O apocalipse bate à sua porta

“Batem à Porta” é o mais recente longa do diretor M. Night Shyamalan, responsável por aclamados filmes como “O Sexto Sentido”, “Sinais” e “Fragmentado”

Por Jaime Lucas Mattos / Em Pauta

Baseado no livro “O Chalé no Fim do Mundo”, de Paul Tremblay, “Batem à Porta” (“Knock at the Cabin”, no título original) apresenta um casal homoafetivo e sua filha, que iriam passar as férias em uma cabana afastada da cidade, mas que se deparam, de repente, com quatro pessoas armadas invadindo seu espaço e os ameaçando. O pedido central dos estranhos é que o casal e a menina decidam entre si qual membro da família deve morrer para que o mundo seja salvo de um apocalipse. Não bastasse isso, o escolhido deve ser assassinado por outro membro da família.

Conhecido por reviravoltas em seus filmes, M. Night Shyamalan dirige “Batem à Porta” sem a preocupação com conceitos previamente estabelecidos pelo público em relação à sua imagem. No lugar de um roteiro muito elaborado, os takes diferentes e criativos se tornam o verdadeiro atrativo da produção.

Os enquadramentos criativos são o grande destaque da produção / Imagem: Reprodução/Universal Pictures

As escolhas de enquadramento da imagem chamam a atenção, afinal são apresentadas algumas cenas filmadas de forma não convencional. São exemplos os ângulos tortos de algumas cenas (como a abertura: além de inclinada, “corta” o queixo e o topo da cabeça dos personagens) e o acompanhamento da câmera aos movimentos de alguns personagens ou objetos (centraliza-os no enquadramento mesmo quando eles se movimentam da vertical para a horizontal).

Porém, se o filme ganha pontos com a direção, ele perde outros muitos com a narrativa. O roteiro não desenvolve muito a história além da premissa inicial, não há muita problematização nem discussão sobre os assuntos propostos.

O casal e sua filha sendo ameaçados pelos “visitantes” / Imagem: Reprodução/Universal Pictures

Apesar disso, nos prendemos na frente da tela até o final por querer entender o que está acontecendo e querer saber se a ameaça do apocalipse é real ou não. No entanto, as respostas às perguntas não são dadas, e quando alguma é, não satisfaz. Principalmente frente a uma trama vaga e que não desenvolve muita coisa, as respostas poderiam ser um artifício para uma melhor satisfação com a trama.

O roteiro chega a ser arrastado. Prolonga a premissa o máximo que consegue, fazendo com que os personagens não se comuniquem da maneira que qualquer indivíduo se comunicaria numa situação tensa como a que eles passam. As vítimas não perguntam o que deveriam perguntar, enquanto os “agressores” convencem pouco (para não dizer “nada”) no início, com argumentos frágeis.

Um dos poucos méritos que o roteiro merece é o deslocamento de alguns elementos narrativos dos lugares comuns. Por exemplo, o conflito da trama sendo apresentado já na cena de abertura (ao invés de existir uma introdução aos personagens nos primeiros 20 e poucos minutos) e alguns flashbacks na trama para suprir essa falta de introdução, que faz com que o espectador sinta empatia pelos protagonistas.

Os flashbacks abrem margem para a emoção de ver momentos felizes da família /Imagem: Reprodução/Universal Pictures

Outro ponto positivo, mas não por mérito do roteiro, é a representatividade. Shyamalan traz um casal de homens como protagonistas de um filme em um gênero que normalmente só tem como protagonistas personagens heteronormativos. Ainda mais: através dos flashbacks, a trama apresenta temas e problemáticas recorrentes no dia a dia de pessoas LGBTQIAP+, tratando-os de uma forma cautelosa, para também causar empatia no público.

Dave Bautista tem a melhor atuação do filme e a melhor da sua carreira. Surpreendentemente, o seu desempenho é arrebatador. Ele consegue transmitir no rosto o cuidado, a calma e a compaixão que seu personagem pede, subvertendo o que se espera da imagem de um ex-lutador da WWE. A jovem Kristen Cui também se destaca, e segura a inocência da personagem durante todo o filme.

Os invasores podem ser interpretados como os quatro cavaleiros do apocalipse / Imagem: Reprodução/Universal Pictures

Com um final amargo, “Batem à Porta” pode tanto agradar quanto desagradar, mas certamente é um filme que pode ser debatido na roda de amigos, diante de suas metáforas religiosas ou de representatividade. Apesar de ser um pouco vazio no desenvolvimento de suas discussões, o filme vale a pena para quem gosta de produções filmadas de maneira criativa, além de quem prefere tramas amargas a tramas que deixam as metáforas em uma fácil interpretação.

O filme de Shyamalan deve chegar às plataformas digitais em breve.

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