Nas ruas pela educação
Comunidade acadêmica toma as ruas em protesto contra cortes de orçamento e ataques as universidades e institutos federais pelo atual governo federal
Cadre Dominguez / Em Pauta
Existem sentimentos e necessidades que não aceitam adiamentos. Não importa se chove, se o dia está nublado, se tem vento, se ficou abafado, se vocês está cansado de um dia extenuante. Nada. Algum apelo que surge lá do fundo dos nossos pensamentos e turbina nosso coração para mover o corpo. E lá vamos nós. O largo do Mercado Municipal de Pelotas começou a receber as primeiras pessoas por volta das 16h26min. O carro de som dos sindicatos de servidores já está ligado e tocando músicas de campanha política. Mas o que acontece naquele pedaço de território pelotense transcende uma óbvia atividade eleitoral. Algo bem maior está em jogo. O microfone aberto esclarece:
– A gente está aqui está por que tem esperança em um futuro sem ódio, sem preconceito, sem violência, onde a educação é mais importante do que armar a população. Sou professora, ensino crianças a se alfabetizarem. Não quero mais ter medo de morrer. Muitos não podem estar aqui pois morreram pela violência do Estado, do governo federal, desta administração pública excludente – afirma a jovem professora Gabriela que pediu a palavra e abriu o coração.
Suas palavras emotivas despertaram muitos pensamentos em pessoas de cabelos brancos, em cabelos encaracolados, em cabelos ralos, em cabelos coloridos, em cabelos simplesmente molhados da garoa insistente que escorria do céu nublado e cinza, contrastando com as cores vivas das bandeiras vermelhas, amarelas, verdes, azuis e brancas.
O dia nacional de lutas pela educação teve atos em todo o país. Nas capitais e no interior dos estados, estudantes, funcionários públicos, professores e comunidade acadêmica foram as ruas para alertar a sociedade do descaso e dos recorrentes ataques do governo federal a ciência e ao ensino no país, com cortes de recursos e um festival de declarações mentirosas desde que o atual presidente da república assumiu o governo. Em resumo, uma política desastrosa que culminou em escândalos de corrupção envolvendo o ministro da Educação, pastores e barras de ouro.
Na semana passada o governo voltou a atacar. Editou três portarias, abrindo espaço no orçamento para ocorrerem bloqueios nos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), o principal financiador da ciência no pais, o que inclui bolsas de pós-graduação. Esta é mais uma tentativa de bloqueio de recursos do fundo após a rejeição, no Congresso Nacional, de um trecho do Projeto de Lei do Congresso Nacional 17/22, que abria uma brecha para esse bloqueio e a transferência de mais de R$ 2,5 bilhões.Na quinta-feira (13), entidades divulgaram nota conjunta sobre o desvio de R$ 1,2 bilhão do FNDCT para pagar despesas de outras pastas do governo federal. Com isso ficam à míngua importantes programas e projetos do Ministério da Ciência Tecnologia e Inovações (MCTI) e agências financiadoras de pesquisa.
Aconteceram 75 atos em todo o pais ontem. No Estado, Pelotas, Rio Grande Porto Alegre e Santa Maria tiveram passeatas. Na cidade da UFSM, a rua do Acampamento, no centro da cidade, foi tomada e as chamadas de ordem ecoaram longe. Apoiadores saíram às sacadas fazendo o L.com as mãos para cima As vozes ficavam mais fortes no centro do Rio Grande do Sul.
Aos poucos, indiferente as doideiras do tempo, o Largo do Mercado de Pelotas foi enchendo de gente e empolgação. Com faixas, cartazes, adesivos, bonés, tambores e bandeiras estava armada a manifestação contra o regime autoritário de extrema direita que se apossou do país depois do golpe de 2016 que destituiu a presidente da República Dilma Roussef sem crime de responsabilidade. Nas calçadas, mãe e filha com adesivos, muitas idades e muitas vidas. Vendedores de bandeiras. Quanto amor cabe em uma letra no papel de um velho bloco de notas? Não sei, mas escrevemos e depositamos tinta em papéis para que o futuro não veja o passado como uma folha em branco. Não nos rendemos nos aceitaremos ver só um mundo. São muitos e complexos. Cada um melhor do que o outro.
E lá vai o protesto, as pessoas cantando e gritando sua liberdade pelas ruas do centro da cidade. Há poucos dias foi no bairro Getúlio Vargas, zona norte. É um sentimento que une os 51,82% da população de Pelotas que votou no candidato a presidência do Partido dos Trabalhadores, que venceu no primeiro turno com mais de 6 milhões de votos de vantagem. Quem estava nas ruas, cantava a clássica música de campanha: Lula Lá….
O grupo tomou as ruas e fez a volta na Praça Central, seguindo pela rua Marechal Floriano e atravessando a zona comercial, conclamando os trabalhadores a se posicionarem na eleição do dia 30 de outubro. A recepção era boa e amigável. Em frente a uma escola as professoras dançavam só som das músicas da passeata. Os coros de protesto engrossavam. Eis que um personagem das ruas ressurge. O grande e garbosos cão de rua amarelo e preto se coloca na frente do movimento latindo. Quem tem voz reclama. A situação não está fácil nem para os cães: fome, desemprego, custo de vida alto, pandemia, intolerância e racismo.
A chuva aperta e o coro se fortifica. Bandeiras tremulam e mãos se elevam. Os tambores dão a cadência para os passos. Sim, a esperança caminha de braços dados com aqueles corpos molhados e vibrantes, espontâneos que envergam roupas coloridas e vibrantes no começo da noite, por muitas cidades do país que não aceitam a barbárie e o ódio de que destrói o próprio local onde vive, sem preocupação com quem divide o espaço.
– Fascistas não passarão – grita a jovem de olhos gigantes e sorriso aberto. O seu protesto singular logo vira coro para a multidão reunida.
Adelante. Não passarão. Nunca.
Com informações da Radiocom