lives para ajudar quem precisava, duas delas foram para a Liga Feminina de Combate ao Câncer de Camaquã, que contou com o apoio de grandes parceiros e arrecadou mais de duas toneladas de alimentos e mais de R$ 20 mil em dinheiro.
O grupo visava ajudar aqueles que a Liga beneficia, tendo em vista que a maior parte da arrecadação vinha de chás e eventos realizados pelas integrantes, o que ficou impossibilitado pela pandemia.
A Doctor Dog também realizou live para arrecadar dinheiro para os profissionais que trabalhavam nos bastidores dos shows.
“Foi muito gratificante, na pandemia, poder de alguma forma ajudar essa galera que realmente tava necessitando, porque tem essa galera que trabalha pros músicos, se chama o pessoal da graxa, e esse pessoal realmente tava passando muita necessidade.”
Quanto ao apoio financeiro cultural, Rodrigo recebeu recurso da Lei Aldir Blanc, que destinou para a gravação de uma composição sua, que conta a história de uma festa tradicional do município de Camaquã. Como banda, os integrantes utilizaram o tempo para focar em composições.
A pandemia em si não causou impacto financeiro drástico na vida dos integrantes, por ser apenas uma renda complementar, cada um se dedicou à sua respectiva profissão.
Quando perguntado sobre o que mais sentia falta dos tempos antes da pandemia, Rodrigo cita a saudade de estar na estrada.
“O que a gente sente mais saudade é de estar junto na estrada, de estar conhecendo pessoas, lugares; porque no último ano a gente rodou muito, a gente conheceu muitos lugares e muita gente bacana, então eu acho que o que mais afetou foi essa parte da saudade de estar junto na estrada fazendo o que a gente ama”.
Quem idealiza e organiza
Como o idealizador de um evento que acontece há mais de 16 anos teve que interromper seus planos
Alceu Amaral da Silva é professor, escritor, artista amador e organizador do evento Rock e Poesia. Sempre esteve em contato com a cena musical do underground do rock em Pelotas, sua cidade natal, quando mudou-se para Camaquã, entrou para a Secretaria da Cultura, onde sugeriu um evento em praça pública. Na ideia do professor, o evento teria poemas recitados no intervalo dos shows musicais, e não teria um formato competitivo, apenas visando a mostra dos talentos locais.
O evento ocorre há 16 anos, tendo sido interrompido apenas pela pandemia. Alceu tinha diversos preparativos para a edição de 2020, ainda na fase de pré-produção havia conseguido um número recorde de patrocinadores para o Rock e Poesia, e tudo precisou ser cancelado.
“Foi um momento de tristeza, porque eu entendi o que estava acontecendo, a situação atual da humanidade, as consequências para a nossa sociedade como um todo, seja ocidental, oriental, árabe, não importa, as consequências são terríveis, históricas, lamentáveis, então não há clima para festejar”.
Para não deixar o nome do evento se perder e cair em um possível esquecimento, Alceu intensificou a utilização do canal do YouTube do evento, onde faz resenhas de álbuns de rock, tanto da região gaúcha como de outros lugares do Brasil.
“Sempre com esse mesmo intuito do evento, que é divulgar as bandas da região, divulgar as bandas locais, sua arte, sua visão, essa tradução da sociedade, do caminhar humano através da música.”
Quem produz e torna possível
Como o dono de um estúdio de gravação lidou com o fechamento do seu negócio
Fabrício Medeiros tem 38 anos, é músico e funcionário público, além de ser dono de um estúdio de ensaio e gravação.
Com o fechamento dos estabelecimentos como forma de controlar a disseminação do coronavírus, o Studio Bee foi mais um dos prejudicados do cenário cultural camaquense.
Logo no início da pandemia, toda a agenda de ensaios e gravações foi cancelada, ficando completamente fechado.
“Neste período tive que investir em produção de lives sendo esta a principal renda do estúdio.”
Antes da pandemia, o estúdio era mais voltado para ensaios e algumas gravações, quando em 2020 se fez necessário encarar produções audiovisuais.
“Neste período que estivemos fechados e impossibilitados de ter eventos, que é a entrada de renda para os músicos, tivemos q fomentar a esperança em todos, para sair em busca de patrocínio, investidores, para continuar a produzir algo relacionado a cultura, porque muitos músicos tiveram que trocar de profissão para se sustentar.”
O estúdio arrecadou cestas básicas de todo o Brasil através das lives, e destinou para aqueles que precisavam. Fabrício conta que tem muitos planos para o retorno da normalidade, mas que todos estes envolvem um grande número de pessoas.
“Temos muitos planos para o retorno, mas como todos envolvem grande número de pessoas, é necessário a vacinação em massa para que seja possível que algo aconteça.”