O setembro que ninguém vê

Como o dia da visibilidade bissexual é importante

Por Maria Clara Morais Sousa/ Em Pauta

O mês de setembro é celebrado de diversas formas como o “Setembro Amarelo” – símbolo da luta contra o suicídio – e “Setembro Verde” – símbolo da luta pela inclusão das pessoas com deficiência – porém as cores mais desconhecidas do mês são rosa, azul e roxa celebradas ontem, no dia 23 setembro, com o dia da visibilidade bissexual.

A definição mais utilizada para bissexualidade é dada pela ativista Robyn Ochs, ela afirma que “o potencial de sentir-se atraída — romântica ou sexualmente — por pessoas de mais de um sexo e/ou gênero, não necessariamente ao mesmo tempo, não necessariamente da mesma forma e não necessariamente nos mesmos níveis” é o que realmente define uma pessoa como bissexual.

Mesmo com uma comunidade forte, a bissexualidade ainda recebe ignorância e preconceito por parte da sociedade. Nick Nagari, criadora de conteúdo, relata no seu twitter como existe uma falsa ideia que ser bissexual é ser “50% heterossexual e 50% homossexual” segundo ela “Não existe isso, a nossa vivência é 100% bissexual o tempo todo”.

Essa desinformação afeta a identificação de pessoas bissexuais no dia a dia, como é o caso de Roberto*, que no seu processo de aceitação não sabia que a bissexualidade existia: “Muita das vezes sinto que as pessoas nem sequer se dão ao trabalho de entender sobre o assunto, para elas nem existe essa possibilidade” ele diz.

Na mídia, apenas 117 de 443 personagens atuais são bissexuais, pansexuais e queer – segundo o relatório de 2018 e 2019 da GLAAD (Aliança gay e lésbica contra a difamação). Stéfane Costa, estudante da Universidade Federal de Pelotas, acredita que a representação bissexual nas grandes mídia é pequena “sempre quando vemos algum casal de mulheres geralmente há um desfecho trágico para elas, ou acabam sendo fetichizadas ou desconsideradas”.

Uma das formas mais comuns de bifobia é tratar a bissexualidade como uma “fase” antes de alguém dizer que é homossexual. Roberta* conta que o momento que mais se sente invisibilizada é exatamente esse “muitos desmerecem a sexualidade como fase, indecisão ou até ‘safadeza’”.

Todo esse cenário de invisibilização afeta a saúde mental de qualquer que ouça “você está confuso” ou “isso é só uma fase”. Um estudo da revista científica “Journal of public health” afirma que, comparadas a mulheres lésbicas, as mulheres bissexuais têm 64% mais chances de enfrentar distúrbios alimentares, 37% de sofrer com automutilação e 26% de possuir ou desenvolver um quadro depressivo.

João* é um exemplo de como a bifobia afeta a saúde mental “Tenho ansiedade e crises de choro algumas vezes pelo peso dessa dor de não poder ser quem eu sou sem medo de ser julgado. E já passei por uma época de negação à minha sexualidade em que pensamentos suicidas apareciam com frequência, o que é extremamente preocupante.”

Os números do estudo da Universidade de Stanford do Reino Unido demonstram que apenas 19% dos bissexuais contam para familiares e pessoas próximas sobre sua sexualidade e 26% não dividem essa parte de sua vida com ninguém, contrastando com 75% de pessoas homossexuais que expõe sua orientação sexual para pessoas próximas.

Já a iniciativa UN Free & Equal do Escritório de Direitos Humanos das Nações Unidas relata que uma pesquisa feita do Reino Unido indica que uma de quatro pessoas bissexuais já se sentiu ameaçada ou violentada nos últimos cinco anos. Nos Estados Unidos foi indicado que uma de duas mulheres bissexuais relatou ter sofrido estupro e 75% de mulheres bi já enfrentaram violência sexuais.

Dessa forma, com todas as violências e preconceitos que pessoas bissexuais sofrem, o dia 23 de setembro se torna cada vez mais necessário. Para o desenvolvimento dessa matéria, perguntei aos entrevistados se tinham alguma experiência ou algo para compartilhar, aqui estão suas respostas:

“Eu estava me relacionando com uma pessoa do mesmo gênero que o meu, que era ciente de que eu sou bissexual, mas que um dia, em meio a uma conversa, me falou com convicção que eu não era bissexual, que eu era gay porque eu tinha “jeito de gay”. E ainda ficou bravo quando eu tentei explicar a questão da invisibilidade bissexual e se fez de vítima da situação dizendo que eu fui grosso”

“Uma vez, fui questionado por um psicólogo se essa era realmente a minha escolha, se num futuro eu não iria me arrepender, e sobre minha futura esposa se espantar e ficar com pé atrás por saber que também gosto de alguém do mesmo gênero. Mas logo repeli e vi que aquele questionamento não fazia sentido!”

“Bem, algumas pessoas dizem que há idade para se descobrir, mas não acho isso, já que crianças podem ser hétero e não Bissexuais, ou lésbicas. Acho que todos devem ter direitos de se descobrir a qualquer momento da vida, e que não tem idade para isso. Muitos adolescentes são excluídos desse meio por serem ‘jovens demais’, mas não acredito que neste quesito exista idade.”

“Uma vez, quando eu gostava de uma menina e andava com ela pela escola, ouvi pessoas comentando isso, e pessoas próximas a mim ouviram colegas comentando que ‘não tem o que fazer né’ e que ‘me aceitavam’, como se eu precisasse disso, como se eu pedisse. É algo simples, nem perto de coisas que outras pessoas já sofreram, mas eu me pergunto o porquê das pessoas se importarem? O que há de mal em gostar de alguém sem se prender ao gênero?”

* Nomes modificados para descrição dos entrevistados.

Comentários

comments

Você pode gostar...