O bom e velho clichê
Amor em Verona, estrelado por Kat Graham e Tom Hopper, é mais uma comédia romântica que chega ao catálogo da Netflix para nos mostrar que o gênero, apesar de adormecido nos cinemas, ainda é extremamente bem-vindo no streaming.
Por Sarah Oliveira
A história começa com a nossa mocinha Julie (Kat Graham) ansiosa para a sua grande viagem a Verona junto ao namorado e pelo possível pedido de casamento que irá receber de seu amado, mas tudo vai por água abaixo quando, ao invés de pedir a sua mão, o homem decide terminar a relação. Agora, sem namorado e triste, Julie tem duas opções: ficar em casa sofrendo pelo término ou realizar a sua viagem dos sonhos à cidade do amor completamente sozinha de coração partido.
E é óbvio que ela decide seguir o seu sonho de visitar a cidade de Romeu e Julieta, seu romance favorito.
Após uma conturbada trajetória até a cidade italiana com direito a mala extraviada e tudo de ruim que pode acontecer á um viajante, Julie não tem um minuto de paz nem mesmo após chegar na adorável casa – ou villa como é chamada pelos italianos – que alugou pela internet, pois ao entrar na residência ela dá de cara com Charlie (Tom Hopper), um homem extremamente irritante e implicante que alugou o espaço no mesmo período de tempo que ela, só que por outro aplicativo. Para resolverem a situação, a dupla resolve chamar o proprietário do imóvel, que admite que cometeu um erro na hora de agendar e aceitar a estadia dos dois na villa nos aplicativos de aluguel, mas, para que nenhuma das partes saia perdendo, ele sugere que Julie e Charlie dividam o espaço até que uma outra alternativa apareça.
E é claro que os dois decidem aceitar essa opção, já que ambos são contra a ideia de deixar a villa inteiramente para o outro.
Dessa maneira, já com um péssimo primeiro encontro, Julie e Charlie entram em pé de guerra. Enquanto fazem de tudo para tirar o outro do sério – e as ações vão desde a causar uma reação alérgica no outro a expor o diário pessoal do outro na parede de cartas para Julieta -, os protagonistas servem ao espectador momentos divertidos e repletos de clichês famosos entre os filmes de comédia romântica de Hollywood, que apesar de repetitivos e previsíveis, são sempre muito bem-vindos.
Sendo os mais novos representantes do gênero “enemies to lovers” – em português “de inimigos para amantes” – onde os protagonistas começam inicialmente se odiando e com o tempo vão se tornando amigos e eventualmente acabam se apaixonando, “Amor em Verona” é mais um sinal de como a comédia romântica vem se reinventando e adquirindo um novo espaço dentro do mundo do cinema. O gênero que já foi um dos maiores e mais lucrativos dentro da indústria dos anos 80 até o início dos anos 2010, nos dias atuais já não está mais ocupando as grandes telas do cinema, mas sim, as pequenas e médias telas de TVs e celulares, já que tanto o público quanto os executivos foram gradualmente perdendo o interesse de levar esse tipo de história para os grandes projetores.
Porém, o que foi visto como uma perda de tempo e dinheiro pelos grandes e tradicionais estúdios de cinema de Hollywood, foi visto como uma boa, rápida e fácil fonte de conteúdo para as plataformas de streamings que, á essa altura, já haviam conquistado o público com a sua facilidade de acesso á um catálogo praticamente ilimitado e que agora estavam mirando na expansão de seus horizontes no mercado cinematográfico através de produções originais feitas pelo seu próprio selo, ao invés de transmitir e disponibilizar produtos alheios. E a Netflix foi a pioneira desse movimento.
Em entrevista ao Portal Exibidor em 2019, um correspondente da empresa disse que o pedido constante dos fãs por novos filmes de comédia romântica foi o que motivaram eles a se arriscarem na produção de alguns títulos, além da sua vontade de exploração de novos gêneros que possam lhe trazer mais e mais audiência para a sua plataforma – o que de fato funcionou.
Depois de lançar as suas primeiras tentativas de reviver os filmes de romance açucarados, a aclamação veio de todas as partes envolvidas: os fãs gostaram das novas histórias, a crítica especializada também se viu rendida pela nova face da categoria e os lucros vieram em grande escala graças à nova onda de assinantes que adquiriram o streaming para poder ver as novas obras do gênero adormecido. Ou seja, a lista de vantagens e motivação para continuar investindo no ramo só aumentavam.
Mas a mudança não foi feita somente no mercado, ela também foi feita nas histórias contadas nesse tipo de filme.
Anos atrás, a maioria das histórias que eram contadas nas rom-com’s – abreviação de “romantic comedy” em inglês – eram sobre mulheres cuja toda perspectiva de vida girava em torno de homens e de estar em um relacionamento amoroso com eles para que suas vidas finalmente fossem completas e com sentido. E essa ideia já não cola mais nos dias atuais. Devido aos movimentos em prol do empoderamento das mulheres nos últimos anos, esse ideal completamente restritivo da representatividade feminina no cinema fez com que a cada ano as comédias românticas fossem motivo de aversão do seu maior público consumidor, já que essa narrativa já não coincide mais com a realidade atual das mulheres do mundo – que clamavam por uma representação mais fiel e coerente nas telas.
Apesar de ainda contar com um toque dos antigos clichês – como deixar a vida amorosa de lado para priorizar a carreira, ser largada pelo amado às vésperas de algum momento importante, entre outras – a mocinha do final dos anos 2010 e início dos 2020 é uma pessoa que acima de tudo tenta priorizar a sua felicidade, seja ela envolvendo um novo rumo na sua vida profissional, um novo passo na sua formação acadêmica ou dando uma nova chance ao amor sem que nenhuma dessas coisas sobreponha a outra e resuma totalmente a sua existência. Além disso, também houve uma mudança no perfil dessas personagens.
Do final dos anos 80 até boa parte dos anos 2000, a maioria das protagonistas eram mulheres brancas, cis e hétero. Atualmente, apesar de ainda representarem uma boa parte dos papéis de destaque, mulheres negras, latinas e asiáticas estão cada vez mais sendo escaladas como as protagonistas das clássicas histórias de amor.
Ao conversar com Teca Morais (53) sobre esse assunto, que também é um de seus gêneros cinematográficos favoritos, ela diz que se sente “muito bem de [me] ver representada através dessas mulheres, que entraram com tudo, que saíram daquela vidinha de fogão, geladeira e tudo [mais] e foram pra vida, foram ser donas de suas vidas” com a mudança que essa nova geração de comédias românticas trouxe.
Ela também ressalta que esse tipo de exemplo positivo vindo principalmente de protagonistas, que assim como ela, são negras, foi algo que lhe fez falta quando era mais jovem: “[…] antigamente a gente não tinha em quem se espelhar”. Porém hoje, Teca – assim como milhares de outras mulheres pretas – se vê e leva para a sua vida a mensagem que essas personagens lhe dão através das telas do cinema e da TV: “Agora a gente tem toda essa classe de mulheres ambiciosas, lindas, [mostrando] que nós merecemos tudo isso e muito mais.”
E não somente a etnia passou a ser mais diversificada, como também a diversidade sexual passou a ter seu espaço nas comédias românticas modernas através dos filmes que contam histórias de casais LGBTQIAP+ – e nesse quesito, não só as mulheres recebem uma nova representação positiva, como todas as pessoas independentemente de seu sexo, identidade ou expressão de gênero. Para ter uma perspectiva melhor, também conversei com Maria Clara Morais Sousa (21), que assim como a mãe, Teca, tem as rom-com’s como um dos seus tipos de filmes favoritos e é uma mulher bissexual. Ao ser perguntada sobre o aumento da representatividade da comunidade que faz parte nas telas, a estudante diz que “acha adorável” e que ver isso acontecer cada vez mais a deixa muito feliz, pois “é uma pauta muito importante.” Contudo, ela faz um alerta: “[…] ainda vejo muita falta de representatividade trans e não-binária.”
Falando sobre a sua experiência de entender a própria sexualidade, Morais declara que, com essa visibilidade nos filmes, ela espera que outras pessoas possam encontrar neles uma identificação e um conforto nesse momento tão delicado e pessoal de entendimento. “Quando descobri que gostava de meninas, fiquei muito confusa, não sabia que você podia gostar de todos os gêneros. Hoje, com essa representatividade, a bissexualidade é mais vista e assim, eu espero, que pessoas como eu não se sintam perdidas, confusas e sozinhas como eu fiquei.”, diz ela.
Maria Clara ainda ressalta que também é muito importante ter esse tipo de representatividade não só na frente das câmeras, mas atrás delas também. “[…] a gente tem que pensar quem tá por trás também: diretores, editores, roteiristas, todos merecem um espaço.”
Uma das maiores desculpas para o pouco investimento – ou a total falta dele – era de que filmes protagonizados por esses grupos não iriam atrair público o suficiente para gerar o tão querido lucro para os cofres e bolsos dos produtores e executivos de Hollywood – e eles não poderiam estar mais errados. Apenas fazendo uma breve pesquisa, podemos ver que a romcom mais lucrativa de 2018 foi ‘Podres de Ricos’, filme com um elenco majoritariamente asiático e que faturou cerca de milhões de dólares, ocupando a posição 17 no ranking das maiores bilheterias daquele ano, sendo a única produção do gênero a fazer parte da lista. A comédia romântica de 2020 protagonizada por Kristen Stewart e Mackenzie Davis, ‘Alguém Avisa?’, recebeu certificado “Fresh” do site Rotten Tomatoes pelos seus 82% de aprovação entre os críticos especializados. Já no streaming, ao entrarmos no site ‘Netflix Top 10’, plataforma que lista os filmes mais assistidos ao redor do mundo na Netflix, vemos que, desde a semana de seu lançamento, ‘Amor em Verona’ só caiu uma posição no ranking dos 10 filmes mais assistidos globalmente, saindo da segunda posição e indo para a terceira, onde ficou até a semana do dia 18/09.
Apesar de estar dando a volta por cima da maneira mais surpreendente possível, as comédias românticas ainda enfrentam alguns obstáculos para voltar a sua antiga casa, mas aos poucos elas estão encontrando o seu caminho de retorno. Porém, podemos dizer com plena certeza que as comédias românticas vieram para ficar de vez nas plataformas de streamings e a sua maior tendência hoje é se estabelecer como o novo gênero emblemático dessa parte da indústria cinematográfica que só cresce.